É uma questão de tempo. Duas grandes forças do futebol, Benfica e FC Porto dividem o país em Norte e Sul. Promovido o regionalismo, é só uma questão de tempo até os problemas começarem a aparecer em forma de rixas, suspensões e afins.
A bomba-relógio explode a 28 de Maio de 1933, quando o FC Porto comete a proeza de golear o Benfica por 8-0, na Constituição. É a primeira versão do “Lá em casa mando eu”. E é também a maior vitória de sempre dos dragões em clássicos e com uma equipa de recurso, obrigando o treinador húngaro Joseph Szabo a voltar aos pelados, por lesão de Castro. O problema é depois do jogo. Laurindo Grijó, presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e delegado ao jogo, dirige-se ao balneário do Benfica, cujo ambiente, como já é esperado, é o pior possível. À porta do balneário, pergunta se é “preciso alguma coisa” – ele que não prestara qualquer assistência ao Benfica na visita ao Porto e nem se dera ao trabalhar de comunicar ao clube a mudança da hora do jogo. Há uma intensa troca de insultos entre Grijó e Conceição Afonso, presidente do Benfica, com o primeiro a provocar a equipa do Benfica. O avançado Guedes Gonçalves não demora a responder e agredi-o sem contemplações. Grijó tem de fugir para o campo, mas isso não o impede de continuar a ser pontapeado por todos.
A 4 de Junho, a Direcção da FPF, após reunião extraordinária, suspende os benfiquistas Eugénio Salvador (que seria actor de revista conceituado), Ralf Bailão, Manuel de Oliveira, este com proposta de irradiação, e também Rogério de Sousa, Francisco Albino e Francisco Gatinho por seis meses. Na sequência destes episódios, o FC Porto corta relações com o Benfica. Os dois clubes não se dão até 29 de Dezembro de 1935, altura em que organizam um particular na Constituição para reatar relações.
A amizade não dura muito. Em 1938, o rastilho reacende-se, quando o Benfica festeja a conquista do título de campeão, fazendo valer a vantagem no confronto directo (3-1 nas Amoreiras, 2-2 no Lima), regra de desempate que merece o repúdio dos portistas. O poder está em Lisboa, queixam-se os nortenhos. O poder está em Lisboa, lá isso é verdade. No apartamento de um casal. Ela, C., é do FCP. “Tenho 26 anos. O Porto sem Pinto da Costa, para mim, não existe. Não vivi os tempos vis e cruéis de domínio dos clubes da capital, quando passar a ponte era uma ameaça temível e ganhar um campeonato em cada cinco era uma grande vitória. Desconheço os Cinco Violinos, nunca vi o Eusébio jogar. A minha avó fala do Pedroto com ternura, o meu avô ainda hoje diz que Cubillas foi o melhor jogador de sempre do Porto. A minha mãe festejou o primeiro campeonato com 19 anos, o meu pai esperou esse tempo todo para ver nas Antas o golo que mudou o futebol português (Ademir, vs. Benfica em 1977-78).”
Ele, M., é do SLB. “O Benfica faz parte de mim como se fosse parte imprescindível do meu corpo. Se eu não fosse do Benfica não era eu, era outra pessoa que me mete nojo só de pensar. O Benfica faz parte de mim desde sempre. Cresci com Paneira, Mozer, Thern, Valdo e tantos outros. As camisolas vermelhas tão berrantes, o Estádio da Luz enorme, imponente. Quero que o Benfica seja campeão como quem quer entrar na faculdade ou um emprego. É de todos os projectos da minha vida aquele a que, claramente, dedico mais tempo a pensar.”
Os dois picam-se, naturalmente. Ela a propósito do 5-0 no Dragão em Novembro de 2010. “Foi como se um palhaço gigante estivesse no relvado a entreter-me (…) o Hulk a passar pelo David Luiz como se fosse um boneco de enfeitar, o calcanhar do Falcão à frente do pobre Roberto e o Luisão, impotente, no chão.” Ele sobre a conquista da Taça dos Campeões de hóquei em patins no Dragão Caixa. “Tudo estava escrito para que pesos pesados do anti-benfiquismo, como Tó Neves e Reinaldo Ventura, figuras que fazem Paulinho Santos parecer um águia de ouro, terem o dia de consagração das suas carreiras.”
O que os une então? “Lá em casa, o Euro-2012 significa terminar uma caderneta de cromos, decorar nome e caras de jogadores esquisitos. A parte má é a que está aí, por todo o lado, e chama-se selecção (…) Se durante o ano todo achei o Ronaldo um cromo, não sei por que é que durante 15 dias o hei-de tratar como um herói.”