A preparação da exposição do projecto Mais Menos, de Miguel Januário, já causava aparato antes mesmo da inauguração. “Dois seguranças do porto de Lisboa, dois administrativos do porto de Lisboa, dois agentes da Polícia Marítima e quatro agentes da PSP” visitaram o artista nas Docas, no momento em que erguia um pano com a frase do Papa Francisco “La realidad es más importante que la idea”, em frente à piscina com formato do país pensada por Joana Vasconcelos.
“Afinal Portugal não está preparado para as palavras do Papa”, dizia alguém nas redes sociais e a intervenção resultou numa contra-ordenação. “Não nos deixaram levantar mais o pano, disseram-nos que aquilo era território do porto de Lisboa e que não podíamos estar ali, apesar de dizermos que estávamos em espaço público”, conta o artista.
“Entretanto apareceu a PSP e ainda houve uma discussão entre a PSP e a Polícia Marítima para perceber de quem era o território e quem tomava conta do caso. Interessante essa questão territorial, porque também é uma das abordagens da exposição.”
A fotografia com a frase do Papa em frente à piscina vai estar em “O Princípio do Fim”, a exposição que é amanhã inaugurada na galeria Underdogs. Tal como mais duas frases do Papa: “O tempo é superior ao espaço”, erguida numa sucata, ou “A unidade prevalece sobre o conflito”, pendurada no Museu Militar.
“Há um choque de religiões que acho incrível: a religião católica e a religião do mercado, que se tornou um novo deus e neste momento é muito mais omnipresente que qualquer outro”, afirma Miguel Januário. “Tens aquilo que controlou a sociedade durante séculos – Deus, a religião, o Papa – e de repente tens o mercado, as agências financeiras, a bolsa.”
A crítica ao mercado financeiro e à sociedade de consumo esteve na base da criação do projecto Mais Menos, em 2005, uma ideia para o fim do curso de Design de Comunicação no Porto. Na altura Januário espalhou o símbolo Mais Menos em cartazes e stencils pela cidade e houve até quem pensasse que eram chineses a marcar prédios para comprar.
Dez anos depois, o artista prepara-se para a sua segunda exposição a solo na galeria Underdogs, depois de “Sell Out”, em 2013, em que tudo estava à venda, até latas com o rótulo “Nothing”, por 19,99 euros.
Na altura, quem entrasse na exposição tinha de passar por um tapete de supermercado depois de ser carimbado e passava também a ser mercadoria.
Agora, e apesar de o consumismo se manter e de ainda vermos peças feitas de notas, onde se lê “This Nothing”, “This is a Joke” ou “This is An Investment” – “porque a arte é a melhor maneira também de lavar dinheiro”, critica –, os temas em destaque são, por exemplo, a perda de valores, os refugiados, questões territoriais e esta “bipolaridade da sociedade”.
“O Princípio do Fim” é nada mais nada menos que “um jogo de palavras”. “O princípio também é um valor e portanto é o fim dos valores. É uma análise, como costumo fazer, à sociedade e ao que está a acontecer, a esta bipolaridade presente em tudo hoje em dia.”
Na exposição entramos por um buraco numa vedação de arame farpado e temos de optar por um caminho: ou para a esquerda ou para a direita, o que mais nos agradar, consoante as nossas orientações.
“A sociedade está a bipolarizar-se cada vez mais e isso também, de uma forma não tão directa, é o ponto de partida da exposição. Olho para as eleições e de repente parece que é tudo antifascista ou anticomunista e que voltámos aos anos 30 do século passado”, continua. “Ou, por exemplo, com a questão dos refugiados: de um lado o pessoal é a favor e tem um sentido humanitário e do outro lado é uma explosão de xenofobia.”
Há um espelho inspirado em “2001 Odisseia no Espaço”, um pedaço gigante de terra a sair da barreira e frases como “We are not a loan”, algures neste labirinto que vai dar sempre ao mesmo sítio. “É tudo um jogo de obrigatoriedade, de enclausura, porque apesar de tudo as tuas decisões vão ter sempre ao mesmo sítio, pela esquerda ou pela direita, é tudo o jogo.”
Amanhã, na inauguração, o próprio artista vai fazer parte de uma performance e vestir a camisola do projecto, dos pés à cabeça. Depois disso, talvez seja também o princípio do fim do Mais Menos.
“É o fim de uma fase que culmina nesta exposição. Quero parar também para investigar o projecto do Mais Menos. Se não pararmos para pensar nas coisas, e olhar para o que já está feito, vamos entrar num lamaçal de continuidade.”