Votos


Basta entrarmos em qualquer café para verificarmos que mais de metade das pessoas que lá estão, e mesmo as acompanhadas, estão debruçadas sobre as suas maquinetas comunicacionais, e passam o tempo como se ali não estivessem, alheias a tudo.


Com o céu carregado e frio, lá começou o novo ano, com todos os votos e mais alguns, aos milhares, nos telemóveis, nas redes sociais, sempre mais insistentes e menos controláveis em cada ano que passa.

É algo que vou interpretando, também, como sinal expressivo de uma crescente solidão colectiva, dominantemente urbana do ponto de vista social, e que por si, mesmo involuntariamente, cada vez vai afastando mais as pessoas da convivialidade física, de escolherem e privilegiarem o encontro directo, olhos nos olhos, nos cafés, nos espaços públicos, e até nas suas próprias casas.

Basta entrarmos em qualquer café para verificarmos que mais de metade das pessoas que lá estão, e mesmo as acompanhadas, estão debruçadas sobre as suas maquinetas comunicacionais, e passam o tempo como se ali não estivessem, alheias a tudo. Quando sorriem é para a máquina que sorriem e menos para o parceiro, com quem só muito esporadicamente conversam, e mais em função do que em dado momento a maquineta anunciou.

Este fenómeno comportamental é evidente, e tem sido objecto de múltiplas interpretações, mais ou menos optimistas, mais ou menos catastrofistas. Se por um lado assiste razão à perspicácia de Pacheco Pereira, quando constata uma real incapacidade contemporânea em se ler a “Guerra e Paz” num iPad, ou essa inquietante emergência da ignorância na definição da pós-verdade que vivemos, também, por outro lado, foi já premonitório há cinquenta anos, o genial “Playtime” de Jacques Tati. Mas no entanto…”tutto si muove e nulla sta fermo”. E por isso os meus votos de boas leituras em 2017.

Escreve à terça-feira