Viagem imperdível pela capital italiana com Pitágoras, Arquimedes e Shakespeare, entre outros. Rui Miguel Tovar gosta do que lê
A Letra A. De Adams, Tony. Que pertence ao futebol romântico, à lista de jogadores de um só clube – no caso, o Arsenal. B. Letra B. De Bergomi (Inter) e Baresi (Milan). Se tivéssemos mais espaço, iríamos por aí fora (C D E F G H I J) mas optámos por jogar ao stop e fomos parar ao T. Letra T, de Totti, Francesco Totti, jogador da Roma há 22 anos, desde Agosto de 1992. Abra a boca, claro, espante-se, óbvio, e continue a ler, lógico. Vinte e dois anos é molto longo. É caso para perguntar onde é que estavas no dia 27 de Junho de 1992?
Não sabe, não é verdade? Pois Totti sabe de cor e salteado. “Estava a entrar no centro de treinos da Roma pela primeira vez como jogador sénior e nem queria acreditar que ia treinar-me com o príncipe Giannini mais Caniggia, Aldair, Hässler, Rizzitelli e Carnevale.”
Pouco mais de meio ano depois, Totti estreia-se na Serie A: 28 de Março de 1993. O treinador Vujdain Boskov lan- ça-o, sem medos, aos 16 anos de idade. O adversário é o Brescia. A data não passa despercebido a nenhum jornalista e todos o querem entrevistar. Uns minutos mais tarde, já Totti é uma celebridade. Não pelos melhores motivos.
Explicamos: Totti é romanista dos sete costados. Nasce no bairro Appio Latino, ao lado do Coliseu, nas proximidades da Porta Metronia, o que lhe vale o apelido de “menino da Porta Metronia” até ser il capitano. Por isso e tudo o mais, o seu discurso é muito básico. Curto e grosso, como soi dizer-se. Acompanhado de um italiano cerradíssimo, às vezes incompreensível, parece código morse, menos para os próprios amigos do bairro.
Bon vivant por natureza, Totti passa por cima disso para se impor com uma classe ímpar. O seu carisma é tão tão tão grande, que Aldair toma a iniciativa de lhe oferecer a braçadeira de capitão. Já lá vão 15 anos. É campeão nacional em 2001 e campeão mundial em 2006. Não lhe falta nada, diz ele, “nem uma mulher em casa” (Ilary Blasi, apresentadora de televisão da RAI) “nem uma filha” (de seu nome, Chanel).
Dizíamos, o seu carisma é tão tão tão grande que a sua cara está pintada em muitas paredes exteriores de casas em Roma. O projecto é já de 2001, quando Totti perde a eleição da Bola de Ouro para o inglês Michael Owen e os adeptos o homenageiam de forma colorida e original. A cidade respira Totti, todos o admiram incondicionalmente. Quer dizer, todos não! Há uns quantos que desdenham o seu italiano falado.
O que faz Totti? Dá a volta ao assunto e escreve o Tutti le barzellette su Totti, um livro de piadas para crianças. De piadas? Yep. Leiam lá esta: Totti tenta concluir um quebra-cabeças. Leva quase quatro meses. Depois vira a caixa e lê: “De dois a quatro anos.” Comenta: “Mas então sou um gênio!” Vendem-se 600 mil cópias e é um best-seller. O dinheiro reverte para a UNICEF.
Agora Totti escreve para adultos. Aqueles que querem ser guiados pela Roma mais profunda. O conceito da história, por si só, é imperdível. Totti está de folga e entra no táxi de um simpático motorista para dar uma volta em Roma. A capa do livro é o 10 ao volante com um braço de fora e o Coliseu como pano de fundo. De repente vemo-nos envolvidos na viagem da dialéctica pelo Teorema de Marco Ferradini (um cantor italiano) com Pitágoras e Arquimedes ou encontramo-nos entre uma revolução “zemaniana” (do ex-treinador Zdenek Zeman) em comparação com a de Copérnico. Com Totti é assim: se conduzir, leia (e muito).