Jumbo. O trabalho invisível no fabuloso mundo das compras

Jumbo. O trabalho invisível no fabuloso mundo das compras


O i acompanhou o turno dos que trabalham nos bastidores do hipermercado “mais barato do país”.


Para quem ainda não dormiu, é estranho ouvir um bom-dia às três da manhã. Pedro Cid, o director do Jumbo da Amadora, espera-nos à porta com uma energia contagiante.

“Deitei-me às 22h30, mas não consegui adormecer. Andei às voltas na cama uma hora até me fartar. Tomei um banho e voltei para aqui.” De partida para uma nova grande superfície do grupo Auchan no concelho de Sintra, com abertura prevista para o fim deste ano, Pedro é um apaixonado pelo trabalho. “Uma das grandes diferenças entre esta e as outras cadeias de supermercados é que cultivamos o espírito de uma grande família. Trabalham aqui cerca de quatrocentos funcionários, noite e dia, mas garanto-lhe que sei o nome de quase todos.”

40 000 | No Jumbo da amadora comercializam-se milhares de produtos
 

Meia hora depois começam a chegar os primeiros camiões TIR com as mercadorias. Primeiro o peixe, depois a carne e mais tarde os PGC (produtos de grande consumo). Fernando Frade, 54 anos, há 25 anos no grupo Auchan, é o responsável pela portaria. A sua missão é verificar todos os produtos que chegam às traseiras do hipermercado.

Cada motorista necessita de um código seu para abrir as portas das viaturas, de forma a garantir que de um local para outro a mercadoria não foi trocada.

“É disto que mais gosto, analisar em pormenor a documentação de cada fornecedor. Ninguém se apercebe do nosso trabalho, mas sei que os elevados níveis de exigência desta casa não permitem qualquer tipo de falha.” Começou a trabalhar há uma hora e só sairá às 11h30. Nada que o apoquente. Já está habituado a levantar-se quando todos ainda dormem em casa. “Quando digo a alguém que trabalho no Jumbo e que o meu horário de trabalho é este, não acreditam. ‘Mas que raio vais para lá fazer se aquilo está fechado?!’”

É sempre assim. Em todo o lado as pessoas têm tendência para ignorar o trabalho de bastidores”, explica Fernando.

Está um frio de rachar, mas não há tempo a perder. Os camiões vão chegando a um ritmo frenético. Os bons-dias vão-se ouvindo entre apertos de mãos, apesar de o dia ainda estar longe de nascer.

Pedro Cid confessa que raramente está no Jumbo a esta hora, mas não esconde o orgulho em todos os que trocam os cobertores e as almofadas para trabalhar neste turno. “Isto é uma empresa grande com pormenores de empresa pequena. Todos sentem isso.” Ao seu lado vai-se descarregando o peixe vindo directamente da lota de Peniche. Entre sardinhas, salmão, douradas e o que mais se encontra na peixaria de um hipermercado, tudo é analisado em pormenor depois de sair do camião. Ana Sofia Bobone, de 46 anos, trocou o serviço pós-venda pelas descargas e controlo de mercadorias há três.

12 000 | O número varia, mas o total de clientes que diariamente visitam este espaço impressiona

 

“Antes saía à meia-noite, agora entro às 2h30. Não é fácil, mas gosto muito mais disto.” Uma das razões que a fizeram mudar foi o difícil trato com alguns clientes mais complicados. “O cliente não tem sempre razão, mas temos de lhes dizer que sim. Às vezes não é fácil, mas temos de sorrir sempre.” Ana vai descarregando as paletes dos camiões ao volante de uma pequena viatura. Assume que “é mais um trabalho de homem”, mas nunca vira a cara à luta.

“O pior é nos dias de chuva, porque além do desconforto temos de pensar na mercadoria, que não se pode molhar.” Antes de chegar um novo camião, é preciso levar o peixe para câmaras frigoríficas no interior do espaço, por corredores a meia-luz. Mais tarde serão outros funcionários, no turno seguinte, a colocar o peixe nos balcões que todos conhecemos. “Aqui trabalha-se 24 horas por dia”, explica.

São cinco da manhã e já se começa a sentir o cheiro a pão fresco no interior da padaria. Agostinho Dias e José António Carneiro, ambos de 55 anos, trabalham juntos há 16. Enquanto um vai tratando da massa do pão, o outro vai tratando dos bolos. “Muitas vezes durante o nosso dia de trabalho temos de esperar um pelo outro para passarmos à fase seguinte. É o verdadeiro trabalho de equipa”, explica Agostinho. Para tudo estar pronto à hora de abertura ao público, tem de ser preparado com muita antecedência.

“Só bolas de água, tipo carcaças, são perto de mil por dia que aqui fazemos. Fora o resto.” Depois da imprescindível hora de repouso da massa, para levedar, é preciso meter tudo no forno. José e Agostinho têm a cumplicidade dos grandes amigos. Silêncios que dizem tudo. Frases partilhadas com um simples olhar. Homens de barba rija que se emocionam quando falam na família. Agostinho, padeiro toda a vida, explica que o pior da profissão é raramente ver a mulher.

“Ela também trabalha aqui, mas num turno completamente diferente. Quando eu saio às 13h está ela a entrar, quando chega a casa, estou eu a sair. Não é fácil, mas não me queixo. A vida não é fácil.” Pedro Cid concorda: “Há casais a trabalhar aqui que nos pedem para as folgas não coincidirem. Assim ambos podem dedicar quatro dias da semana aos filhos.” Enquanto vai pondo os pães no forno com a mestria própria de quem sabe fazer o trabalho de olhos fechados, Agostinho joga com a experiência de uma vida: “Tem de haver muita cumplicidade entre o casal. Com as raparigas mais novas este tipo de vida é muito mais difícil.”

Ainda faltam duas horas para a abertura ao público, mas às sete da manhã nos corredores do hipermercado já há agitação. Nesta altura trabalham 50 pessoas nas diferentes áreas. Há técnicos da manutenção a reparar pequenas avarias, os funcionários da limpeza vão eliminando todos os vestígios de sujidade, o pão vai sendo posto nos expositores, ao passo que os assistentes de reposição vão deixando as prateleiras repletas com os mais variados produtos.

Na peixaria, Sandra Reis, de 37 anos, vai repondo as bancas com o imprescindível gelo. Tem um sorriso de princesa, com a alegria típica de quem gosta do que faz. “O meu marido tem horário de doutor, só entra às oito da manhã. Custa-me sair da cama tão cedo e estar aqui às seis, mas se estiver feliz e bem-disposta o tempo passa mais depressa.” Com uma pá equivalente às que se usam na agricultura, vai atirando o gelo de uma caixa de grandes proporções para a banca do peixe. Mais tarde há-de colocá-los por cima como se estivesse a brincar com bonecas num mundo de fantasia.

800 | Em 15 países, o grupo Auchan tem centenas de supermercados. em Portugal são 29

Aproxima-se a hora de abertura, mas a avaliar pelo frenesim instalado nos corredores nada vai estar pronto a horas. São dezenas de caixas de cartão por todo o lado, invólucros de plástico espalhados pelos cantos, prateleiras incompletas, mercadorias sem fim que chegam dos armazéns. Miguel Sanches, de 32 anos, assistente de reposição, mantém a calma de quem está habituado ao ambiente que o rodeia. “É um stresse saudável, que até nos ajuda a trabalhar mais depressa. Ainda há muita coisa para arrumar, preços que têm de ser alterados, promoções que entretanto acabaram, mas tudo vai estar pronto a horas.”

Às 8h30 ouve-se uma comunicação interna nos altifalantes: “Faltam 30 minutos para recebermos os clientes. Desejamos a todos um bom dia de trabalho.” Pedro Cid observa tudo com a tranquilidade típica de quem confia nos seus funcionários. “Bom dia”, diz a uma funcionária nova no espaço, pouco habituada a um cumprimento informal do director. Às nove da manhã abrem-se as portas ao público. Nem um vestígio de sujidade ou desorganização nos corredores. Ainda não há clientes à vista, mas tudo e todos estão preparados para continuar a ostentar o título de “hipermercado com os preços mais baixos de Portugal”.

Poucos minutos depois, Ana Bobone diz-nos a sorrir: “Está na minha hora de ir almoçar.” Hora de ir dormir, dizemos nós. Missão cumprida.