Robert Forster. “Um dia ainda vou ser actor no cinema. Não é proibido, pois não?”

Robert Forster. “Um dia ainda vou ser actor no cinema. Não é proibido, pois não?”


Falámos com o músico australiano, um dos fundadores dos Go-Betweens, que na sexta-feira edita um novo disco a solo, “Songs To Play”.


Às tantas, a meio da conversa, RobertForster diz-nos algo como“tenho quase 60 anos”, mas de o ouvir ninguém adivinha. É o mesmo de sempre, este australiano que foge do sol, um melancólico-alegre que trata tudo com charme: a música que faz, as memórias que colecciona e as pessoas com quem fala. Edita um novo disco, “Songs To Play”, na sexta-feira, tratou da antologia dos seus Go-Betweens no início do ano e está a escrever um livro de memórias. Fala-nos de Brisbane, só podia.A cidade baptizou uma ponte com o nome da banda que Forster fundou com Grant McLennan em 1977, para onde haveria ele de ir? O disco é um novo começo, com canções que escreveu sozinho, mas que mostram o mesmo Robert, com os mesmos tiques tristonhos para passeios de bicicleta em cada refrão, música alegre por ver nevoeiro em qualquer altura do ano. Marcamos o número de telefone e lá está ele.

Robert?
Sou eu, sim. Estás a ligar de Portugal, não é? Estava à tua espera.
Mas há muito tempo?
Não… Quero dizer, sim, mas não por culpa tua, é só porque estava aqui em casa há um bom pedaço sem nada para fazer. Bom, tenho umas coisas para fazer, mas não me apetece muito… Enfim, o costume.
Uma entrevista é das coisas que também não lhe apetece fazer?
Nada disso, gosto de conversar. Como é mesmo o teu nome? Diego?
Não, Tiago. T-I-A-G-O.
Ah, Tiago.
Isso. 
Agora sim, podemos falar.
Falemos sim, ainda por cima agora é um doutor, certo?
Sim. Soa muito bem, essa é a primeira coisa a dizer. E também sabe muito bem. É um doutoramento honoris causa. Foi-me atribuído pela Universidade de Queensland, que foi onde estudei. Foi também onde o Grant McLennan [músico com quem fundou os Go-Betweens, que morreu em 2006] estudou; também a Lindy Morrison, que foi baterista dos Go-Betweens durante algum tempo. Não acabei o curso porque, entretanto, os Go-Betweens começaram. Entrei na universidade em 1975. Ter o diploma com este estatuto 40 anos depois foi incrível.
Alguma vez se arrependeu de não ter acabado o curso naquela altura?
Não, mas em 2004 voltei a estudar, na mesma universidade. Só fiz uma cadeira, de Língua Inglesa. Acho que, na altura, o fiz só porque estava a precisar de uma mudança, de quebrar o meu raciocínio, estava há demasiado tempo de volta das mesmas coisas. Os Go-Betweens estavam numa pausa, precisava de fazer algo diferente… quanto ao curso, nunca me arrependi, não. Até porque não o terminei por causa da banda, acho que fiz a escolha certa.
Tudo isso quer dizer que alguma vez ponderou fazer algo que não tenha relação com música?
Talvez, sim… desde pequeno que o que mais queria ser era actor. Acho até que ainda podia ser actor. Já disse a muita gente: se alguma vez fizerem um filme gostava de participar, de fazer parte do elenco. Não no palco, não no teatro, num filme. Claro que isto seria um trabalho de interpretação, uma performance, como é a música. Mas é outra coisa. Um dia, ainda vou ser actor de cinema. Não é proibido, pois não?
É cinéfilo, portanto.
Sim, mas sou daqueles que “já foram mais ao cinema”. Temos filhos, adolescentes, e acho que em breve eu e a minha mulher vamos voltar ao cinema com regularidade, esse tempo das nossas vidas vai voltar. Ela também gosta, temos tudo para correr bem. Mas nos últimos 15 anos tem sido complicado. 
Muito bem, já que fala em anos, o último disco lançou-o há sete. Foi tempo suficiente para ter saudades de tudo isto, não?
Sim, saudades, mas talvez não tantas como acontece com outras pessoas. Mais perto do fim, a coisa estava a ficar complicada, durante a gravação do álbum anterior (“The Evangelist”, de 2008). E lembro-me de pensar algo como “estou pronto para esperar cinco anos até lançar um novo disco”, pareceu-me na altura que era um bom período para estar afastado. Mas os cinco tornaram-se sete. E no último já foi difícil aguentar, até porque já tinha as canções todas comigo, escrevi-as entre 2008 e 2012. Quando não há canções, não há saudades porque não há nada para gravar. Mas como tinha o material, sentia falta de estar no estúdio. 
Ao compor as canções ao longo desses anos, em tempos distintos, isso não as torna demasiado independentes umas das outras? Faz sentido arrumar tudo no mesmo disco?
Faz, claro, porque este álbum é um novo começo. Gravei o “The Evangelist” pouco depois de o Grant morrer e incluí algumas canções que escrevi com ele, as últimas. Ainda estava na digressão desse disco quando comecei a escrever mais. Porque sabia que esse tal novo começo era inevitável. Claro que as canções são diferentes umas das outras, mas seria impossível não surgirem no mesmo disco. Além disso, foi deliberada a decisão de não fazer nada a correr, sem pressas.

Trabalhar sem o Grant é difícil?
Não é. Sei que não era esta a resposta que esperavas, mas é a verdade. Não é difícil. Eu e o Grant fizemos nove discos para os Go-Betweens e isso é tudo irrepetível, mas tenho muito mais saudades dele como amigo do que como parceiro de escrita, muito mais. Teria sido tudo muito diferente se só tivessem existido dois discos, por exemplo. Nesse caso, estaria aqui a pensar que podíamos ter feito muito mais. Claro que se ele estivesse vivo ainda seríamos uma equipa, mas o essencial é que sei e consigo fazer música sozinho, e gosto da música que faço. Mas é difícil, escrever canções é uma coisa difícil, sempre o achei, mas também sempre gostei de gravar boas canções, de as tocar ao vivo, o que continua a dar-me muito gozo.
Mas não é assim que deve ser, que dê gozo? Ou melhor, deveria por esta altura não gostar tanto de dar concertos, é isso?
Não sei, talvez, com a idade as coisas mudam, não é? E tenho quase 60. Mas a verdade é que continuo a gostar muito, sim. Nos últimos anos toquei algumas vezes, nada de muito regular, mas comecei a ficar aborrecido porque só tocava coisas antigas. Estava a precisar de canções novas. Daí que esteja entusiasmado com isso agora, como não estava há muitos anos.
Mas de volta à questão da idade, de facto torna tudo mais difícil, as coisas mudam, como dizia?
Mudam muito. A primeira mudança é que as digressões tornam-se mais curtas, por causa da família também. Mas a minha mulher é uma das pessoas que tocam no disco. Quando tocar na Austrália, ela vai estar comigo. E, pelo menos, na Alemanha também. Depois logo se vê.
E sobre as canções, por escrever há tantos anos está agora a fazê-lo de forma diferente? É mais cauteloso e analítico, por exemplo, menos impulsivo?
Analítico, sempre fui, essa é que é a questão. E por isso é que quando fui convidado para escrever crítica de discos em 2005, a coisa resultou. 
E esse lado do jornalismo musical, não o leva a encarar as críticas de outros sobre a sua própria música de forma diferente?
Não leio tantas como costumava. Não sei se por estar mais velho e ser mais sensível às opiniões de desconhecidos, talvez. Ou porque não me preocupo tanto, também pode ser. Claro que adoro quando são boas, mas isso deve ser comum aos seres humanos. Mas não leio tudo o que é escrito sobre mim. Também tenho outras coisas para fazer.
Exacto. Por exemplo, está a escrever uma autobiografia.
Sim. 
E está pronto para revelar a sua vida privada, com tantos desconhecidos que o vão ler, para mostrar esse lado pessoal?
Não sei se é assim tão pessoal. De qualquer maneira, escrevo sobre mim há décadas nas minhas canções. E as críticas de discos também mostram muito de mim, independentemente daquilo que escrevo, seja sobre a Sleater-Kinney ou o Bob Dylan. Isso é tudo pessoal porque tenho sentimentos complexos sobres esses artistas, como tenho pelo Bill Callahan ou os Franz Ferdinand. De qualquer maneira, ainda não acabei o livro e tenho sempre de ir decidindo até onde quero ir, o que estou disponível para contar ou não. Mas os Go-Betweens vão ter muitas páginas e sobre isso já as pessoas sabem quase tudo, parece-me.
Go-Betweens que tiveram este ano uma antologia nas lojas. O Robert foi um dos responsáveis pela edição. Quando ouve canções de outros tempos, o que lhe passa pela ideia?
Sobretudo que gostei muito de os viver. E que há canções muito boas, de períodos diferentes. Gosto muito do que fizemos no início, entre 78 e 79. De 80 e 81 gosto de algumas, outras nem por isso. Adoro o “Before Hollywood” [álbum de 1983] e quase tudo em “Spring Hill Fair” [1984]. Ah, sabes, gosto de tanta coisa… Mas gosto sobretudo de me lembrar de momentos, de pessoas. É do que toda a gente gosta, não é?