Comida de plástico. Bora lá aprender a resistir

Comida de plástico. Bora lá aprender a resistir


Peixe e brócolos de um lado, hambúrguer e ketchup do outro: qual é a criança que opta pela via saudável? O Almoço Virtual usa um autocarro para andar de escola em escola a ensinar aos alunos que as escolhas mais gulosas pesam na factura da saúde.


Peixe ou pizza. Neste “agora escolha”, o fast-food sai vencedor. O projecto Almoço Virtual está a ensinar as crianças portuguesas a fazer melhores escolhas alimentares. Mas pôr o peixe ao lado da pizza, ou o gelado ao pé da maçã não facilita a tarefa.

A bancada de alimentos é tão realista que é preciso confirmar com o toque que o esparguete à bolonhesa do primeiro tabuleiro é mesmo feito de borracha. À carne seguem-se os douradinhos, o peixe grelhado, intercalado com sopas, pão, saladas com e sem maionese, cenouras ao lado de batatas fritas e o cheesecake numa luta desigual com a taça de morangos.

Está criado o cenário com o qual os alunos se deparam todos os dias na cantina da escola. A diferença é que hoje, antes do verdadeiro almoço, têm a oportunidade de corrigir hábitos num self-service virtual criado num autocarro que lhes veio ocupar parte do recreio.

O Almoço Virtual estacionou na Escola Braamcamp Freire, na Pontinha, mas o percurso ainda agora começou. A ideia é andar por escolas de todo o país a dar informação sobre quais são as melhores escolhas alimentares, usando para isso réplicas de comida em silicone que os alunos têm de escolher como se se tratasse de uma verdadeira refeição.

No final, em vez de uma factura com o valor a pagar recebem uma folha o valor nutricional, a contagem de calorias, sugestões para que a refeição fique mais completa e o custo da sua preparação, caso queiram passar do virtual ao real.

Antes que se ouça a campainha que dá o toque – e o mote – para que os alunos surjam à porta do autocarro, o i decide ser cobaia do projecto. Já de tabuleiro na mão, enchemos o prato de peixe grelhado, arroz, brócolos e cogumelos, a que juntamos uma maçã para sobremesa. Na factura, o “Parabéns” é substituído por uma série de conselhos, isto porque falhamos no teste e o prato escolhido não chega para satisfazer as necessidades de um adulto.

“Devia começar com uma sopa de legumes e acrescentar uma salada, por exemplo”, aconselha Pedro Lajes, que como gestor do projecto já sabe de cor os truques que dão direito a um elogio na hora. Feitas as trocas devidas, o papel dado no final do corredor de comida já nos congratula pelas escolhas e além disso dá-nos uma boa notícia: trocar aqueles objectos de silicone por comida real não custaria mais de 3,20 euros.

Na maioria das escolhas feitas pelos alunos nota-se o excesso de sal e açúcar e o défice de consumo de legumes

Ao contrário do i, a maioria dos alunos erra, mas por excesso calórico. “Os pratos vão cheios de pizza, lasanha, batatas fritas e gelados”, resume Pedro. “Até há quem não reconheça o peixe grelhado.” Para acompanhar a refeição são mais os que optam pela Coca-Cola que os que escolhem água. “Isso acaba por retratar o dia-a-dia, em que não há manhã que não veja pelo menos um aluno a beber refrigerantes mesmo antes de começarem as aulas”, conta o responsável.

O que é isto? Dado o toque que anuncia o fim das aulas da manhã, a turma do 8.o ano começa a formar fila à porta do autocarro. Ana é a primeira a escolher e também a primeira a dar mostras de alguns dos erros que Pedro tinha enumerado como os mais comuns. Com o peixe grelhado em riste, preso com a pinça de metal, pergunta. “O que é isto?” Entre risos e tiradas de gozo, a colega do lado segreda. “É peixe, pá. Não se vê logo?” Não foi de imediato que

Ana interpretou a imagem, mas não é isso que a impede de levar essa peça de silicone até ao seu prato, no qual junta apenas arroz como acompanhamento. Nem é preciso chegar ao fim de linha para saber que a factura não vai ser elogiosa. “De certeza que não queres mais nada? Isso é muito pouco”, questiona Pedro. Ana prefere levar a sua escolha avante e guarda no bolso o papel que dá conta de que o que come ao almoço não é suficiente para uma jovem em fase de crescimento.

“’Tá tudo armado em saudável”, brinca João, depois de ver os colegas seguirem com pratos de sopa, saladas e bifes grelhados. Mas é o último tabuleiro da fila que faz João arregalar os olhos. “Retiro o que disse.” Se o início da refeição de Jessica se faz com uma sopa juliana, o que vem a seguir é de deixar qualquer um a duvidar da capacidade devoradora de uma miúda de 15 anos que só por pouco ultrapassa a meta do metro e meio. Lasanha, arroz, batatas fritas, salada com maionese, pizza e cogumelos enchem o prato, complementado com um iogurte de sobremesa e uma Coca-Cola para ajudar a engolir esta panóplia de alimentos. “A sorte é que não engordo”, diz Jessica, perante o olhar de alguma inveja das colegas.

O almoço virtual simula um self-service com réplicas de alimentos, como se de uma cantina verdadeira se tratasse

“O pior é que ela é mesmo capaz de comer isto tudo”, admite a colega com quem divide a carteira. A prova é o resumo do dia-a-dia alimentar feita por Jessica: um bolo comprado no bar da escola é o pequeno-almoço, seguido de um almoço que vem dos cafés ao lado da escola ou das prateleiras do supermercado mais próximo, e que por isso não foge muito das opções em pacote, seja de bolachas, seja de batatas-fritas ou baguetes envoltas em película aderente.

O lanche é uma taça de Chocapic ao chegar a casa e só o jantar de peixe/carne com arroz ou massa dá um toque saudável ao dia, talvez por ser supervisionado pelos pais.

Quando já todos têm o almoço escolhido chega a hora de aprender a ler a factura. “Sabem o que são lípidos?”, pergunta Ana Carrola, uma das dinamizadoras do projecto. Perante o silêncio, decide avançar logo com a resposta. “Gorduras?”, pergunta Jessica, numa reacção acompanhada por um arregalar de olhos. Isto porque, quando o limite para uma refeição são 24 gramas de lípidos, o seu prato chega aos 49 gramas.

Os números e os exemplos específicos ajudam a chamar a atenção da turma e as bocas mais tímidas abrem-se quando começam a ser enumeradas as doenças provocadas pela obesidade. “O meu tio tem colesterol”, ouve-se de um lado. “O meu avô já teve dois AVC”, ouve-se do outro. “Não é que eles não saibam o que faz mal”, adianta Pedro Lajes, “não fazem é nada para mudar essa situação.”

A hora e meia de período escolar ocupada pelo Almoço Virtual acaba exactamente às 13h15, altura mais que perfeita para pôr os ensinamentos em dia. Saem do autocarro aos encontrões e dispersam em grupos assim que os pés voltam a tocar o chão do recreio. Curiosamente, nenhum se deixa levar pelo cheiro a peixe assado que sai da cantina e invade o pólo principal.

O destino final passa pelo lado de lá das grades da escola, onde as esplanadas dos cafés já estão cheias. Jessica sai de braço dado com as amigas, finta os cafés e deixa no ar uma breve esperança de mudança súbita de hábitos ao almoço. É pena a esperança durar apenas até ao cruzar da esquina seguinte. Depois de atravessar a rua entra no supermercado do costume e sai de lá com o menu do dia, que para ela se tornou o de todos os dias: uma baguete de atum e uma Coca-Cola.