Selminho. Irmãos de Rui Moreira souberam “pelos jornais” que terreno pertenceria à Câmara

Selminho. Irmãos de Rui Moreira souberam “pelos jornais” que terreno pertenceria à Câmara


Imbróglio jurídico que opõe família Moreira à Câmara Municipal do Porto terminará quarta-feira. Em causa está titularidade de terrenos em zona fortemente atacada pela especulação imobiliária


Dois dos irmãos do presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, afirmaram no Tribunal Cível do Porto terem sabido “pelos jornais”, em 2016, que a titularidade dos terrenos da Calçada da Arrábida estaria em causa. Os irmãos do autarca entendem que os imóveis pertencem à sua empresa imobiliária, a Selminho, da família Moreira, e não ao Município do Porto.

O julgamento terminará na próxima quinta-feira de manhã, no Palácio da Justiça do Porto, depois do juiz, Paulo Faria, ter realizado uma inspeção ao local, na Calçada da Arrábida – uma zona fortemente atacada pela especulação imobiliária e pela construção desenfreada – a fim de perceber melhor no próprio terreno todos os contornos daquele imbróglio jurídico.

Tudo porque a Câmara Municipal do Porto afirma serem seus 1.621 metros quadrados de um total de 2.260 que a empresa Selminho, por sua vez, reclama ter comprado em 2001, por 35 mil contos (cerca de 175 mil euros), a um casal daquela zona.

A pedra de toque do processo, do ponto de vista político, é que à data em que rebentou o caso o próprio Rui Moreira era um dos sócios da empresa Selminho, chegando mesmo a ausentar-se da sala da vereação quando a CDU denunciou a situação, em julho de 2016, porque o presidente da Câmara tinha assim interesse direto na causa.

Abordagem a Paulo Morais Tomás Moreira, presidente da holding familiar Morimor SGPS, ouvido no Tribunal Cível do Porto, revelou ter abordado Paulo Morais, à data vice-presidente da Câmara Municipal do Porto e vereador do Urbanismo no primeiro mandato de Rui Rio, dando-lhe nota que estava “insatisfeito” com as limitações construtivas impostas pelo PDM para a Arrábida.

Paulo Morais, que depois entrou em rota de colisão com o próprio Rui Rio, terá sido “abordado informalmente numa receção púbica”, de acordo com o depoimento de Tomás Moreira, instando o irmão de Rui Moreira a dirigir tais reclamações por escrito, o que este fez oficialmente à autarquia portuense.

Mas, ainda segundo Tomás Moreira, “nunca recebi qualquer resposta por Paulo Morais”. Voltou por isso à carga com o vereador seguinte, Gonçalo Gonçalves, mas também debalde, face “ao excesso de rigor da ‘zona non aedificandi’ já prevista para a encosta da Arrábida”.

É que a Selminho tem direitos de construção atribuídos através das normas provisórias já antes do PDM de 2006, documento que por sua vez impossibilitou a construção naquela área de escarpa, levando a empresa imobiliária então detida em parte por Rui Moreira a considerar ter direito a uma indemnização de um milhão e meio de euros, acrescida de juros, caso a autarquia mantivesse a recusa de construção na zona em que antes autorizara.

“Soube pelos jornais” Luís Miguel Moreira, também irmão de Rui Moreira, começou por dizer, tal como já tem sido afirmado por outros elementos da família, “ter sabido pelos jornais” que os terrenos afinal seriam, na sua maioria, pertença da Câmara do Porto e nunca da Selminho.

Em meados de julho de 2016 começaram a circular na internet informações detalhadas de que, pelos registos camarários, apenas 639 metros quadrados seriam da Selminho entre o lote situado abaixo da Via Panorâmica Edgar Cardoso, na Calçada da Arrábida, além de existir uma parcela do domínio público, para passagem.

A Selminho adquiriu os terrenos em 31 de julho de 2001, sete semanas após os mesmos terem sido registados, por usucapião, no Cartório Notarial de Montalegre, a favor do casal João Batista Ferreira e Maria Irene de Almeida Pereira Ferreira, que declararam então, na presença de três testemunhas, terem comprado aquele lote a Álvaro Nunes Pereira, depois das obras de construção da nova Ponte da Arrábida, a cargo do engenheiro Edgar Cardoso.

O casal Ferreira, tal como a imobiliária Selminho, são réus na ação interposta pela Câmara Municipal do Porto, que está a ser agora julgada em primeira instância, porque alega ter já em finais de 1949 expropriado aquele mesmo terreno a Manuel Ferreira Pacheco, nunca tendo alienado qualquer parcela daquele lote, o que é confirmado pelos registos municipais.

Avaliação técnica à distância O arquiteto Sebastião Moreira, outro irmão de Rui Moreira, já tinha prestado declarações afirmando ter realizado uma avaliação técnica àqueles terrenos, mas sem nunca se ter deslocado sequer ao local.

Mas, segundo os seus irmãos, Luís Miguel e Tomás Moreira, foi encomendado um estudo, de memória descritiva, ao arquiteto Alcino Soutinho, tendo em conta o interesse em fazer um empreendimento imobiliário onde, de resto, o lote está cercado por outras construções.

A Selminho alega ter pago sempre o IMI correspondente aos terrenos e fez limpezas periódicas, uma das quais de raiz, nunca tendo sequer colocado em causa serem seus os espaços. O advogado Pedro Alhinho, a representar o Município do Porto, questionou na sessão “se alguém acredita que no início do século XXI, na segunda cidade do país, seja possível adquirir terrenos por usucapião”.

Posição contrária têm os advogados José Ricardo Gonçalves e Nuno Carvalhinha, que se encontram a representar, respetivamente, a Selminho e o Casal Ferreira. Reiteram que o negócio foi lícito e a autarquia portuense é responsável pela autorização de construção no ano de 2002, através das referidas normas provisórias que antecederam o PDM em 2006.

Os serviços municipais dão como adquirido que 1621 metros quadrados, a maioria da parcela, são da autarquia, não havendo no processo judicial registos em contrário.