Festa académica de Lisboa. O pior vai ser a ressaca do parque florestal de Monsanto


Depois de oito meses a queimar pestanas a recompensa está a uma semana de distância: música, cerveja e muita farra até às seis da manhã. A festa da semana académica de Lisboa vai ter o ponto alto no dia 15, mas nem todos estão felizes com o evento que durante quatro dias irá chamar 20…


Depois de oito meses a queimar pestanas a recompensa está a uma semana de distância: música, cerveja e muita farra até às seis da manhã. A festa da semana académica de Lisboa vai ter o ponto alto no dia 15, mas nem todos estão felizes com o evento que durante quatro dias irá chamar 20 mil estudantes. A enchente de universitários que se vai concentrar na maior bacia hidrográfica do Parque Florestal do Monsanto (PFM) está a deixar em pânico as associações cívicas e ambientais e ainda as comissões de moradores.
A festa da Associação Académica de Lisboa transformou-se nas últimas semanas num problema sem solução à vista: de um lado estão moradores, ambientalistas ou associações cívicas que querem preservar o PFM dos excessos estudantis; do outro estão os universitários, que se queixam de ser “sucessivamente expulsos” de todos os lugares até se fixarem este ano no Alto da Ajuda.
Será que quatro dias consecutivos de festa serão suficientes para destruir todo o trabalho dos últimos dois anos? O trabalho, neste caso, passou por plantar cerca de 2 mil árvores, entre sobreiros, oliveiras-bravas, carvalhos, azinheiras e sabugueiros, cobrir cerca de 8 hectares de solo com vegetação e ainda realinhar a linha de água. Hoje a clareira do Monsanto junto ao Pólo Universitário da Ajuda faz parte da rota da biodiversidade da capital, é o habitat de coelhos, zona de nidificação de perdizes-vermelhas e ainda lugar de passagem para as abelhas polinizadoras.
“Tudo isso foi conseguido com o voluntarismo de moradores, de escolas, de associações cívicas e ambientais, os contributos de empresas e, claro, com a coordenação dos técnicos da Câmara de Lisboa”, conta João Pinto Soares, da Plataforma por Monsanto, organização que reúne 16 associações ou comissões de moradores. E todo esse empenho está agora em perigo, segundo os ambientalistas: “A realização desta iniciativa irá produzir resíduos em grande escala, contribuir para a contaminação e a compressão dos solos e diminuir a capacidade dos terrenos para absorver águas, o que poderá ter consequências gravíssimas nos bairros de habitação que se situam em redor”, avisa a Plataforma por Monsanto.
A Câmara de Lisboa contrapõe e, em resposta ao i, fonte do gabinete do vereador José Sá Fernandes defende que o evento vai acontecer “numa área limítrofe ao Parque Florestal de Monsanto” e que a escolha desse local “minimiza o impacto e a circulação de pessoas e veículos no interior do PFM”.
Há quase um mês que as associações tentam travar a festa académica em Monsanto e o que conseguiram até agora foi uma espécie de compromisso entre os estudantes, que prometem fazer o mínimo estrago possível e compensar os danos que possam vir a acontecer no parque florestal. “Vamos cercar o recinto da festa com uma vedação de dois metros de altura impedindo as pessoas de saltarem para as zonas sensíveis. Depois da semana académica iremos limpar a zona, revolver a terra e repor o coberto vegetal”, diz o dirigente da Associação Académica de Lisboa, Marcelo Fonseca, explicando que vão gastar cerca de 5 mil euros para levar a cabo esta operação.
A operação de limpeza terá sido, segundo os ambientalistas, um dos resultados do pingue-pongue de emails entre associações e autarquia. Só que nem as suas críticas “nem o parecer dos técnicos do Parque Florestal do Monsanto contra este evento” fizeram a câmara recuar, conta Miguel Teles, da Associação Plantar Uma Árvore (P1A). Por outro lado, fonte da autarquia explicou ao i que a realização da festa no Alto da Ajuda teve o parecer favorável dos serviços de Ambiente da CML e só vai acontecer mediante várias condições.
“Vedar o acesso às áreas mais sensíveis, em particular as que foram recentemente plantadas”, sensibilizar os universitários para “boas práticas ambientais” ou garantir que os estudantes fiquem “confinados ao recinto previamente definido” são algumas das medidas propostas pela direcção municipal do ambiente urbano que, para o dirigente da P1A, só demonstram que a autarquia “reconhece o erro” embora as soluções apresentadas pouco impacto possam vir a ter: “O mal está feito e os danos nunca serão totalmente reparáveis”, avisa Miguel Teles, criticando a câmara por não ter acatado a proposta dos próprios técnicos camarários para encontrar alternativas.
A Associação Académica de Lisboa diz, contudo, que a decisão de ocupar os terrenos do Alto da Ajuda surgiu depois de serem excluídas todas as outras hipóteses. “Chegou a ser equacionado fazer a festa no Auditório Keil do Amaral, no Monsanto, mas foi a própria autarquia a concluir que os equipamentos ali existentes são demasiado frágeis e corriam o risco de ficar danificados”, conta Marcelo.
Desde 1999, explica o dirigente da associação, que a festa académica tem saltitado de lugar em lugar. Já passou pelo Parque das Nações, mas saiu dali porque incomodou os residentes. Já esteve no Estádio do Restelo, mas o barulho importunou os funcionários das embaixadas. Mudou-se para a zona de Santos, mas teve de sair por não deixar os moradores dormir. O Parque da Bela Vista foi hipótese descartada por ser o palco do Rock in Rio e o mesmo aconteceu com o Passeio Marítimo de Algés, onde se realiza o festival Optimus Alive, justifica o dirigente da associação.
E assim se chegou ao Monsanto. Apesar de a decisão estar tomada, as associações ambientais dizem ter ainda uma “réstia de esperança” de que a autarquia volte atrás. Será difícil, tendo em conta que os trabalhos para remover a vegetação, montar os palcos e barracas estão a decorrer desde o início desta semana.