Quem mora em Lisboa já se habituou a vê-los passar a toda a hora. Por outro lado, quem visita a capital é capaz de se surpreender com a quantidade de veículos motorizados de três rodas que sobem e descem a cidade das sete colinas. Em 2021, estimava a Sábado que existissem cerca de 1500 em Lisboa. De facto, este meio de transporte nascido na Tailândia em 1950 tornou-se tão omnipresente que há quem julgue que os tuk tuks são uma coisa típica lisboeta.
O sol já perdeu a timidez. Depois de alguns dias de chuva, o céu está completamente azul. As ruas enchem-se de turistas que aproveitam a tarde para passear pelo centro da cidade. Descemos o Martim Moniz rumo ao Rossio. Estamos em frente à estação dos comboios construída a partir de finais do século XIX segundo um modelo revivalista neomanuelino. Os passageiros que saem pelas portas vermelhas de ferro em forma de ferradura são abordados pelos condutores dos tuk tuks que, parados em fila indiana, tentam angariar clientes para mais uma viagem.
Apaixonado por história
Rui Matos tem 53 anos e está na atividade há oito. Achava engraçado ver os tuk tuks passar quando passeava pela cidade e decidiu experimentar conduzir um. “Sempre achei que as pessoas se divertiam muito nesta atividade. Chamou-me a atenção. E não me enganei!”, afirma ao i. Além disso, sempre foi apaixonado por história. “Não é só conduzir as pessoas até determinado lugar… Eu faço questão de contar a história dos sítios, curiosidades que muita gente não conhece”. Aponta para a Espingardaria Central: “Sabias que ali foram compradas as armas usadas no atentado contra o Rei D. Carlos, incluindo a Winchester que o matou?”, interroga, como se estivéssemos em viagem.
Aquilo de que mais gosta é mesmo o convívio com pessoas vindas do mundo inteiro. “Os estrangeiros com algum poder de compra estão muito relaxados, divertem-se muito. Tenho a sorte de poder usufruir da companhia deles e partilhar a nossa história com muita alegria”, explica, acrescentando que também há aqueles que querem apenas ver os miradouros. “Eu vendo mais as viagens para a parte velha da cidade. É isso que os turistas mais procuram. Também para o Chiado… Ao contrário do que as pessoas pensam, o pessoal não quer ir logo para Belém”, revela. “O que mais os surpreende é mesmo a antiguidade da cidade… Quando eu lhes mostro como é que era a cidade no tempo dos romanos, quando lhes falo do terramoto de 1755 (que eles desconhecem)”, continua.
Segundo o motorista, a época alta começa precisamente este mês. “A afluência fica ao rubro. As ruas ficam mesmo cheias e há muita procura. Na Páscoa vemos mais espanhóis, no resto do ano é um pouco de tudo. Mas os meus clientes vêm sobretudo de outras partes da Europa”, conta.
Os dias são passados a tentar angariar clientes para passeios de uma a duas horas que permitem aos clientes ver muito mais e ir a sítios onde os autocarros e elétricos não passam. “Aliás, queremos que as viagens durem o máximo possível, claro, para não estarmos a perder tempo de uma para a outra. Se vendermos só uma hora, daqui a uma hora estamos outra vez na estaca zero”, afirma. Interrogado sobre a história mais especial que viveu enquanto trabalhava, Rui Matos recorda o dia em que, ao sair da garagem onde deixa o tuk tuk, nas Costa do Castelo, encontrou uma senhora que ia de visita ao Castelo. “Perguntei-lhe se ela queria que eu lhe desse boleia. Nunca tinha andado num tuk tuk. Ficou satisfeita… Conversa puxa conversa e, a dada altura, ela diz-me que fez um inventário sobre os azulejos da cidade de Lisboa. Comecei a ficar em pulgas para saber a história. Mais uma história que podia contar aos turistas”, lembra. Acabou por perceber que a sua cliente tinha escrito um livro sobre o assunto nos anos 80. “Fui procurá-lo no OLX e descobri-o! Deixei-a para a visita e quando regressou já eu tinha falado com o senhor que estava a vender o livro na internet. Paguei caro, mas o livro estava impecável. Acabei por ficar com o contacto da senhora e nessa mesma noite mandei-lhe uma fotografia com o livro. Na cidade de Lisboa existem mais de 400 padrões de azulejos diferentes! É uma informação importante para darmos aos nossos clientes! Em conversa com ela também fiquei a saber que existe um azulejo único na cidade. Numa rua paralela à Basílica da Estrela há um prédio com dois andares com um azulejo com caras de chineses”, conta satisfeito.
Para Rui Matos, o maior desafio nesta profissão é mesmo a concorrência. “Agora há muito pessoal da Ásia que também se mete no negócio e não sabem nada da história da cidade. Só enchem as ruas e passam a imagem de ser um serviço apenas de transporte… Não é!”, lamenta. Outra coisa que o chateia é “não haver lugares legais para estacionar”. Os lugares que existem são muito insuficientes. “Outra grande dificuldade é o facto de o Turismo de Portugal e o RNAAT [Registo Nacional de Agentes de Animação Turística] passarem licenças às pessoas que querem abrir atividade, mas não limitarem o número de tuk tuks que podem ter. Deve-se implementar a mesma medida que nos táxis. Está a ficar mesmo insuportável. Há pessoas a comprarem tuk tuks todos os anos só com um RNAAT”, explica. “Para além das ruas cortadas aos tuk tuks… Não entendo”, desabafa.
Uma experiência sempre diferente
Descemos até à Praça da Figueira. Veem-se jovens a andar de skate, outros sentados no chão a apanhar sol. Tal como no Rossio, uma fila de tuk tuks chama a atenção. Mas aqui até fazem segunda fila. Anderson Jesus sorri ao ver-nos aproximar. Tem 52 anos e trabalha no ramo há dois anos e meio. “Moro em Lisboa há 23 anos e trabalhava com tecnologias da informação. Um dia, uma rapariga com quem saía falou-me deste trabalho. Perguntei-lhe como tinha sido o dia dela e achei a resposta maravilhosa. Ela brilhava. Quando me perguntou a mim o que eu tinha feito, eu tinha consertado três computadores. Que aborrecido! Decidi experimentar e apaixonei-me. Já tinha morado em Alfama, Príncipe Real, Bairro Alto. Já conhecia bem a cidade”, conta o motorista. Apesar disso, Anderson começou a estudar para aperfeiçoar os conhecimentos – considera que é importante saber do que se está a falar para poder proporcionar a melhor viagem possível aos turistas. “Cada tour que nós fazemos é sempre diferente. Isso me apaixona muito. Quando está chuva, por exemplo, damos mais de nós para animar as pessoas. Quando está um tempo incrível, você não quer que acabe o tour. Nenhum dia é igual ao outro, até porque Lisboa tem 2500 anos de história”, descreve. Durante a altura da Páscoa, por norma, quem o procura em maior número são os turistas espanhóis. “É muito perto, então eles dão uma escapadinha a Portugal”. No entanto, os americanos têm escolhido cada vez mais Lisboa como destino das suas férias.
O percurso mais escolhido é o do elétrico 28. “Faço o mesmo percurso que o elétrico, mas paro nos miradouros”, afirma. Relativamente aos preços, cobra entre 80 e 120 euros à hora. “Depende do número de pessoas também. Seis pessoas para uma viagem de uma hora fica entre 100 a 120 euros”, revela. Anderson Jesus recorda a vez em que um turista, também brasileiro, conhecia bem a história da cidade. “Ele sabia tudo. Eu enganei-me ao dizer o ano em que os mouros cá chegaram. Ele corrigiu-me e, a partir daí, foi ele a contar tudo. Eu só queria que a viagem acabasse. Ele não se calava”, lembra a rir-se.
No que toca aos maiores desafios, o motorista considera que a polícia é um problema. “Nós temos locais para estacionar, mas não há uma utilização com bom critério. Imagina… Nós estamos em tour e temos de parar só cinco minutos, mesmo que não estejamos a atrapalhar o trânsito, vêm-nos chatear. A polícia poderia colaborar mais um pouco. Entendo que haja colegas que abusam, mas não é a maioria”, garante. Tal como Rui, Anderson acredita que há falta de uma fiscalização mais forte, já que o número de pessoas na atividade tem aumentado em grande número. “Nós estamos a representar uma cidade e um país, as pessoas têm de ficar satisfeitas”.
Quando a viagem se estende
A viagem acaba perto do Terreiro do Paço, na Rua Augusta. As pessoas atropelam-se a andar. Está uma enchente de gente. Numa das ruas, mais uma fila de tuk tuks espera à sombra por clientes. Carlos tem 40 anos e trabalha há 10 na profissão. Na altura estava desempregado e sugeriram-lhe experimentar a atividade. “Gostei e fiquei. É incrível poder conhecer pessoas de todas as partes do mundo. Mentalidades completamente diferentes… Isso enriquece-nos enquanto pessoas”, explica, acrescentando que não é apenas necessário ser-se bem disposto, mas também ter rigor nas informações que se passa aos turistas. “Não devemos andar a dar tangas, como muitos o fazem”, lamenta. Carlos considera que este ano está a ser muito atípico, ao contrário daquilo que se poderia pensar ao ver as ruas cheias. “Muito menos turistas. Talvez pelas duas guerras que estão a decorrer. Nós portugueses não estamos habituados a jogar na bolsa, mas o estrangeiro sim. As bolsas baixaram e o pessoal tem menos dinheiro”, justifica. Até há dois anos, segundo o motorista, os franceses vinham mais no inverno. No entanto, agora, vemos pessoas de todas as partes do mundo em todas as alturas do ano.
Uma das coisas mais especiais para si é a partilha vivida com os clientes e o prazer que estes têm ao experimentar a gastronomia do país. “Há muitos que chegam à hora de almoço e convidam-me para ir almoçar. Sugiro um restaurante típico e eles ficam malucos com a comida. Imaginas um alemão a comer um cozido à portuguesa?”, revela. “Eu tenho o hábito de comê-lo no pão, eles querem experimentar. Ficam deliciados”, garante. Além disso, muitos motoristas acabam mesmo por acompanhar os clientes a sair à noite. Depois de um dia de passeio, passam ao jantar e dão a conhecer o que de melhor tem a noite de Lisboa.