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No nosso modelo constitucional há uma regra que ilustra bem o seu semipresidencialismo: o Presidente da República nomeia um primeiro-ministro, tendo em conta os resultados eleitorais, e à Assembleia da República cabe aprovar ou rejeitar o programa de governo que este lhe apresentar. Se rejeitado por maioria absoluta, implica a demissão do governo. O Presidente não define programas de governo nem determina a sua composição.
No limite, e apenas se entender estar em causa o “regular funcionamento das instituições democráticas” – e isso requer algum tempo de governo, presume-se –, pode demitir um primeiro-ministro e nomear outro ou convocar novas eleições legislativas, caso não esteja no último semestre do seu mandato.
Ou seja, quem valida os primeiros-ministros, os governos e os programas de governo é o parlamento, através da aprovação ou rejeição dos programas de governo, de moções de confiança ou de moções de censura. Sempre foi assim, mas as várias legislaturas feitas de governos imediatamente maioritários adormeceram para muitos esta realidade.
Agora chegou o tempo que Cavaco Silva sempre soube que chegaria e até primeiro que muitos outros, o tempo das coligações e acordos pós-eleitorais obrigatórios, essa tal de maturidade democrática que Cavaco Silva defendia até há poucos dias.
Ou seja, chegou-se, 40 anos depois, ao funcionamento pleno do sistema escolhido pelos constituintes, de modo que um governo emane efectivamente da maioria dos deputados presentes na Assembleia da República, independentemente da sua cor partidária. Pode-se sempre escolher outro modelo constitucional, mas não há dúvidas de que foi este o escolhido.
Se, em 2009, uma união entre PSD, CDS, CDU e Bloco de Esquerda se tivesse predisposto a formar um governo, essa solução seria altamente improvável mas necessariamente legítima, tal como o foi para demitir o governo em funções em 2011. Também em 2002 foi uma coligação pós–eleitoral que suportou um governo, no caso associando PSD e CDS que, juntos, obtiveram a maioria dos deputados no parlamento.
E, neste caso, até claramente invertendo aquela que tinha sido a decisão formal e pública do PSD de Durão Barroso antes das eleições, que recusara então qualquer coligação com o CDS.
A experiência de governos com um apoio minoritário no parlamento, sejam ou não de coligação, tem sido entre nós um desafio. Por outro lado, é visível o recente aumento das opções partidárias. Um novo partido entrou no parlamento. Vários partidos foram constituídos nos últimos anos, reforçando a ideia de uma crescente pulverização do espectro partidário, mesmo que ainda sem grande reflexo parlamentar.
Provavelmente será difícil voltar-se a um modelo de rotativismo “puro” bipartidário entre centro-direita e centro-esquerda. A realidade política tornou-se simultaneamente mais esbatida e com mais variações.
E, curiosamente, no advento recente dos novos partidos, muitos reclamavam uma força partidária que pudesse finalmente associar–se ao PS para formar um governo, dada a indisponibilidade do PCP e do Bloco de Esquerda para sujar as mãos no governo do país… Ironias do destino: os velhos partidos fazem-se de novos. E o jogo continua.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira