Macron, a lebre e as tartarugas voadoras


Se for adotada a estratégia defensiva, Macron será a lebre atípica que acabará por cortar a meta primeiro


A construção de um novo partido ou movimento para consolidar a marcha de Macron no plano europeu é um profundo desafio para as famílias políticas tradicionais pró-europeias.

Emmanuel Macron chegou à presidência francesa apoiado num movimento de cidadãos enquadrado por alguns dissidentes dos partidos tradicionais. As suas legítimas ambições de afirmação política nacional e internacional fazem com que a sua prioridade seja agora a consolidação desse movimento, criando uma força nacional e europeia de nova geração, capturando descontentes e resgatando à indiferença muitos cidadãos afastados da cidadania política.

Macron não tem o património histórico e a identidade das famílias políticas tradicionais mas, em contrapartida, tem maior liberdade para fazer abordagens disruptivas com o passado e capazes de se adequarem à tipologia de organização social, de base tecnológica e de cultura de vida, das sociedades atuais.

Salvo raras exceções que se tornam cada vez mais estudos de caso, como é, por exemplo, a resiliência e adaptabilidade do Partido Socialista em Portugal, as famílias políticas europeias tradicionais, que têm sido ao longo de décadas o esteio da concretização do ideal europeu de paz, liberdade e cooperação, estão a passar por momentos difíceis de adaptação dos seus programas e métodos aos desafios dos novos tempos.

Perante o surgimento de um novo competidor no território político pró-europeu, podem adotar uma estratégia defensiva ou uma estratégia ofensiva.

A estratégia defensiva tenderá a ver a emergência de um novo concorrente como uma ameaça imediata e a proteger o território, transformando-o no inimigo principal. É um comportamento compreensível, mas que consubstancia um importante erro estratégico e tático.

Depois de França, foi agora em Itália a política tradicional a pagar caro pela sua arrogância perante a novidade que, no plano da organização e da participação, o Movimento 5 Estrelas representa.

A estratégia ofensiva exigirá dos partidos tradicionais que adaptem os seus programas aos novos tempos, estudem as novas formas de concretizarem os seus valores, realizem convenções, debates e plataformas de discussão aberta, chamem a si gente nova e gente afastada para, escorados na força da sua história e da sua identidade, reconstruírem os seus projetos à luz do novo contexto social induzido pela revolução digital, pela transição energética e pela crescente consciência ambiental.

A minha intuição diz-me que da forma como os partidos tradicionais reagirem ao fenómeno Macron vai depender a configuração da paisagem política pró-europeia já a partir do próximo ciclo que se inicia com as eleições para o Parlamento Europeu em maio de 2019.

Se for adotada a estratégia defensiva, Macron será a lebre atípica que acabará por cortar a meta primeiro. Se as famílias políticas tradicionais, em particular a família social–democrata, aproveitarem o estímulo para se reinventarem aplicando os seus valores de forma ajustada às novas necessidades das pessoas e da sociedade, então Macron será apenas a lebre que acordou as tartarugas e lhes deu asas.

 

Eurodeputado do PS