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Fábrica, Cabanas, Tavira, Santa Luzia. A pé, de barco ou de comboio, há sempre uma praia escondida no horizonte a chamar por nós. Eis o Algarve, onde o sossego é a palavra de ordem. Em múltiplas línguas: alemão, francês, inglês, espanhol, italiano e, vá, português. O oceano é extenso, de perder de vista. Tal como o céu. E a areia, onde reina o caos calmo.
Por falar nele, ei-lo na toalha ao lado. Em formato de livro-calhamaço em tons de branco com a lombada pintada de vermelho. Na capa, o extraordinário e admirado Nanni Moretti. Sentado num banco de jardim. Tal e qual o filme com o mesmo nome.
Como a literatura ensina-nos sempre mais alguma coisa, ouço esta pequena e divertida história que não me lembro de ter visto reproduzida na grande tela: a filha de Nanni vai jantar fora com o tio, irmão mais novo de Moretti. Pede-se pato no restaurante chinês, ela recusa terminantemente. Então porquê? É contra o abrir do apetite com animais do Looney Tunes, a saber: pato, coelho e canário. Gargalhadas mil, lá se vai o caos calmo. Calma, respira. Fundo. Bem fundo. Ahhhh, agora sim.
Agarramo-nos então a Luis Sepúlveda e Mario Delgado Aparaín. A dupla que a literatura consagra atira-nos para o mundo colorido do fantástico em “Os Piores Contos dos Irmãos Grim”.
É um regabofe sem sentido nem fim. Delicioso. Qualquer tentativa de imaginar o cenário é pura ilusão. Até que nos deixamos obviamente prender por estas linhas de alto gabarito.
“Todos sabemos que as severas disposições da velha Europa xenófoba impedem a entrada de visionários como Rosevél ou como o infausto Miguel Strogroff, a menos que saiam sub-repticiamente de Manaus pelo Amazonas.
Parece-me estar a vê-lo numa dessas velozes e confortáveis chatas com motor fora de bordo de quarenta cavalos, treze vacas e um cão de água e capaz de navegar directamente para o Oceano Atlântico e, daí, continuar em linha recta até às costas portuguesas da Póvoa de Varzim, onde é conveniente chegar depois do pôr-do-sol, hora crepuscular em que os libertinos dessa povoação tratam de se desfazer das tangas usadas durante o dia, põem-nas a secas nas suas vistosas varandas de azulejos e se entregam ao ritual de se enfrascarem com vinho verde até ficarem profundamente adormecidos e com muito pouco sangue na torrente alcoólica.”
Póvoa do Varzim, que delírio. Atiro-me logo ao mar. Que é como quem diz, às memórias do Varzim Sport Clube. Primeiro o pai, depois o filho. O Porto repete a receita com os mesmos intervenientes: primeiro André, depois André André. Tanto um como outro, decidem um clássico.
O de André-e-não-estou-gago-André é o deste domingo, ao Benfica (apenas o sétimo 1-0 de sempre, o quinto com golo de um português após Monteiro da Costa 1957, Naftal 1965, Custódio Pinto 1968 e Costa 1978), o de André-sem-gaguejos é de um outro domingo, em Outubro de 1989, com o Sporting, em Alvalade. Como? Na própria baliza. “Tinha de ser”, desabafa. “Se não fosse eu, o Gomes estava mesmo mesmo atrás de mim.” Que delírio.
Editor de desporto
Escreve à sexta e ao sábado