Acordo arriscadíssimo


O acordo que a Grécia foi forçada a aceitar não tem condições de ser cumprido e deverá levar à saída deste país do euro.


© WOLFGANG KUMM/EPA

Terá sido no último minuto que se conseguiu um acordo com a Grécia que evitasse que este país saísse do euro. A Alemanha defendia esta solução que, na actual conjuntura, parece ser a única forma de resolver definitivamente o problema daquele Estado. 

A França, supostamente com mais visão, é que terá feito a proposta final que permitiu o acordo. Julgo ser útil fazer um paralelismo com o que se passou com a criação do euro para percebermos melhor o que aconteceu naquela reunião.

Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, estaria aberta a porta para a reunificação alemã. No entanto, Mitterrand temeu que o eixo franco-alemão, essencial na construção europeia, ficasse duplamente desequilibrado, quer em termos económicos, com a expansão territorial do vizinho, quer políticos, com uma Alemanha mais assertiva e segura de si própria. Como forma de conter o poder germânico, o presidente francês colocou a condição da abdicação do marco alemão, que seria substituído pela moeda única. Dada a fortíssima oposição do eleitorado alemão e do Bundesbank a ceder um elemento tão central da sua frágil identidade, o chanceler Kohl conseguiu obter de França quase tudo o que quis. O resultado final, que está à vista de todos, é que o euro, que foi criado para conter a Alemanha, acabou por ter o resultado exactamente oposto.

Na reunião da semana passada, Berlim queria a saída da Grécia do euro, mas Paris conseguiu travar isso, apresentando uma proposta que sabia que Berlim não podia recusar. Ou seja, em primeira aproximação, a França venceu ao impor a sua solução, mas, na verdade, os termos do acordo foram ditados pela Alemanha. 

Aliás, este pacote pode mesmo acabar por conduzir à saída da Grécia. Em termos políticos, este acordo é uma humilhação terrível, com a obrigação de acordar toda a legislação com as “instituições” antes de a colocar em consulta pública ou apresentar ao parlamento. Para além disso, propõe-se também a criação inédita de um fundo com as receitas das privatizações, um sinal claríssimo da falta de confiança na liderança helénica. 

Em termos económicos, deverá agravar quase todos os actuais problemas de recessão, desemprego e dívida pública sempre a crescer, sobretudo quando se requer que qualquer derrapagem nas metas orçamentais tenha de ser compensada com cortes de despesa “quase automáticos”. É certo que há um pacote envolvendo 35 mil milhões de euros, mas não é claro quanto dele são fundos já prometidos, reembrulhados de novo.

Apesar de o acordo referir explicitamente que não pode haver cortes nominais na dívida, já houve entretanto alguma abertura neste domínio, o que facilitará a participação do FMI.

O próprio primeiro-ministro Tsipras já afirmou que não acredita no acordo, o que não augura nada de bom. Aliás, mesmo que, por milagre, este programa chegasse ao fim, seria sempre necessário um quarto resgate, porque é impensável que dentro de três anos a dívida grega já seja sustentável e a Grécia se possa financiar nos mercados. 

O sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) discordava de Karl Marx (1818-1883) quando este encarava como questão essencial a luta de classes. Para Weber, a relação mais conflituosa encontrava-se entre credores e devedores, ideia provavelmente agravada na perspectiva alemã, já que nesta língua a palavra que designa dívida (Schuld) também significa culpa.

Ora o euro criou uma montanha de credores e devedores que jamais teria existido com as moedas nacionais. No caso português, o FMI teria sido chamado dez anos antes. O euro criou, aliás, uma combinação terrível: a possibilidade de desequilíbrios externos muito maiores e a perda de um instrumento essencial para a sua correcção: a desvalorização.

Por isso e devido ao gigantismo dos desequilíbrios acumulados, a Grécia deverá sair do euro mais cedo ou mais tarde, sobretudo a partir do momento em que essa hipótese passou a ser apresentada nas discussões oficiais.

Economista. 
Escreve ao sábado

Acordo arriscadíssimo


O acordo que a Grécia foi forçada a aceitar não tem condições de ser cumprido e deverá levar à saída deste país do euro.


© WOLFGANG KUMM/EPA

Terá sido no último minuto que se conseguiu um acordo com a Grécia que evitasse que este país saísse do euro. A Alemanha defendia esta solução que, na actual conjuntura, parece ser a única forma de resolver definitivamente o problema daquele Estado. 

A França, supostamente com mais visão, é que terá feito a proposta final que permitiu o acordo. Julgo ser útil fazer um paralelismo com o que se passou com a criação do euro para percebermos melhor o que aconteceu naquela reunião.

Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, estaria aberta a porta para a reunificação alemã. No entanto, Mitterrand temeu que o eixo franco-alemão, essencial na construção europeia, ficasse duplamente desequilibrado, quer em termos económicos, com a expansão territorial do vizinho, quer políticos, com uma Alemanha mais assertiva e segura de si própria. Como forma de conter o poder germânico, o presidente francês colocou a condição da abdicação do marco alemão, que seria substituído pela moeda única. Dada a fortíssima oposição do eleitorado alemão e do Bundesbank a ceder um elemento tão central da sua frágil identidade, o chanceler Kohl conseguiu obter de França quase tudo o que quis. O resultado final, que está à vista de todos, é que o euro, que foi criado para conter a Alemanha, acabou por ter o resultado exactamente oposto.

Na reunião da semana passada, Berlim queria a saída da Grécia do euro, mas Paris conseguiu travar isso, apresentando uma proposta que sabia que Berlim não podia recusar. Ou seja, em primeira aproximação, a França venceu ao impor a sua solução, mas, na verdade, os termos do acordo foram ditados pela Alemanha. 

Aliás, este pacote pode mesmo acabar por conduzir à saída da Grécia. Em termos políticos, este acordo é uma humilhação terrível, com a obrigação de acordar toda a legislação com as “instituições” antes de a colocar em consulta pública ou apresentar ao parlamento. Para além disso, propõe-se também a criação inédita de um fundo com as receitas das privatizações, um sinal claríssimo da falta de confiança na liderança helénica. 

Em termos económicos, deverá agravar quase todos os actuais problemas de recessão, desemprego e dívida pública sempre a crescer, sobretudo quando se requer que qualquer derrapagem nas metas orçamentais tenha de ser compensada com cortes de despesa “quase automáticos”. É certo que há um pacote envolvendo 35 mil milhões de euros, mas não é claro quanto dele são fundos já prometidos, reembrulhados de novo.

Apesar de o acordo referir explicitamente que não pode haver cortes nominais na dívida, já houve entretanto alguma abertura neste domínio, o que facilitará a participação do FMI.

O próprio primeiro-ministro Tsipras já afirmou que não acredita no acordo, o que não augura nada de bom. Aliás, mesmo que, por milagre, este programa chegasse ao fim, seria sempre necessário um quarto resgate, porque é impensável que dentro de três anos a dívida grega já seja sustentável e a Grécia se possa financiar nos mercados. 

O sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) discordava de Karl Marx (1818-1883) quando este encarava como questão essencial a luta de classes. Para Weber, a relação mais conflituosa encontrava-se entre credores e devedores, ideia provavelmente agravada na perspectiva alemã, já que nesta língua a palavra que designa dívida (Schuld) também significa culpa.

Ora o euro criou uma montanha de credores e devedores que jamais teria existido com as moedas nacionais. No caso português, o FMI teria sido chamado dez anos antes. O euro criou, aliás, uma combinação terrível: a possibilidade de desequilíbrios externos muito maiores e a perda de um instrumento essencial para a sua correcção: a desvalorização.

Por isso e devido ao gigantismo dos desequilíbrios acumulados, a Grécia deverá sair do euro mais cedo ou mais tarde, sobretudo a partir do momento em que essa hipótese passou a ser apresentada nas discussões oficiais.

Economista. 
Escreve ao sábado