Dia Mundial sem Tabaco: o horror!


Exma. Senhora D. Arlete Soeiro3.ª subsecretária da secretária-adjuntaPrograma de auxílio aos povos indolentes e falidosGabinete do secretário-geral Ban Ky-moonSede da ONU – NY – EUA Dr.ª Arlete, Este é o sábado mais funesto e perigoso!Sem tabaco ficam os portugueses mais nervosos, irritadiços e capazes sabe-se lá do quê – bater com as portas, espancar os…


Exma. Senhora D. Arlete Soeiro
3.ª subsecretária da secretária-adjunta
Programa de auxílio aos povos indolentes e falidos
Gabinete do secretário-geral Ban Ky-moon
Sede da ONU – NY – EUA

Dr.ª Arlete,

Este é o sábado mais funesto e perigoso!
Sem tabaco ficam os portugueses mais nervosos, irritadiços e capazes sabe-se lá do quê – bater com as portas, espancar os chefes, não comer a sopa ou fazer chichi no pneu do Audi das facturas… Sem as nuvens de fumo do tabaco podem, inopinadamente, ver as coisas nitidamente! Calcula a minha amiga – desculpe a familiaridade, mas a aterradora ideia concita-me ao refúgio da intimidade – o que seria o português ver, claramente vista, a sua imagem reflectida num espelho: “Aquele velho andrajoso, famélico, careca, desdentado e com um ar vagamente perdido de tudo e de todos – sou eu?” Calcula o sobressalto, a comoção, a cólera, o desatino, a perturbação da ordem pública supervenientes ao facto de o português dar de caras, digamos assim, com a sua própria cara?
É por estarmos na iminência de tal colapso que me encontro há uma semana refugiado no Cairo, mais precisamente no Bar Kar-a-Kol. Consumo shisha da melhor entre nuvens de fumo vindas de longos narguilés, enquanto procuro inspiração para o SG instruir a OMS sobre as comemorações em Portugal do Dia Mundial sem Tabaco acautelando “casualties” públicas e políticas.
Vim munido de uma farda de oficial--general, emprestada pelo Otelo Saraiva de Carvalho, para não ser levado pelas rusgas dos militares egípcios no poder, que deram em atirar sobre tudo quanto mexe e se inclina diante de Alá. Mas não a usei com medo de ser raptado pelos poucos elementos da Irmandade Muçulmana que ainda não foram fuzilados. Neste transe existencial, lembrei–me de falar ao embaixador português no Cairo. O seu conselho foi auspicioso: “Ó homem, deixe-se de coisas: vista uma burka com uma fotografia do Sadat impressa no peito e outra nas costas. Os militares, apesar da burka, farão continência em memória do Sadat e você aproveita para se raspar! Os membros da Irmandade Muçulmana ficarão perplexos – ‘Olá!?? Este já o matámos em 1981!!…’ – e, enquanto pensam e não pensam, você raspa-se na mesma!” É isto que distingue os diplomatas portugueses: raciocínio pragmático, rápido e contundente, mas sempre imerso na cultural local.
Seguem instruções:
1) Garantir intensa presença mediática do Pedro Mota Soares, que tranquilizará a população desenvolvendo o raciocínio: “Calma, portugueses: é só um dia sem tabaco!… O que é isso para quem vive todos os dias sem emprego e viverá toda a vida sem pensões? Nada, absolutamente nada!” As entrevistas do Mota serão captadas enquanto rola a vespa e difundidas de véspera. O ministro poderá aproveitar para comentar a estrondosa vitória da coligação obtida no passado domingo;
2) Retirar os Malhoas e os Bordalos das paredes do MNAC do Chiado para que, sem nuvens de fumo, os visitantes não se dêem conta de que os verdadeiros estão na Colecção Berardo e na Ellipse Foundation;
3) Esconder todos os papillons e lacinhos do professor Fernando Pádua de modo a coibi-lo de vir a público debitar sobre os malefícios do tabaco, escamoteando os benefícios que os portugueses obtêm por viverem numa nuvem de fumo que os protege de verem a realidade. Por precaução, desligar todos os telefones do Nicolau Santos, cerceando à partida uma hipotética solidariedade de portadores de lacinho que poderia conduzir este a emprestar àquele um papillon à maneira.
4) Impedir a Antena 1 de emitir o sinal horário, não vão os portugueses, em estado de perfeita lucidez, darem-se conta de que é essa a única coisa que, no seu país, acontece à hora prevista.

Inclino-me e retiro-me,
Ricardo Barata de Leão
ricardobarataleao@gmail.com