Nota prévia: Em boa hora o governo despediu a administração da Parpública, esperando-se que desta vez o setor empresarial do Estado se liberte de um conjunto de monos que custam milhões, a fim de que não se repitam casos como a Efacec e a Inapa. Já no IHRU, o instituto da habitação, a substituição dos gestores arrasta-se e logo num dos setores onde precisamos urgentemente de medidas.
1. O que se passou durante o grande incêndio da Madeira é deplorável. Ficou à vista um conjunto de falhas operacionais e políticas que merecem uma análise rigorosa por parte do Estado, que não vai obviamente acontecer. Esconder as incompetências é o prato do dia em Portugal. Miguel Albuquerque foi irresponsável e sobranceiro. Não serve para a função, juntando incapacidade aos problemas de outra natureza que tem. Tudo o que era suposto estar coordenado não existiu no terreno, onde as chamas lavraram doze dias (!). Levou uma semana até que chegassem e atuassem os apoios aéreos que estavam logo ali nas Canárias. O pedido de auxílio foi inexplicavelmente tardio. Mais do que a dificuldade em se perceber a tática do combate, o comportamento dos responsáveis políticos e operacionais foi lamentável. No continente, a ministra da Administração Interna meteu dó com declarações patéticas (efeito conjugado dos nervos e da falta de media-training) em vez de mostrar que estava a fazer alguma coisa de útil. Tudo aconteceu com o primeiro-ministro de férias no Brasil e um substituto, Paulo Rangel, excessivamente discreto. Recorde-se que, por mais regionalizadas que estejam, a Madeira e os Açores são parte da República portuguesa, a qual mais uma vez pareceu ser das bananas, no caso das da Madeira. Já no sismo sentido na madrugada de segunda-feira, Paulo Rangel, o Governo, o Presidente Marcelo e a proteção civil estiveram impecáveis, embora a natureza benigna do abalo não permita dizer que o sistema funcione bem ou que o nível da construção seja aceitável. Um sismo da mesma intensidade em terra teria provavelmente um efeito devastador.
2. Os portugueses sabem bem que muito do que é anunciado não passa de ficção. Esperava-se que as coisas pudessem mudar com Montenegro, depois de oito anos de costismo. Infelizmente, não se vê diferenças substanciais. Há dias, soube-se que dos 25 mil estudantes do ensino superior deslocados, mais de 15 mil não solicitaram sequer o apoio para quartos a quem têm direito. Isto porque os proprietários não estão disponíveis para passar recibos e pagarem impostos. E muito menos estão os inquilinos que subalugam umas camas, enquanto os estudantes e famílias têm de se sujeitar. A economia informal está também em crescimento no aluguer de casas de férias no verão, sobretudo no Sul. Há Alojamentos Locais inativados momentaneamente para isso. O passa-palavra voltou em força. A economia paralela é encarada na sociedade como legítima defesa face a um Estado guloso. Poucos são os que se sentem mal com esses procedimentos que nada têm a ver com as grandes lavagens de dinheiro sujo que abundam sem castigo. Mas, até para se ver que nem todos querem fugir ao fisco, leia-se a notícia de que os proprietários que pediram compensação pelo congelamento definitivo das rendas se queixam de que, após um processo caótico e burocrático, não estão a receber resposta nos 30 dias do prazo legal. Nem para os bons samaritanos há uma atenção.
3. Há muito que neste espaço se admitiu uma candidatura de Leonor Beleza a Belém. A ex-ministra de Cavaco Silva é tida como um trunfo do centro-direita moderado. Verdade se diga também que a presidente da Fundação Champalimaud tem sido simpática para o PS. Viu-se com a recondução com aplauso da gestão da RTP, num processo em que a sua opinião foi determinante, apesar da empresa estar a definhar. A hipótese Beleza foi agora colocada às claras por Hugo Soares numa entrevista ao Expresso, parecendo pelo relato ter sido o próprio a puxar pelo nome, embora sem descartar outras figuras relevantes do PSD, como Marques Mendes, Barroso e Passos Coelho. O secretário-geral e líder da bancada parlamentar do PSD falou quando Montenegro andava veraneando pelos brasis e antes do evento anual de Castelo de Vide, que marca a rentrée. Na política, não há acasos desses. Se decidir avançar, é provável que Leonor Beleza, contemporânea na faculdade e amiga muito próxima de Marcelo, reúna apoios de muitos lados e até de socialistas não nunistas. Há quem a veja como uma impulsionadora de miríficos pactos de regime. Uma coisa é certa: Beleza não impediria candidaturas do PS, da esquerda radical e da direita venturista, mas seria uma concorrente forte, embora talvez sem a capacidade de gerar a mobilização que Portugal precisa para travar a queda sistemática no ranking da União Europeia.
4. Na já citada entrevista, Hugo Soares foi infeliz e imaturo na resposta que deu sobre as eleições americanas. Afirmou que não sabia se votaria em Trump ou Kamala, porque não conhece bem o percurso da vice-Presidente agora candidata. Se não conhece, com as funções e responsabilidades que tem, devia conhecer. Quanto a Trump, admite discordâncias profundíssimas, mas não o exclui. É aberrante o homem forte do partido humanista fundado por Sá Carneiro admitir votar num fanfarrão misógino, racista, putinista e incentivador de um assalto terrorista ao Capitólio por não aceitar a derrota nas urnas. Qualquer coisa não bate certo na São Caetano.
5. O planeamento sempre foi uma desgraça entre nós. Daí que não surpreenda a notícia de que não temos pedreiras de granito necessárias para garantir a matéria adequada à sustentação de uma linha de TGV. As que temos não fornecem pedra suficientemente dura e há grande preocupação por causa do tempo que levam as autorizações. Corremos o risco de ter de importar de Espanha, o que seria caríssimo e lesivo para a economia. Não temos a pedra, mas não faltam calhaus com olhos, pelos vistos.
6. Na China e noutros países houve (e nalguns ainda há) uma moeda para estrangeiros e outra para os indígenas. Naturalmente que é para multiplicar os custos para forasteiros. Chico-espertos, os patrões de certos restaurantes cá do sítio fazem melhor: têm uma ementa secreta para “tugas” e outra para “camones”. Defendem o patrício dos preços astronómicos e da inflação hipergalopante, contando com eles para as vacas magras. Estamos numa fase de subidas astronómicas. Uma cadeia de supermercados passou um chocolate de 99 cêntimos para 1,49 euros de um dia para o outro, talvez por ter avelãs inteiras. É quase tanto como a bola de Berlim do Algarve de onde chegam notícias de cotação a 2 euros, embora na Caparica já haja nota de transações a 2,20. Na restauração, além da citada operação clandestina, ocorre também o desaparecimento de qualquer petisco verdadeiramente nacional nas paragens turísticas. Sobram o bacalhau à Brás e a sardinha congelada, normalmente oriunda da safra de 2023. Os portugueses normais (e os imigrantes que por cá andam) estão de rastos. Não aguentam os preços, mesmo que estejam ao alcance de uma classe média baixa da Andaluzia para não falar de noruegueses ou americanos. Quando vier o inverno (que esperemos seja frio e chuvoso), os que não tiveram o cuidado de ilegalmente facilitarem o compatriota e teimarem em manter preços turísticos arriscam-se a falir. Não haverá que ter pena, a não ser do facto de atirarem para o desemprego os que eles exploram. O turismo não pode ser dinheiro fácil, vigarice e uma forma de escravizar empregados. Governo e câmaras têm de estar atentos, sem que se volte ao sistema tabelado do salazarismo, quando um bolo de arroz tinha de pesar 50 gramas. O que se assiste hoje, nos locais mais populares das cidades, é um escândalo de exploração, sem qualidade e que afasta os portugueses, o que inevitavelmente terá consequências negativas para os especuladores no dia em que faltarem estrangeiros.