Rui Sinel de Cordes. Quanto mais sangue, melhor


A pressão de ser engraçado pode ser uma autêntica cruz no lombo. Por sorte ou visão estratégica, aquela que o acompanha sempre que entra em palco, sob uma luz especial, tem a leveza do PVC, despistando por isso indesejados deslocamentos de costelas e afins. “Está na arrecadação. Sempre que mudo de casa, vai comigo. Espero…


A pressão de ser engraçado pode ser uma autêntica cruz no lombo. Por sorte ou visão estratégica, aquela que o acompanha sempre que entra em palco, sob uma luz especial, tem a leveza do PVC, despistando por isso indesejados deslocamentos de costelas e afins. “Está na arrecadação. Sempre que mudo de casa, vai comigo. Espero que caiba dentro do carro para a levar para o Porto.” É de acreditar que, por esta altura, já tenha chegado sã e salva ao salão Ático do Coliseu da Invicta, onde logo à noite Rui Sinel de Cordes se apresenta em modo stand-up comedy, com o regresso aos palcos do espectáculo “Black Label”, estreado há três anos, aquando da sua entrada em cena com o programa “Preto no Branco”, na SIC Radical.

“Na altura quis entrar o mais agressivo possível para marcar logo uma posição. O que tem acontecido, e é curioso, é que as pessoas que foram ver esse espectáculo e depois me têm visto dizem que estou ficar mais mole. Não ficam nada contentes; querem o mais sangue possível.” A pedido dos seguidores, espera-se portanto uma ementa de piadas com um rótulo em cima mais negro que uma noite de inverno – classificação que neste caso se sobrepõe à tradicional bolinha vermelha no canto superior direito dos ecrãs. Na circunstância, nem sequer há ecrãs, apesar de estar prevista a gravação dos espectáculos. “O público pode esperar o meu humor mais agressivo e mais negro de sempre.”

Conte com um regresso aos bons velhos básicos impermeáveis a modas, pelo menos se estivermos a falar de consumidores de piadas cuja sensibilidade não sai lesada por temas tão sensíveis – também há quem goste de usar a expressão “fracturantes” – como pedofilia, homossexualidade, aborto, violência doméstica ou fome em África. “Alguns casos são piadas por piadas, que podem ser engraçadas ou não, dependendo do humor de cada um. Outros, como a pedofilia, podem nem ser só piadas sobre miúdos que foram abusados. Nem sempre é isso. Às vezes é.”

Enquanto no Porto a audiência no salão Ático do Coliseu ronda os 200 lugares, no Coliseu de Lisboa, onde actua no sábado, estará de costas para a sala e é no próprio palco que se sentarão mais de 400 pessoas. A estrutura do espectáculo sofreu grandes alterações desde 2009. Um ou outro detalhe foi actualizado e ajustado aos tempos. Apesar de tudo poder acontecer, e de um espectáculo ao vivo e a cores ser em tudo semelhante a um número de equilibrismo num trapézio sem rede de segurança, por princípio não há espaço para improvisações. Se tiver a iluminada ideia de comprar bilhete só para poder achincalhar o humorista, lançando um ou outro comentário menos simpático, tenha cuidado com a proeza. Mais que não seja porque, em média, por cada detractor que dá um ar da sua graça na página do humorista no facebook, imediatamente aparecem quatro ou cinco acólitos.

“A minha batalha desde a televisão é ter público que sabe ao que vem. Não é confortável para a pessoa estar a assistir a um humor que não gosta, nem para o humorista.” O guião está escrito. Decorado, já é outra conversa, revela Sinel de Cordes, enquanto se passeia pela sala de casa, de texto na mão. “Estou um bocado preocupado por amanhã [hoje] ir fazer o Coliseu do Porto. Já não fazia o espectáculo há três anos. Estive a recuperar sequências.”

Sinel de Cordes voltou a semana passada à SIC Radical com a nova série de “Gente da Minha Terra”, exibida às terças-feiras. O DVD da série anterior é lançado hoje na Fnac do Norte Shopping, às dez, e está a preparar um livro a sair em Setembro, “Black Book”, um resumo das melhores piadas que tem vindo a partilhar na sua página de facebook há quatro anos.