Solidariedade


Podíamos ter feito mais para evitar os mal-entendidos no caso dos donativos para a bebé Matilde? Sim, todos.


Primeiro houve as denúncias em torno dos donativos para Pedrógão Grande, das suspeitas de desvios à falta de critérios claros do Estado sobre a forma como o dinheiro seria usado, de informação e de monitorização atempada. Ficaram marcas. Agora, depois de uma mobilização fora do comum, a angariação de fundos para Matilde, a bebé diagnosticada com uma doença rara que esta semana, junto com outra criança, fez o tratamento que os médicos indicaram, chegou a um beco não muito diferente. O Estado assumiu o custo da medicação (que em Portugal teria sempre de ser feita no Serviço Nacional de Saúde, veio a perceber-se) e a questão sobre a legitimidade dos pais para ficarem com o dinheiro e para o gerirem daqui para a frente acabou por tornar-se incontornável. Mais uma vez, não é claro da parte do Estado o que está a ser feito – mantém a isenção de impostos, não mantém? – e a família entretanto veio dizer que quem quiser pode pedir a devolução dos donativos.

São dois casos, diferentes é certo, mas que num curto espaço de tempo beliscam a forma como nos disponibilizamos a ajudar e tocam num mesmo calcanhar de Aquiles. As redes sociais tornam a informação e a desinformação veloz, os esclarecimentos nem sempre chegam a tempo. O “tempo dos jornalistas ser diferente” não pode continuar a servir de desculpa. Sim, era de interesse público que o Hospital tivesse esclarecido o que estava em causa atempadamente – durante dias não houve qualquer informação – assim como o Infarmed e o Ministério da Saúde. Não aconteceu. Falhou a comunicação social, com certeza, mas os esclarecimentos foram parcos.

No meio deste processo, parece ter falhado a comunicação de uma forma geral, o que poderia ter ajudado a evitar mal entendidos e a difusão de informações imprecisas, clarificando que diferentes hipóteses estavam disponíveis num caso como este e ajudando a clarificar a opinião pública. Aconteceu o contrário, com uma sucessão de mensagens pouco claras e que parecem ter sido sobretudo omissões.

Durante os primeiros dias em que se começou a falar sobre esta criança, a reação do Ministério resumiu-se à informação de que o Governo estava “a acompanhar a situação e está sensível ao caso”, o que acabou por validar o apelo da família. Podia não ser essa a intenção, mas foi o que aconteceu. Antes disso, houve uma conta autorizada pela Secretaria Geral da Administração Interna, que garante terem sido seguidos todos os procedimentos nestes casos: “Foram pedidos relatórios médicos comprovativos da doença da criança, bem como comprovativo de entrega do IRS que provam a insuficiência económica”, esclareceu o MAI. Mesmo estando tudo certo, validou-se a ideia de que tinha de ser assim, que o Estado não tinha nada a fazer por esta criança. Afinal tinha e fez. Da mesma forma, quando um governante anuncia que as verbas não serão taxadas, valida a angariação de fundos e não parecia, à altura, conhecer também os diferentes cenários.

Como escrevi na altura, no caso da Saúde, talvez fosse o momento de se pensar num provedor do doente, que interviesse nestas e noutras situações num sentido de esclarecimento da opinião pública e evitar até que pais e famílias em geral em momentos delicados, sendo evitável, tenham estas preocupações. Mas, mais do que isso, talvez seja oportuno uma avaliação mais global, sob pena de simplesmente, perante a incapacidade de perceber, explicar, esclarecer, nos tornarmos vizinhos cada vez mais desligados, desconfiados. E se não falta com que nos escaldarmos no dia-a-dia, seria uma pena acontecer por incapacidade de avaliar o que correu mal desta vez, por todas as outras Matildes que possam um dia precisar que, por um qualquer motivo, a sociedade civil se mobilize.

 

Jornalista

Escreve à sexta-feira