Tamila Holub. “Quero provar à Tamila de 12 anos que fez bem em não ter tido medo de sonhar”

Tamila Holub. “Quero provar à Tamila de 12 anos que fez bem em não ter tido medo de sonhar”


Tamila é a atleta mais nova dos 92 atletas portugueses que estarão a competir nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro que começam no próximo  dia 5 de agosto. Lutou muito para aqui chegar e apoia-se na família, no treinador e nos livros para perseguir mais conquistas


Tamila Holub é um nome incomum. E tal como o nome da nadadora portuguesa campeã europeia de 1500 metros livres de juniores, também a sua forma de falar o é: aos 17 anos fala como se de uma atleta muito experiente se tratasse. Só que, de facto, Tamila, uma feliz “guerreira do Minho”, tem títulos com peso suficiente para ser levada a sério. Por um lado, está ansiosa por nadar ao lado das “máquinas” internacionais de um desporto que aprendeu a gostar, por outro, sabe que com o evoluir da sua carreira, um dia terá de escolher entre o desporto ou outra profissão – uma decisão que não lhe agrada muito. Adora ler e dormir, duas coisas de que gostava ter mais tempo para fazer. Adora também Portugal, que conhece desde que se mudou da Ucrânia, país onde nasceu, para cá com apenas três anos de idade. E porquê? A culpa é do bacalhau, claro está. Holub falou com o i dois dias antes de rumar ao Brasil, e pelas suas palavras, as tais “máquinas” vão ter uma concorrente à altura.

É a mais nova desta delegação portuguesa, com apenas 17 anos. E vai estar pela primeira vez nuns Jogos Olímpicos. Já tirou uns minutos para pensar nisto tudo que lhe está a acontecer?

Na verdade está a acontecer tudo de uma forma muito rápida. Continuo os treinos e as rotinas e é por isso que não tenho tido assim tanto tempo para “digerir” tudo. O facto de ser a mais nova só me dá ainda mais motivação pois não quero ficar para trás e também porque quero melhorar as minhas marcas.

O Rio de Janeiro tem sido uma cidade repleta de problemas na organização deste evento: a aldeia olímpica, o atraso nas infraestruturas, a segurança, a qualidade das águas, entre outros tantos problemas. Como é que tem acompanhado esta situação? 

Tenho estado atenta a todas as notícias e, sinceramente, sinto-me bastante dividida. Se por um lado só me quero concentrar na prova que tenho de fazer, por outro sei que as condições para que possamos descansar bem têm de ser boas.

Esta é a sua primeira vez no Brasil?

É a primeira vez que vou competir na América de Sul, sim.

E está preocupada?

Neste momento, não acredito em todas as fontes de informação, logo prefiro ver com os próprios olhos e formar uma opinião própria.

Foi campeã europeia júnior de 1500 livres recentemente e sagrou-se também vice-campeã da Europa em 800 livres. No dia em que soube que ia aos JO, bateu o recorde de Portugal de juniores de 400 metros livres (4.16.77 minutos). De tudo o que já conquistou, esta ida ao Brasil é a mais importante?

Agora que fui campeã da Europa é mais difícil responder, mas não sei se teria conseguido o titulo europeu se não tivesse já feito os mínimos. Quando a presença nos Jogos foi garantida fiquei muito mais calma e confiante, o que me ajudou muito nessa prova.

E de todas essas conquistas, qual foi a mais difícil e, ao mesmo tempo, mais saborosa?

O mais difícil foram mesmo os mínimos, eu sabia que se não conseguisse no meeting de Coimbra, seria quase impossível fazê-lo no do Porto graças à pressão, que seria mesmo muita. Foi um alívio enorme ter conseguido pois foram três anos (esses ainda sem o objetivo dos Jogos) e mais este, a dar tudo o que podia e não podia para alcançar o objetivo.

É do Sporting Clube de Braga. Já pensou dar o salto para um clube maior?

Tal como todos os outros clubes, o Braga dá mais importância ao futebol mas, apesar disso, tem-me apoiado muito nestes dois últimos anos. Especialmente este ano olímpico onde a ajuda do meu clube foi fundamental, pelo que neste momento não considero a hipótese de deixar de ser a “guerreira do Minho”.

Nasceu na Ucrânia. Conte um pouco da sua história com Portugal e porque decidiu defender estas cores. Como foi parar à natação?

Vim para Portugal com três anos, os meus pais já estavam a viver aqui. Vivi sempre em Braga e comecei a nadar aos seis anos por ser uma rapariga com muitas doenças respiratórias. Não posso dizer que foi amor à primeira vista, divertia-me a nadar… Quando me mudei para a competição do Sporting Clube de Braga tinha uns nove ou dez anos e era terrível, não tinha técnica nem muita vontade para treinar. Só a meio da época de infantil é que comecei a gostar de competir nos treinos. Primeiro com as raparigas, mais tarde para tentar ganhar aos rapazes. Quando percebi que estava a dar resultado e que estava a conseguir, comecei a apostar mais na natação e a dedicar-me ano após ano, até chegar onde estou.

Portugal nunca teve medalhas olímpicas na natação e foi sempre um desporto com muitos praticantes mas nem sempre com os melhores resultados. Agora chegou a sua vez de contrariar todas essas estatísticas. Sente o peso da pressão? 

Natação é uma das modalidades que exige total dedicação por parte do atleta. Este ano tive quatro estágios de altitude, muito pouco tempo com a família, para a escola e ainda menos para os amigos. Isto não são queixas, simplesmente quero explicar que há muito sacrifício e trabalho da nossa parte. Vou dar tudo para melhorar a minha marca mas não posso controlar as minhas adversárias. Aliás, como são todas mais velhas e mais experientes do que eu, quero aproveitar para aprender com as melhores do mundo. 

Tem tido o apoio necessário da Federação Portuguesa de Natação e de outras instituições na sua carreira?

O apoio só vem depois de teres demonstrado resultados significantes. Tenho sido bem apoiada por parte do Braga e pela Federação. Só não tenho patrocínios ainda, pelos vistos ainda sou considerada muito nova.

Vamos falar um pouco da sua história. Tem um contacto próximo com o seu país natal? 

Tenho família na Ucrânia. Penso que é por essa parte da família e o respeito pelos meus pais que faz com que eu ainda siga e fique preocupada com o que tem acontecido. 

E o que pensa dos episódios recentes sobre a Crimeia, a Rússia e a Ucrânia?

Não digo que me agrade, fico triste porque da última vez que fui de férias há quatro anos gostei de ver a harmonia entre as pessoas. Não fazia diferença se eras ucraniano ou russo, via-se uma amizade que sempre existiu entre duas culturas tão semelhantes. Por isso discordo totalmente da política ucraniana neste momento. Sei ler e escrever em russo e ucraniano, conheço a história do meu país natal e gosto das tradições que unem toda a gente, mas acho que já gosto demasiado do bacalhau.

Está próxima de começar a ser considerada adulta e com isso vem a responsabilidade de começar a escolher uma carreira. Já sabe “o que quer ser quando fores grande”? Poderá ter de deixar a natação.

Vou começar o 12.º ano agora. No ensino básico era fácil, no 10.º ano ainda me aguentei, mas este ano olímpico torturava qualquer um. Quero seguir medicina, o que me deixa bastante preocupada como será a conjugação do desporto e os estudos. Acho inadmissível um atleta ter que escolher entre a escola, que é o seu futuro, e o desporto, que é a sua paixão. Devia existir mais ajuda por quem já passou por isto e sabe como é difícil ter de optar. Neste momento quero simplesmente seguir em frente e ver o que irei fazer.

No pouco tempo livre que tem, entre livros, testes e piscinas, o que gosta de fazer?

Nos poucos tempos livres que tenho e que deviam ser aproveitados para dormir, que é uma das coisas que mais gosto de fazer, passo o tempo a ler. É, de longe, o meu passatempo favorito e tenho pena de não conseguir praticá-lo mais. Já tenho uma lista bem grande daquilo que ainda quero ler nas férias. O último que li foi a “Felicidade Roubada” do Augusto Cury. Os que gostei mais foram “A Pérola” do John Steinbeck, “A Montanha de Água Lilás “ do Luís Sepúlveda, todos os livros do Dan Brown e o “Orgulho e Preconceito” da Jane Austen. Ajuda a tirar por pouco tempo as constantes preocupações e dúvidas da cabeça. Aprendes muitas coisas novas, mas gosto de ler, acima de tudo, porque depois ponho-me a pensar e a sonhar ainda mais.

E agora está a viver o sonho de andar nas “mesmas águas” que nadadores como Michael Phelps ou a Katie Ledecky, que com 15 anos venceu a medalha de ouro nos 800 livres em Londres 2012. Acha que podes ser uma Ledecky portuguesa? E sente algum nervosismo por estar no mesmo palco que estes “tubarões”?

Não diria que sinto nervosismo, sinto um orgulho imenso porque vou estar na mesma competição que eles e vou poder ver essas “máquinas” ao vivo. Vou fazer tudo o que puder!

Percebe-se que é uma rapariga determinada e com pouco medo de estar no maior evento desportivo do mundo. Para quem começou por nadar sem achar grande piada, no nível que está, até onde gostava de chegar?

Claro que não me quero ficar por uma ida aos Jogos, quero lutar por mais. Mas apesar de muitas vezes me fartar, gosto daquilo que faço. Olhando para trás percebo que a natação ajudou-me a ser mais lutadora e ambiciosa e é por isso que quero ir até os meus limites. Quero provar àquela miúda de doze anos que fez bem por não ter tido medo de sonhar.