Mónaco. A última visita do rei Sennafoi há 20 anos


O Mónaco não é para qualquer um. Para viver no principado há que ter dinheiro, para dominar o circuito é preciso ter mãozinhas. Quem fica a uma volta de levar um modesto Toleman à vitória cumpre de imediato o segundo requisito e põe-se a jeito para fazer o mesmo com o primeiro. Ayrton Senna é…


O Mónaco não é para qualquer um. Para viver no principado há que ter dinheiro, para dominar o circuito é preciso ter mãozinhas. Quem fica a uma volta de levar um modesto Toleman à vitória cumpre de imediato o segundo requisito e põe-se a jeito para fazer o mesmo com o primeiro. Ayrton Senna é apenas um piloto promissor, em 1984, quando põe em risco o triunfo de Alain Prost numa tarde chuvosa em Monte Carlo. Mas começa aí uma ligação que se transformará em recorde.

Nove anos depois, Senna corre pela última vez no Mónaco. Ninguém o imagina, tal como não aposta no miúdo brasileiro ao volante de um carro mediano na sua primeira aparição. No currículo já tem cinco vitórias (1987, 1989-92) no grande prémio mais icónico da Fórmula 1. Ou seja, está empatado com Graham Hill. Ganhar de novo significa estabelecer um novo máximo, ser coroado como rei numa terra de príncipes.

Quando Ayrton chega aqui, tudo parece simples. Nem parece verdade que a última época completa na F1 correu o risco de não acontecer. Quando 1992 termina, o brasileiro ainda está sem equipa, depois de até recusar uma proposta da Ferrari. Uma das hipóteses é a Williams – pela qual se oferece para correr à borla -, mas o poder de veto de Prost impede, logo à partida, que a união se dê. Por esta altura, a rivalidade é demasiado forte.

Senna ainda vai a Phoenix, no Arizona, para fazer um teste na IndyCar, pelo menos até encontrar uma solução. E ela aparece na fonte original do problema: a McLaren. Com o fim da ligação à Honda (que será recuperada agora, em 2014), Ron Dennis fica sem fornecedor de motores. Enquanto a Williams tem os Renault V10 prontos a acelerar e a Benetton trabalha com os Ford V8, a McLaren está apeada. Os Lamborghini V12 não convencem durante os testes de pré-época e a alternativa menos má é comprar motores de segunda linha à Ford. Inicialmente, Senna pensa em sair da equipa. Depois aceita, ainda desconfiado, renovar o contrato – mas só por uma corrida. Na África do Sul, o carro porta–se bem e Dennis recebe a resposta que pretende: Senna fica.

O campeonato está equilibrado à partida para o Mónaco. Prost tem três vitórias, Senna duas. O francês é o mais forte na qualificação, enquanto o brasileiro passa um mau bocado com dores na mão esquerda (culpa de um acidente dois dias antes, nos treinos livres) e apanha um susto – por pouco não bate na barreira de pneus no fim da recta do túnel. Mesmo assim, sai no terceiro lugar da grelha, atrás de Prost (Williams) e de Michael Schumacher (Benetton).

No arranque da corrida, Prost sai melhor. Ao ver a repetição, percebe-se porquê: tem o carro em andamento antes de tempo. Ora, o castigo oficial aparece entretanto sob a forma de uma paragem de dez segundos no corredor das boxes. Mas há uma segunda dose de punição. Quando Prost tenta arrancar, o motor do Williams vai abaixo. “Morreu o motor! Morreu o motor! Morreu o motor!”, grita Reginaldo Leme aos microfones da Globo para todo um Brasil devoto a Senna ouvir. O problema demora a ser resolvido, de tal forma que o então tricampeão é dobrado por Schumacher e Senna. Depois resta-lhe entreter-se com uma longa recuperação que ainda vai levá-lo do 22.º ao quarto lugar.

A diferença de potência dos Benetton e dos McLaren faz-se sentir à medida que o tempo passa. A distância alarga- -se entre os dois da frente, chega a ser de mais de 15 segundos. À 33.ª volta, esse buraco desaparece tão depressa quanto o carro de Schumacher falha e encosta. De repente, a corrida cai no colo de Senna. “Aí vem o novo Mister Mónaco”, diz o mesmo Reginaldo, à medida que o piloto se aproxima da bandeira de xadrez. Logo atrás dele vem Prost, em quarto e com uma volta a menos, a assistir à festa numa posição privilegiada mas pouco agradável.

Confirma-se então a sexta vitória de Senna no Mónaco (a quinta consecutiva), o oitavo pódio em dez participações. O segundo classificado é Damon Hill, colega de Prost na Williams e filho do homem cujo recorde acaba de ser batido. “Se o meu pai estivesse vivo, estaria orgulhoso e viria cumprimentar-te”, reconhece Damon no pódio. Quem também lá está é Ron Dennis, para receber o troféu do construtor. Numa rara manifestação pública de emoção, o patrão dá um beijo na cara de Ayrton.

Apesar do potencial distinto das equipas, Senna e Prost saem do Mónaco com três vitórias cada e o brasileiro lidera o Mundial com cinco pontos de vantagem. A partir daqui, no entanto, as diferenças vão acentuar-se. A Williams vai fugir confortavelmente rumo ao título (com o dobro dos pontos da McLaren) e Prost sagrar-se-á tetracampeão. O melhor que Senna consegue é evitar uma dobradinha, ao vencer as últimas duas corridas da época (Japão e Austrália) e ficar à frente de Hill. Essas acabarão por ser também as últimas vitórias da carreira de Ayrton, que morre no ano seguinte em São Marino – prova anterior à do Mónaco.

Dos pilotos que este fim-de-semana vão correr no circuito, seis (Sebastian Vettel, Jenson Button, Lewis Hamilton, Kimi Räikkönen, Fernando Alonso e Mark Webber) já ganharam aqui e dois (Alonso e Webber) fizeram-no duas vezes. Com a afirmação de Nico Rosberg como estrela dos treinos – foi o mais rápido nas duas sessões de quinta-feira e vem com duas poles seguidas (Bahrein e Espanha) -, podemos ter o sétimo príncipe do Mónaco. Mas nenhum se aproxima sequer do rei Senna, o homem que nunca foi ultrapassado neste circuito.

GP do Mónaco: terceira sessão de treinos livres hoje às 10h00; qualificação às 13h00; corrida amanhã às 13h00