Edimburgo. Entre feiticeiros e fantasmas, uma viagem às terras altas da cultura


Faz lembrar Lisboa, mas possivelmente com mais uns quantos fantasmas e assombrações. Quem o garante é Pedro Rodrigues, que percorreu Edimburgo, sem esquecer os cemitérios e as referências a J.K. Rowling. No final ainda houve tempo para boa comida cantonesa e uma visita ao Nando’s para comer um prego A bordo do serviço ferroviário que…


Faz lembrar Lisboa, mas possivelmente com mais uns quantos fantasmas e assombrações. Quem o garante é Pedro Rodrigues, que percorreu Edimburgo, sem esquecer os cemitérios e as referências a J.K. Rowling. No final ainda houve tempo para boa comida cantonesa e uma visita ao Nando’s para comer um prego

A bordo do serviço ferroviário que liga Newcastle a Edimburgo, a vista panorâmica dá para um mar de campo verde- -vivo, sarapintado por manadas de vacas que percorrem toda a costa oeste escocesa. À medida que a Escócia se vai dando a conhecer, aos nossos olhos o cenário lembra a icónica capa dos britânicos Pink Floyd “Atom Heart Mother”.

Na companhia de um trio de colegas chinesas, a viagem prometia ser uma lição cultural a dois tempos. Em compasso de descoberta de mochila às costas por terras desconhecidas, a barreira da língua permitiu uma ligação bem mais introspectiva entre nós e a cidade.

A chegada a Edimburgo trouxe um sentimento misto de choque e reconhecimento: a capital da Escócia transmite uma vibração semelhante à capital alfacinha. Imersa em dualidades, dividida entre zona velha (um centro histórico que conserva a arquitectura do século xviii) e a nova, mais sofisticada, Edimburgo transpira história em sintonia com o ritmo da vida moderna.

À saída da estação central, a paragem obrigatória faz-se nos Princes Street Gardens. Atravessados pela linha de comboio, estes jardins fazem uma divisão simbólica e geográfica da cidade. Sentados na relva em pleno coração de Edimburgo, observamos o famoso castelo no topo do monte, a mesma vista que inspirou a Hogwarts de Harry Potter.

Na verdade, na capital escocesa é impossível escapar às referências ao pequeno feiticeiro. Do café onde J.K. Rowling começou a escrever as sagas de magia ao cemitério Greyfriars – onde demos de caras com a sepultura de Riddell (ao que parece Thomas Riddell, o nome verdadeiro de Voldemort, foi um escocês do século xix que terá sido inspiração para o nome da personagem criada por J.K. Rowling) -, as relações entre a escritora e a cidade não param de surgir seja qual for a rota escolhida.

Apesar de estarmos em pleno Reino Unido, as nossas refeições foram quase sempre feitas de pauzinhos na mão. Por força da maioria, fosse por hábito cultural fosse pela simples preguiça gastronómica do grupo, acabei por ficar a conhecer toda oferta de restaurantes cantoneses e chineses que a cidade tinha para oferecer.

Ao final de uma das manhãs, inventámos uma desculpa para nos afastar do grupo e nos esgueirarmos para o interior de um Nando”s. Estávamos mortos por descobrir a razão da popularidade da famosa cadeia de fast-food de gastronomia luso-moçambicana entre os britânicos. Satisfeitas as saudades de casa com um prego Steak Roll e uma Portuguese Beer (prego e bejeca para os entendidos), voltámos às amigas chinesas com uma história bem preparada.

Um dos pontos fortes de Edimburgo são as visitas guiadas a pé pela parte antiga da cidade. A boa notícia? São completamente grátis. Numa brava caminhada pelos altos e baixos do centro histórico da cidade, não foram raras as vezes que a nossa guia parou entre becos escuros e apertados para apontar – dir-se-ia demasiado orgulhosa – como há poucos séculos os habitantes atiravam as suas necessidades janela fora sem aviso prévio.

Fantasmas e tumbas Depois de uma tarde de histórias aliciantes sobre infames burlões, violentos psicopatas e bruxas por queimar, percebemos que uma mão lava a outra, e lá demos por nós a um quarto para a meia-noite à espera do infame Ghost Hunt, passeio que desta vez vai sair do nosso bolso.

Edimburgo é uma cidade assombrada, todos o dizem e todos tentam prová-lo. Cépticos mas a morrer de curiosidade, lá seguimos o novo guia de barba à mosqueteiro e chapéu à cowboy numa viagem que acabou por ser menos assustadora que divertida. Após um quarto de hora a trilhar becos escuros e ruas sujas – o charme natural de uma cidade antiga – chegámos às portas de uma outra cidade, a dos mortos.

Pé ante pé, descemos ao subsolo de Edimburgo, onde nos aguardava um labirinto de corredores e câmaras vazias que nunca viram a luz do dia. Marcas do passado de uma cidade em forte expansão no século xix, as câmaras subterrâneas serviram de albergue a verdadeiras multidões empacotadas, com mais doenças para trocar que pão para comer.

Do subsolo assombrado às portas do cemitério foi só um passinho. Por esta altura, ao passar as portadas do antigo campanário, apenas a pequena lanterna do guia nos impedia de tropeçar numa cripta envolta na escuridão.

Entre tumbas guardadas por enormes estátuas a campas enjauladas (um costume de segurança para dar cabo do negócio aos ladrões de corpos), a nossa visita terminou em frente ao enorme mausoléu de George Mackenzie, o poltergeist mais famoso do Reino Unido, fonte de incontáveis documentários e programas de televisão.

Em jeito de despedida, antes de partir para as terras altas, sentámo-nos no Bar Frankenstein, convenientemente situado a dois minutos do cemitério. No interior, repleto de todo o tipo de referências e memorabilia relacionadas com o monstro de Mary Shelley, bebemos à saúde de Edimburgo, a terra prometida dos amantes da fantasia.