Conferências do Estoril, ideias que duram


Com a Europa muito presente no debate, coube a Durão Barroso desmistificar o “glamour do pessimismo”.


© Jose Sena Goulao/Lusa

Caiu o pano sobre as Conferências do Estoril na passada sexta-feira. Mas as conferências não acabaram nem no Estoril nem nesse dia 22 de Maio.

As conferências apenas acabaram de começar. Partilho com o leitor as mensagens mais fortes deixadas entre nós durante os quatro dias de debate por alguns dos 60 oradores convidados. O tempo agora é de debate com as ideias que ficaram. Garry Kasparov, o antigo campeão do mundo de xadrez, deixou palavras poderosas de apelo à acção: “Se os homens livres não fizerem nada, as forças da ditadura e da opressão vão continuar a avançar.”

As forças da ditadura estão por todo o lado, mas Kasparov refere-se particularmente às que marcham a partir de Moscovo em direcção à Europa. Anders Fogh Rasmussen, antigo líder da NATO, antevê tempos de turbulência para os europeus e apelou a que os Estados se comprometam com a defesa colectiva da Aliança.

Até porque a guerra a leste está para durar: os russos vão continuar a desestabilizar o Leste da Ucrânia para impedir a unificação do país, a adesão à NATO e à UE. Para Vandana Shiva, activista indiana, a guerra mais importante é outra. E tem lugar no Mediterrâneo. Condenando a abordagem generalista da UE, Shiva defende que Bruxelas deve ser capaz de “celebrar a diferença” integrando os que aqui procuram o seu projecto de felicidade. “Celebrar a diferença é promover a paz; uniformizar é o caminho para a guerra”, avisou. 

Com a Europa muito presente no debate, coube a Durão Barroso desmistificar o “glamour do pessimismo” que se colou às análises do velho continente. “Quando um prédio está em construção, coberto de andaimes, não percebemos a beleza do edifício. A Europa é esse belo edifício em construção, mas teimamos em só ver andaimes.”

O antigo presidente da Comissão Europeia sustentou ainda que a saída da Grécia é hoje mais provável que há uns meses, essencialmente por erros políticos internos. “A Grécia pode morrer na praia”, vaticinou Barroso. Por falar na Grécia, uma das vozes mais autorizadas para analisar a realidade helénica esteve no Estoril. Papandreou, o ex-primeiro-ministro que teve de assinar o primeiro Memorando com a troika, reconhece que o tempo da Grécia está a esgotar-se. O problema são “as promessas fora da realidade” feitas pelo Syriza.

Ainda assim, Papandreou acredita que vai ser encontrada uma solução porque “o governo não foi eleito para deixar a zona euro.” Uma das declarações mais curiosas de Papandreou está na explicação do falhanço da Grécia onde outros (Portugal e Irlanda) foram bem-sucedidos: o cumprimento do Memorando. Para Papandreou, três razões explicam o final da história diferente.

Primeiro, a Grécia teve um ponto de partida mais duro, com mais défice e mais dívida. Segundo, e porque Atenas foi a primeira capital a recorrer à troika, o povo grego sofreu com políticas experimentalistas. Terceiro, o argumento que deveria ser lido com mais atenção em Lisboa, porque houve consenso político. “É muito fácil ser-se negativo na oposição quanto o governo tem de tomar medidas tão impopulares.”

A Grécia, concluiu Papandreou, precisou que todos os partidos tivessem experiência de governo para haver entendimento quanto à necessidade de políticas de austeridade. A cedência aos populismos foi fatal para os gregos.

A terminar, deixo palavras de representantes das três maiores religiões monoteístas, que no Estoril encetaram um debate memorável. Abraham Skorka, rabino muito próximo do Papa Francisco, assinalou que “a religião tomou o lugar que era da política no século xx” e que hoje “os ideais são religiosos”; o xeque Munir, imã da Mesquita de Lisboa, chamou a atenção para o papel da educação e citou o Papa quando notou que “o diálogo para a paz é difícil, mas viver sem paz é um tormento”; e o cardeal patriarca, D. Manuel Clemente, apontou duas causas que podem unir todas as religiões: a ecologia e os refugiados. Posições que confirmaram as nossas suspeitas: o que une cristãos, judeus e muçulmanos é muito mais que aquilo que os separa.

© Tiago Petinga/Lusa

É este o espírito do Estoril e a maneira como o mundo é olhado a partir dele. As conferências voltam em 2017. As ideias vivem até lá.   

Escreve à quarta-feira

Conferências do Estoril, ideias que duram


Com a Europa muito presente no debate, coube a Durão Barroso desmistificar o “glamour do pessimismo”.


© Jose Sena Goulao/Lusa

Caiu o pano sobre as Conferências do Estoril na passada sexta-feira. Mas as conferências não acabaram nem no Estoril nem nesse dia 22 de Maio.

As conferências apenas acabaram de começar. Partilho com o leitor as mensagens mais fortes deixadas entre nós durante os quatro dias de debate por alguns dos 60 oradores convidados. O tempo agora é de debate com as ideias que ficaram. Garry Kasparov, o antigo campeão do mundo de xadrez, deixou palavras poderosas de apelo à acção: “Se os homens livres não fizerem nada, as forças da ditadura e da opressão vão continuar a avançar.”

As forças da ditadura estão por todo o lado, mas Kasparov refere-se particularmente às que marcham a partir de Moscovo em direcção à Europa. Anders Fogh Rasmussen, antigo líder da NATO, antevê tempos de turbulência para os europeus e apelou a que os Estados se comprometam com a defesa colectiva da Aliança.

Até porque a guerra a leste está para durar: os russos vão continuar a desestabilizar o Leste da Ucrânia para impedir a unificação do país, a adesão à NATO e à UE. Para Vandana Shiva, activista indiana, a guerra mais importante é outra. E tem lugar no Mediterrâneo. Condenando a abordagem generalista da UE, Shiva defende que Bruxelas deve ser capaz de “celebrar a diferença” integrando os que aqui procuram o seu projecto de felicidade. “Celebrar a diferença é promover a paz; uniformizar é o caminho para a guerra”, avisou. 

Com a Europa muito presente no debate, coube a Durão Barroso desmistificar o “glamour do pessimismo” que se colou às análises do velho continente. “Quando um prédio está em construção, coberto de andaimes, não percebemos a beleza do edifício. A Europa é esse belo edifício em construção, mas teimamos em só ver andaimes.”

O antigo presidente da Comissão Europeia sustentou ainda que a saída da Grécia é hoje mais provável que há uns meses, essencialmente por erros políticos internos. “A Grécia pode morrer na praia”, vaticinou Barroso. Por falar na Grécia, uma das vozes mais autorizadas para analisar a realidade helénica esteve no Estoril. Papandreou, o ex-primeiro-ministro que teve de assinar o primeiro Memorando com a troika, reconhece que o tempo da Grécia está a esgotar-se. O problema são “as promessas fora da realidade” feitas pelo Syriza.

Ainda assim, Papandreou acredita que vai ser encontrada uma solução porque “o governo não foi eleito para deixar a zona euro.” Uma das declarações mais curiosas de Papandreou está na explicação do falhanço da Grécia onde outros (Portugal e Irlanda) foram bem-sucedidos: o cumprimento do Memorando. Para Papandreou, três razões explicam o final da história diferente.

Primeiro, a Grécia teve um ponto de partida mais duro, com mais défice e mais dívida. Segundo, e porque Atenas foi a primeira capital a recorrer à troika, o povo grego sofreu com políticas experimentalistas. Terceiro, o argumento que deveria ser lido com mais atenção em Lisboa, porque houve consenso político. “É muito fácil ser-se negativo na oposição quanto o governo tem de tomar medidas tão impopulares.”

A Grécia, concluiu Papandreou, precisou que todos os partidos tivessem experiência de governo para haver entendimento quanto à necessidade de políticas de austeridade. A cedência aos populismos foi fatal para os gregos.

A terminar, deixo palavras de representantes das três maiores religiões monoteístas, que no Estoril encetaram um debate memorável. Abraham Skorka, rabino muito próximo do Papa Francisco, assinalou que “a religião tomou o lugar que era da política no século xx” e que hoje “os ideais são religiosos”; o xeque Munir, imã da Mesquita de Lisboa, chamou a atenção para o papel da educação e citou o Papa quando notou que “o diálogo para a paz é difícil, mas viver sem paz é um tormento”; e o cardeal patriarca, D. Manuel Clemente, apontou duas causas que podem unir todas as religiões: a ecologia e os refugiados. Posições que confirmaram as nossas suspeitas: o que une cristãos, judeus e muçulmanos é muito mais que aquilo que os separa.

© Tiago Petinga/Lusa

É este o espírito do Estoril e a maneira como o mundo é olhado a partir dele. As conferências voltam em 2017. As ideias vivem até lá.   

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