A vida continua para Gil Martins


Afinal é mesmo verdade: houve quem tivesse andado a viver acima das suas possibilidades.


O antigo comandante da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) foi esta segunda-feira condenado a quatro anos de prisão, com pena suspensa, e ao pagamento de mais de 100 mil euros ao Estado. O Tribunal Criminal de Lisboa deu como provado que Gil Martins se apropriou de dinheiros da ANPC para pagar estadias em hotéis e refeições em restaurantes conhecidos. Segundo a acusação, chegou a gastar, num só dia, mais de 500 euros em refeições. Além de ter financiado presentes para “pessoas que lhe eram próximas”, como telemóveis e equipamentos informáticos. Dinheiro, recorde-se, retirado do dispositivo de combate aos incêndios.

A advogada de defesa anunciou prontamente que Gil Martins vai recorrer da decisão do tribunal. E, enquanto isso, o antigo comandante continua a ocupar cargos de destaque. É membro do Conselho Científico do Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa, instituição onde dirige um “Observatório de Protecção Civil e Safety”. E por lá deverá continuar, “safe”, tendo em conta que o colectivo de juízes apenas entendeu proibi-lo de exercer cargos de “comando operacional” – o que não é o caso – nos próximos quatro anos. Vai ser interessante acompanhar o que a instituição de ensino superior fará a partir de hoje: manterá na sua lista de colaboradores um homem acusado de desviar dinheiro enquanto geria uma instituição pública? Que mão pesada têm as instituições deste país na hora de censurar este tipo de comportamentos?

É certo que Gil Martins não roubou milhões, como políticos e banqueiros. Muitos dirão que foram “só” 100 mil euros – um grão de areia no universo de outros desvios de dinheiros públicos a que nos habituámos nos últimos anos. Ainda assim, esta “pequena” apropriação é especialmente censurável. Primeiro, porque se tratava de verbas afectas aos bombeiros e ao combate aos incêndios – em anos em que o país ardeu a sério e em que os bombeiros se queixavam da falta de meios e de equipamentos nos teatros de operações. Por outro lado, causa estupefacção – e chega a roçar o provincianismo – que um responsável desvie dinheiro vivo para comer em restaurantes caros e pagar hotéis, telemóveis e computadores.

Afinal é mesmo verdade: houve quem tivesse andado a viver acima das suas possibilidades.