O que não vem nos cartazes


Ninguém vai votar no PS ou no PSD ou no PCP devido ao conteúdo dos seus outdoors.


Quando há umas semanas comecei a ver por Lisboa cartazes do PS que recriavam os três pastorinhos de Fátima, com uma recauchutada irmã Lúcia de mãos postas e olhar transido no horizonte, pareceu-me que a coisa ia correr mal.

Quando o cartaz messiânico surgiu, em que outra jovem, de branco, voltava a página apocalíptica e anunciava a boa-nova que estava a chegar, qual capa d’“A Sentinela”, achei, como qualquer pessoa de bom senso, insuportável o mau gosto e a pobreza da criação. Quereria o PS fazer uma campanha com uma mensagem totalmente oposta à imagem do seu líder e do partido, que se tem esforçado por se apresentar como credível, cosmopolita e profissional? Dir-se-á: mas os cartazes visavam um eleitorado que não frequenta o Lux e não sabe bem onde fica Bruxelas, um eleitorado que não percebe bem o que se diz na televisão e que, à semelhança dos frescos medievais nas igrejas, precisa de ver em bonecos a ressurreição que se anuncia. So what? Alguém pode seriamente crer que o apelo ao voto no Portugal de 2015 se faz através de vitrais, seja qual for o seu destinatário?

E quando estes cartazes foram substituídos por uma mensagem mais directa e decisivamente política – desemprego, emigração –, tudo o que não podia aí falhar foi precisamente o que falhou. Um cartaz político que quer contar uma história na primeira pessoa, com o retrato do visado, não pode ser uma ficção. Se for para vender um iogurte, tudo bem.

Há quem ganhe dinheiro a descrever o seu aperfeiçoado trânsito intestinal em horário nobre na televisão. Mas não quando se trata de um projecto político. E, naturalmente, não podem os visados vir para a televisão dizer que, afinal, não autorizaram a imagem e contrariar a história, pondo a nu um acesso de amadorismo e de chico-espertice que envergonha. Está tudo doido? Se os cartazes fossem do PSD, o PS ia usá-los como exemplo de uma lavagem cerebral em curso e de uma vontade clara de enganar os eleitores.

E o que tem isto a ver com política? Curiosamente, nada. Aliás, ninguém vai votar no PS ou no PSD ou no PCP devido ao conteúdo dos seus outdoors. Trata-se simplesmente de dinheiro mal gasto. Quando muito, simplesmente um cartaz que diga “estou aqui, vamos a isto”.

Assim, a “crise dos cartazes” do PS é um simples entretém de Verão de publicitários, jornalistas e comentadores.

Espera-se, portanto, que já tenha passado e que agora se possa voltar a um discurso, uma mensagem, uma proposta. Os eleitores agradeceriam. E existem pelo menos 100 páginas com ideias e propostas do PS para a próxima legislatura – chama–se programa eleitoral. Se calhar, vale a pena recuperá-lo e deixar de andar com um discurso de queixinhas e de quezílias. Os eleitores não gostam disso e apreciariam mais que lhes explicassem o que seria feito de diferente. É que há um pequeno segredo na coisa política: pode haver algum cansaço em relação às promessas, mas ninguém vive sem elas, especialmente quem quer ganhar eleições, e não apenas não as perder. Venham de lá então as promessas e devolvam aos fornecedores os vitrais.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira

O que não vem nos cartazes


Ninguém vai votar no PS ou no PSD ou no PCP devido ao conteúdo dos seus outdoors.


Quando há umas semanas comecei a ver por Lisboa cartazes do PS que recriavam os três pastorinhos de Fátima, com uma recauchutada irmã Lúcia de mãos postas e olhar transido no horizonte, pareceu-me que a coisa ia correr mal.

Quando o cartaz messiânico surgiu, em que outra jovem, de branco, voltava a página apocalíptica e anunciava a boa-nova que estava a chegar, qual capa d’“A Sentinela”, achei, como qualquer pessoa de bom senso, insuportável o mau gosto e a pobreza da criação. Quereria o PS fazer uma campanha com uma mensagem totalmente oposta à imagem do seu líder e do partido, que se tem esforçado por se apresentar como credível, cosmopolita e profissional? Dir-se-á: mas os cartazes visavam um eleitorado que não frequenta o Lux e não sabe bem onde fica Bruxelas, um eleitorado que não percebe bem o que se diz na televisão e que, à semelhança dos frescos medievais nas igrejas, precisa de ver em bonecos a ressurreição que se anuncia. So what? Alguém pode seriamente crer que o apelo ao voto no Portugal de 2015 se faz através de vitrais, seja qual for o seu destinatário?

E quando estes cartazes foram substituídos por uma mensagem mais directa e decisivamente política – desemprego, emigração –, tudo o que não podia aí falhar foi precisamente o que falhou. Um cartaz político que quer contar uma história na primeira pessoa, com o retrato do visado, não pode ser uma ficção. Se for para vender um iogurte, tudo bem.

Há quem ganhe dinheiro a descrever o seu aperfeiçoado trânsito intestinal em horário nobre na televisão. Mas não quando se trata de um projecto político. E, naturalmente, não podem os visados vir para a televisão dizer que, afinal, não autorizaram a imagem e contrariar a história, pondo a nu um acesso de amadorismo e de chico-espertice que envergonha. Está tudo doido? Se os cartazes fossem do PSD, o PS ia usá-los como exemplo de uma lavagem cerebral em curso e de uma vontade clara de enganar os eleitores.

E o que tem isto a ver com política? Curiosamente, nada. Aliás, ninguém vai votar no PS ou no PSD ou no PCP devido ao conteúdo dos seus outdoors. Trata-se simplesmente de dinheiro mal gasto. Quando muito, simplesmente um cartaz que diga “estou aqui, vamos a isto”.

Assim, a “crise dos cartazes” do PS é um simples entretém de Verão de publicitários, jornalistas e comentadores.

Espera-se, portanto, que já tenha passado e que agora se possa voltar a um discurso, uma mensagem, uma proposta. Os eleitores agradeceriam. E existem pelo menos 100 páginas com ideias e propostas do PS para a próxima legislatura – chama–se programa eleitoral. Se calhar, vale a pena recuperá-lo e deixar de andar com um discurso de queixinhas e de quezílias. Os eleitores não gostam disso e apreciariam mais que lhes explicassem o que seria feito de diferente. É que há um pequeno segredo na coisa política: pode haver algum cansaço em relação às promessas, mas ninguém vive sem elas, especialmente quem quer ganhar eleições, e não apenas não as perder. Venham de lá então as promessas e devolvam aos fornecedores os vitrais.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira