Touros. Sem subsídios, mas com milhares de euros vindos da Europa


Quanto é que os ganadeiros recebem por cada touro bravo criado? Desde 2003, quando o financiamento europeu foi desligado da produção pecuária, nada, respondeu ao i o porta-voz do Comissão Europeia para a Agricultura e o Desenvolvimento Rural. “Os produtores recebem subsídios, mas não subsídios para criar touros para touradas”, diz, esclarecendo que as touradas…


Quanto é que os ganadeiros recebem por cada touro bravo criado? Desde 2003, quando o financiamento europeu foi desligado da produção pecuária, nada, respondeu ao i o porta-voz do Comissão Europeia para a Agricultura e o Desenvolvimento Rural. “Os produtores recebem subsídios, mas não subsídios para criar touros para touradas”, diz, esclarecendo que as touradas são cultura e património reconhecido em alguns Estados-membros e por isso fora da competência da comissão.

Valores denunciados ao i pela Campanha Anti-tourada Portugal (CAPT) mostram ainda assim que as sociedades e ganadeiros que têm gado bravo entre os seus bovinos receberam, desde 2005, 12,7 milhões de euros no âmbito das ajudas do Fundo Europeu Agrícola de Garantia ou do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural. Os valores estão errados? Não, mas é preciso mergulhar nas regras da Política Agrícola Comum para perceber o que significam. O movimento anti-taurino apurou ainda despesas autárquicas de mais de 10 milhões de euros relacionadas com a cultura tauromáquica (ver texto ao lado).

Para Mário Amorim, representante da CAPT, é um escândalo serem usados fundos públicos para apoiar o sector, sobretudo numa altura de crise. Ganadeiros como Joaquim Grave ou Diogo Costa Monteiro, da Federação Portuguesa das Associações Taurinas, falam de um ataque demagógico e “fascista” contra um espectáculo legal, com 900 mil espectadores ao ano só em praça.

 

Como funcionam as ajudas Desde 2003 que os bovinicultores, seja de bovinos bravos (os das touradas) ou mansos (os que vão directamente para o talho), recebem não à cabeça mas por cada vaca aleitante nas suas herdades, desde que tenha mais de dois anos e já tenha parido. São cerca de 200 euros por vaca/ano, das chamadas ajudas directas do Fundo Europeu Agrícola de Garantia.

Há ainda um prémio que pode ser de 400 euros ou 70 euros por cada vaca aleitante de espécies autóctones em risco de extinção – brava, alentejana, mertolenga, mirandesa – consoante tenham menos de mil cabeças no país nesse ano, até 7 mil ou mais. Surge no âmbito do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, que o Ministério da Agricultura justifica ao i como “apoios por se tratar de um património genético português que faz parte da nossa biodiversidade e, por isso, é importante preservar.” E acrescenta: “A ajuda não distingue a categoria de animal de que se trata [bravo ou manso]” e “o toiro é, como qualquer outro bovino, um animal que produz carne”. Em termos de prémios por preservação de espécies, este tem variado para as vacas bravas nos últimos anos entre os dois últimos patamares, portanto, 200 ou 70 euros, explicou António da Veiga Teixeira, da Associação Portuguesa de Criadores de Touros de Lide.

Sendo as mães dos touros bravos elegíveis para estas contas, os valores da CAPT englobam as mães de todos os outros bovinos. No caso do ganadeiro Veiga Teixeira, das 600 vacas financiadas (o que dá cerca de 170 mil euros por ano) 100 são bravas, portanto, ligadas de alguma forma à tauromaquia. Sem ser possível escrutinar os mais de 50 produtores listados pela CAPT, a partir do site Farmsubsidy.org, no sector dos bovinicultores, por ano são enviados directamente para abate 90 mil bovinos e as 300 touradas que se realizam anualmente no país consomem cerca de 1800, 2% do total. Os dados são adiantados pelo representante do sector, Pedro Espadinha, para quem estes apoios são legítimos e os mesmos oferecidos a todos os produtores para compensar a quebra do preço da carne face à concorrência de países com menores exigências na criação, como a permissão do uso de hormonas.

“Mesmo nas vacas bravas, ainda se pode questionar se são apoios ao sector: numa altura de crise, muitas vezes cobrem-se com machos mansos e os bezerros já não vão para tourada”, contesta Veiga Teixeira. Convém explicar o resto da produção para perceber o argumento da crise: criar bovinos directamente para o talho tem um retorno mais rápido. Os bezerros e novilhos vão para o matadouro por volta dos 20 meses e rendem 1000 euros. Os touros bravos, que têm como destino principal as touradas, são criados até aos três anos. São alugados para espectáculos por 1000 a 2000 euros. Com a venda da carne no final recebem ainda 200 a 500 euros. “Mas custam três vezes mais a criar do que os mansos, cerca de 3000 euros.”

A CAPT condena a conivência pública com um espectáculo que promove o sofrimento e a violência. Para o eurodeputado catalão Raül Romeva i Rueda, crítico das touradas, a questão vai mais longe e abrange também o facto de já terem sido usados fundos europeus para remodelar praças de touros. “Se a UE não tem nenhuma competência nas touradas, porquê subsidiar esta actividade? As touradas são ilegais em 24 Estados-membros mas também há uma questão moral: os europeus não podem financiar uma actividade cruel e uma percentagem significativa discorda das touradas”, respondeu ao i.

Joaquim Grave contesta a ideia de sofrimento. “Pode haver uma dor imediata, mas o sofrimento exige uma consciência reflexiva. Além de que o toiro bravo é um animal diferente: ataca”. Grave é criticado pelo movimento anti-taurino por ser veterinário e ganadeiro. “Os argumentos são sempre os mesmos, mas nós estamos de consciência tranquila, temos a ética do nosso lado. Não fazemos dinheiro à custa do sofrimento de um ser vivo”, diz Mário Amorim, sublinhando que o cenário está a mudar mesmo em grandes capitais taurinas como a Cidade do México, onde na semana passada a assembleia legislativa aprovou uma lei para proibir as touradas. A iniciativa será votada em assembleia geral dia 30 de Abril.

Costa Monteiro acusa o movimento de ser uma “realidade virtual” que representa uma minoria de abolicionistas. “Há pessoas que não gostam, mas não quer dizer que queiram proibir. É uma questão de cultura e de liberdade. Mesmo na Catalunha [que este ano proibiu as touradas] a motivação foi política: querem desligar- -se de tudo o que representa Espanha. Mas mantêm tradições locais como incendiar os cornos do touro.” A federação defende mesmo que o apoio do Estado devia ser maior: “A tauromaquia é tutelada pela Cultura e, ao contrário do teatro, da música ou do cinema, não recebe um cêntimo do Estado central. É a actividade cultural que mais retorno dá às autarquias e a única que se auto-sustenta.”