Natalidade. A Índia está a ficar cada vez mais masculina


Num país onde a tradição sempre valorizou mais os filhos homens, a moderna tecnologia nos hospitais apenas serve para perverter a ordem natural das coisas, fazendo com que muitas raparigas indianas nunca cheguem a nascer. “Recebo pedidos [de abortos] todos os dias”, afirma o médico Neelam Singh. “Os pais dizem que é importante ter um…


Num país onde a tradição sempre valorizou mais os filhos homens, a moderna tecnologia nos hospitais apenas serve para perverter a ordem natural das coisas, fazendo com que muitas raparigas indianas nunca cheguem a nascer. “Recebo pedidos [de abortos] todos os dias”, afirma o médico Neelam Singh. “Os pais dizem que é importante ter um filho na família. Querem manter o nome. Vejo isto como o tipo mais atroz de discriminação contra as crianças do sexo feminino”, acrescenta o ginecologista do Uttar Pradesh, o estado mais populoso da Índia, citado pela Al-Jazeera.
Há dez anos, segundo o censo de 2001, existiam 927 raparigas para cada 1000 rapazes na Índia. Em 2011, a proporção é de 914 para os mesmos 1000 – o maior desequilíbrio entre sexos desde que o país alcançou a independência, em 1947. De acordo com Neelam Singh, a taxa de crescimento da população indiana é actualmente de 20% e, num país com quase 1,21 mil milhões de habitantes, os homens superam as mulheres 37,2 milhões.
“Na Índia existe uma confluência de factores que levam ao infanticídio passivo, ao infanticídio activo ou ao aborto segundo o sexo”, explica Valerie Hudson, professora de Ciência Política na Brigham Young University, que estuda as taxas de natalidade no país. “Provavelmente, o mais importante é a tradição do dote [pagamento ao futuro marido]. Casar-se com uma rapariga poderá ser equivalente a vários anos de renda para a família. Uma filha é muitas vezes vista como uma ladra que vai roubar recursos preciosos.” Em causa estão ainda questões como as leis da propriedade, muito estritas, em que as heranças são passadas de pai para filho e a esperança de que os filhos varões assegurem financeiramente a velhice dos pais.
Em termos globais, segundo as contas feitas por Mara Hvistendahl, autor do livro “Unnatural Selection”, 163 milhões de raparigas “desapareceram” da população mundial devido a abortos selectivos realizados nos últimos 30 anos. De acordo com as Nações Unidas, a população mundial vai chegar aos 7 mil milhões no fim deste mês e o problema do desequilíbrio entre sexos está a agravar-se em várias regiões.
Como explica Rohini Prabha Pande, uma demógrafa independente que estuda este assunto, em 2020 cerca de 15% a 20% dos homens em algumas regiões do Noroeste da Índia não vão ter pares do sexo feminino. “No Punjabe existem aldeias inteiras sem raparigas com menos de cinco anos. Há alguns distritos com 700 raparigas para 1000 homens”, refere à Al-Jazeera.
Apesar de o governo indiano proibir desde 1994 a detecção do sexo dos fetos no início da gravidez, os indianos contornam facilmente a lei indo a clínicas privadas ou a locais clandestinos onde esse tipo de exames com ecografias é realizado. E a educação e o estatuto social agravam, na maioria dos casos, ainda mais a situação.
“Há uma probabilidade maior de sobrevivência dos bebés femininos se nascerem numa família pobre do que numa família rica”, sublinha a professora Valerie Hudson. “As famílias ricas têm mais bens que podem ser postos em risco pelas meninas com os pagamentos do dote”, afirmou, acrescentando que os grupos das classes mais elevadas têm medo de ver o nome da família manchado no caso de a filha casar com um homem de uma casta inferior.