Shame. “Ninguém gosta de um álbum perfeito”

Shame. “Ninguém gosta de um álbum perfeito”


Uma das promessas do rock britânico, os Shame estiveram, no último sábado, a apresentar o seu terceiro disco, Food for Worms, no LAV – Lisboa ao Vivo. Antes do concerto, o i conversou com a banda.


Depois de um álbum de estreia “imaculado e simples”, um segundo lançamento mais introspetivo e cuidado no estúdio, no terceiro disco dos ingleses Shame, Food for Worms, lançado no final de fevereiro, a banda conseguiu lançar o seu trabalho mais maduro até à data, enquanto conserva toda a selvajaria que a tornou um dos grupos mais acarinhados a sair da nova cena musical britânica, descrita por diversos meios de comunicação como Post-Brexit Punk.

O i esteve no LAV – Lisboa ao Vivo, no passado sábado, a conversar com a descontraída e divertida banda inglesa, antes de esta subir ao palco para apresentar aos fãs o seu mais recente álbum.

Nos bastidores da sala de concertos, houce espaço para explicações sobre a criação de Food for Worms, para considerações sobre o estado atual da música inglesas e ainda para ouvir os filmes nomeados para a presente edição dos Óscares favoritos de cada membro dos Shame.

 

Quando foi a primeira vez que pensaram em criar Food for Worms? 

Charlie Steen: Foi um projeto que esteve sempre na nossa mente. O processo começou algum tempo depois do Drunk Tank Pink (2021), porque aconteceu durante a pandemia. Foi uma forma de pensar e trabalhar completamente diferente, não sabíamos se íamos conseguir encontrar-nos e trabalhar juntos, isso colocou uma pressão adicional porque pensávamos que íamos ter muito tempo livre, devido ao confinamento, mas não foi, de todo, o que aconteceu. 

Sente que esse tempo foi essencial para a criação do disco ou prejudicial para o processo criativo?

CS: Em muitos casos, quando existe muito tempo de intervalo entre o lançamento dos discos, nomeadamente entre a altura em que os estamos a escrever e quando eles são editados, o que acontece é que deixamos de nos identificar tanto com este material.

Josh Finerty: Lembro-me quando lançámos o nosso primeiro disco, Songs of Praise (2018), tivemos algum tempo livre e eu disse a uns amigos nossos que íamos aproveitar para descansar e colocar de lado a ideia de fazer um disco novo. Imediatamente, chamaram-me de louco. O nosso baterista, Charlie Forbes, disse que tínhamos de começar logo a pensar e a trabalhar no álbum seguinte (risos). Não nos podemos esquecer que este é o nosso trabalho e temos de estar constantemente ativos.

CS: Mesmo assim houve uma pausa de três anos entre a criação do Drunk Tank Pink e o Food for Worms, tudo por causa da pandemia, e parece que foi algo que aconteceu há séculos.

A pandemia obrigou-vos a mudar a forma como trabalham?

CS: Foi algo que não nos ajudou em nada. Sentimos uma grande pressão devido ao receio de ser impossível gravar ou lançar estas músicas. No entanto, também nos permitiu descansar e tirar umas férias, o que foi muito bom. 

JF: Acho que também precisávamos todos de uma pausa. Quando estás constantemente em tour, a fazer concertos e ainda tens de compor canções, é um processo que é muito desgastante. Foi uma altura muito angustiante quando a pandemia começou, mas, ao mesmo tempo, acho que não estaríamos onde estamos hoje se não fosse esse período.

Vocês têm sido muito vocais sobre o quão desgastante pode ser este estilo de vida, com o Charlie a confessar que sentiu ataques de pânico depois da tour de apresentação do Songs of Praise. Foi importante para vocês este “abrandamento” do vosso estilo de vida? 

CS: Foi bom parar durante um bocado. Quando parámos de apresentar o Songs of Praise tivemos uma pausa de três meses, o que até permitiu ao Sean ir passar umas férias a Cuba. Conseguimos trabalhar em diversos projetos antes de voltarmos à sala de ensaio, mas, inevitavelmente, estamos sempre com a cabeça a pensar na banda. Estamos sempre a enviar áudios através do Whatsapp com ideias para canções. 

Ao ouvir o Food for Worms é possível sentir que este é um álbum mais maduro, quase como um irmão mais velho do Drunk Tank Pink. Quais foram as principais diferenças na gravação destes dois discos?

CS: Diria que foram dois processos bem distintos. A começar porque o Drunk Tank Pink foi gravado em Paris (risos), em separado, com várias camadas sonoras e com muito trabalho de estúdio. O Food for Worms, não foi assim. Foi gravado num estúdio nos subúrbios de Londres com todos os membros da banda a tocar ao mesmo tempo e em direto. Sinto que optámos por uma abordagem mais da “velha escola”…

Charlie Forbes: Deve ser por isso que soa como o “irmão mais velho” (risos).

CS: Todos os membros da banda estavam sempre presentes nas sessões, houve uma grande sensação de proximidade.

Gravar ao vivo coloca mais pressão nas sessões de gravação?

CS: Cada take tinha de ser perfeito ou era necessário gravar a música toda do início, foi um processo moroso e que cada um teve de aguentar. 

JF: Havia momentos em que sentíamos que as sessões pareciam quase exercícios militares (risos). É como se estivéssemos a fazer uma série de flexões e se alguém falhasse tínhamos de voltar ao início do exercício.

CS: Se alguém tem um mau take, então todos têm um mau take.

Sean Coyle-Smith: Para conseguirmos o som que se pode ouvir no disco tivemos de cobrir toda a luz natural da sala, parecia que estávamos dentro de uma tenda, sem oxigénio e todos cobertos de suor. 

Sentem que esse tipo de ambiente ajudou a criar o ambiente mais tenso do álbum?

SCS: Eu acho que não (risos). O ambiente de estúdio é muito importante e, sem dúvida, ajudou à qualidade do som, mas esta situação não ajudou muito a banda. Era estranho passar um dia inteiro sem luz natural.

CS: Nas sessões deste disco demorámos duas semanas até conseguirmos começar a gravar. Foi o tempo necessário até estarmos confortáveis, com as músicas ensaiadas e com todas as condições da sala preparadas para capturar as músicas. Além disso, certas músicas funcionavam melhor dependendo da altura do dia. Algumas faziam mais sentido serem gravadas de noite, enquanto outras funcionavam melhor logo pela manhã. Tivemos que mudar bastante os horários para se adequarem à atmosfera certa das músicas. 

Sinto que tudo o que estão a descrever contribuiu para o facto das vossas músicas soarem mais intensas.

CS: Este disco é sem dúvida mais cru, menos polido e acho que isso é bastante bom. Quando gravamos um disco neste contexto, temos de viver com os nossos erros e com a eventualidade de não os podermos corrigir. Isto trouxe um certo caráter ao disco. Ninguém gosta de um álbum perfeito.

JF: Exatamente. Nos nossos discos anteriores, quando estávamos em estúdio à procura de erros nas gravações, perdíamo-nos nesta busca pela perfeição. Às vezes como músicos perdemo-nos um pouco nesta procura.

SCS: Sinto que o Songs of Praise era mais imaculado e simples. No Drunk Tank Pink deixámo-nos arrebatar pelo trabalho em estúdio. Agora, o Food for Worms é o mais selvagem.

CS: Estarmos todos juntos contribuiu para este som. No nosso primeiro disco, estávamos muito separados. 

Charlie Forbes: Nem sempre é uma coisa má, temos mais tempo para refletir no que podemos fazer e estamos mais relaxados. Podemos estar no banho a tomar um copo de vinho e a pensar em como é que vamos tocar no dia seguinte (risos).

Na promoção, falaram sobre como este é um disco que reflete as vossas amizades e como muitas das músicas abordam problemas que os vossos amigos enfrentaram. Gravar estas músicas juntos ajudou a aprofundar este tema?

CS: A grande força deste álbum, apesar de ter sido muito intenso, foi ter sido gravado num período de tempo conciso. Por isso, estivemos sempre muito ligados aos tópicos sobre os quais estávamos a cantar. 

O que o inspirou a escrever sobre este tema em particular?

CS: Houve uma altura em que enfrentámos um bloqueio criativo. Podíamos até estar a ser prolíficos a compor canções, mas não estávamos a conseguir encontrar um tema para unir todas as músicas. Mas, durante o período em que me dediquei a escrever as letras, refleti bastante sobre as pessoas que nos rodeiam e decidi que era sobre isso que queria escrever e o que precisava de desabafar. Quando estava a escrever músicas como Adderall ou a Fingers of Steel, estava muito inspirado por um livro que andava a ler, Lonesome Dove – Na Trilha da Solidão (1989) do Larry Mcmurtry, que é um western que aborda muitos temas ligados à amizade. Esse livro teve muito impacto na criação deste disco.

Algumas das músicas têm refrões muito orelhudos onde é possível imaginar uma sala repleta dos vossos fãs a cantar as músicas todos juntos. Era importante as vossas músicas criarem esta sensação de camaradagem?

CS: Este álbum é muito mais melódico e simples, por isso temos esses momentos durante o concerto. Além disso, todos contribuímos a certa altura com as nossas vozes, era algo que queríamos explorar ainda mais.

Acho isto interessante, porque diversas críticas compararam este disco com outras bandas que estão a surgir em Londres, como os Black Country, New Road ou os Dry Cleaning, que têm uma abordagem muito mais introspetiva na forma de cantar as músicas, mas vocês optaram pelo completo oposto. 

CS: O que mais me inspira nesta cena musical londrina é que existem imensas bandas talentosas, mas todas têm o seu tipo específico de som. É possível ouvir algumas influências em determinadas músicas, mas o mais interessante é que cada uma tem a sua identidade e é capaz de a defender.

Uma das principais canções deste disco é a Adderall, uma canção que me deixou completamente arrebatado. Podem guiar-nos sobre o processo de criação desta música?

CS: Já andávamos há imenso tempo a tocar a Adderall nos nossos concertos e tínhamos sempre uma reação muito boa por parte dos nossos fãs. Essa foi uma das músicas em que o nosso produtor, Flood [Nick Cave, U2, Foals], nos aconselhou a não pensar demasiado na sua gravação. Ele disse para não pensarmos em nenhuma das nossas canções como “singles” porque isso seria um “beijo da morte” e nunca conseguiríamos tocá-la como pretendíamos. 

JF: Deixámos essa música para o fim, foi uma das últimas que gravámos e foi feita de uma maneira muito casual. Fizemos alguns takes onde o Charlie também estava a tocar baixo, mas diria que aconteceu de uma maneira muito natural. Não sentimos uma pressão adicional. 

CS: A parte vocal desta música é muito simples, especialmente no refrão, mas isso cria uma sensação muito mais assustadora, porque significa que tem que sair muito bem. Muitas das minhas músicas favoritas são muito simples, mas isso é porque a linha vocal é muito boa ou, simplesmente, soam bastante bem. É algo que acontece muito naturalmente. 

Sinto que este Food for Worms é muito positivo, onde falam sobre ajudar as vossas amizades a superar diversos problemas. Este disco chega numa altura em que diversas obras de arte, como a série de televisão Ted Lasso ou o vencedor do Óscar de Melhor Filme, Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo, estão a obter um grande sucesso. Porque é que acham que este fenómeno está a acontecer agora?

CS: Porque lágrimas vendem (risos).

SCS: E sorrisos também.

JF: Acho que estes tipos de tendências surgem de ciclos. Sinto que a partir do momento que o David Bowie morreu, em 2016, isso despoletou uma série de acontecimentos que deixou o mundo e as pessoas miseráveis. Tudo parecia horrível, o Donald Trump assumiu o cargo de Presidente dos Estados Unidos e a onda da extrema-direita começou a chegar a diversos países. Suponho que muitos criativos e a sua audiência se fartaram de olhar para o lado mais negativo do mundo. Apesar de ainda continuarmos nesta trajetória negativa.

CF: Estamos apenas a sorrir perante toda esta dor (risos).

Acho que a pandemia também teve algo a ver com esta mudança. Passámos todos por um momento muito negativo e precisamos de um pouco de esperança e positividade nas nossas vidas.

JF: Sim, isso também é uma possibilidade.

CS: Eu diria que no nosso trabalho estávamos tão focados naqueles que nos rodeiam e isso terá despertado este sentimento de querermos ver todos bem.

SCS: Eu acredito que o otimismo é bastante importante, especialmente na música. 

CS: Estavas a falar sobre esses filmes nomeados para Óscares e eles também se focam num círculo pequeno de pessoas que se preocupam umas com as outras.

SCS: Apesar de todos os outros filmes serem bastante negros (risos).

CS: Sim, especialmente o Espíritos de Inisherin ou A Baleia. São exatamente o oposto do que estávamos a falar, são muito pesados, apesar de focados num grupo íntimo de pessoas.

Já agora, gostava de aproveitar para vos perguntar quais foram os vossos nomeados favoritos deste ano.

SCS: Os Espíritos de Inisherin foi sem dúvida o meu favorito, apesar por ser tão bizarro e engraçado de uma maneira tão mórbida. 

JF: Eu preciso, urgentemente, de fazer uma maratona dos Óscares, porque o único filme que vi foram Os Espíritos de Inisherin.

CS: O único nomeado que não percebi foi o Elvis. Acho que vi numa viagem de avião e fiquei muito surpreendido com a nomeação. Acho que é uma história muito boa e está muito bem conseguido em termos artísticos, mas não acho que tivesse sido muito bem conseguido.