As inundações são uma das principais catástrofes naturais que afetam cidades em todo o mundo, particularmente as cidades costeiras, onde o risco associado a estes eventos cresce devido ao aumento da impermeabilização nos grandes centros urbanos, à subida do nível do mar e ao agravamento da intensidade de fenómenos meteorológicos extremos. Frequentemente, como em eventos recentes em Lisboa, em dezembro de 2022 (ou antes, em 2008 e 2014), as inundações incorrem em avultados prejuízos para pessoas e bens, com impactos sociais, ambientais e económicos especialmente gravosos.
O Plano Geral de Drenagem de Lisboa (PGDL 2016-2030), que teve a intervenção de vários professores do Instituto Superior Técnico (além dos autores, os colegas António Monteiro e Rodrigo Oliveira), apresenta um conjunto de intervenções estruturantes e complementares que visam controlar os problemas de inundação que ocorrem regularmente na cidade. As soluções preconizadas neste plano incluem a construção de dois túneis para desviar os caudais numa zona a montante dos locais de inundação, evitando que estes afluam às zonas baixas da cidade, onde a rede de drenagem, pela sua dimensão, reduzida inclinação dos coletores e por estar sob efeito da maré, apresenta uma capacidade de escoamento insuficiente.
O túnel Monsanto – Santa Apolónia, com diâmetro de 5,5 m e cerca de 5 km de comprimento, desenvolve se desde a zona de Campolide até Santa Apolónia, onde descarregará os caudais desviados para o rio Tejo. A montante do túnel, os caudais iniciais serão conduzidos para uma bacia antipoluição, de 16 000 m3, de forma a assegurar um tratamento preliminar. Para caudais mais elevados, as águas pluviais serão sujeitas a uma tamisação antes de entrarem no túnel. A construção destas infraestruturas foi já iniciada, bem como a dos poços de interceção dos principais coletores atravessados pelo túnel, na Av. da Liberdade, na R. de Santa Marta e na Av. Almirante Reis, que permitem a queda controlada dos caudais intercetados para o seu interior. Constituem também pontos de acesso de homens e máquinas, possibilitando manobras periódicas de manutenção. Tratam-se de obras complexas, com grande impacte social e de difícil execução, por estarem localizadas em meio urbano onde o espaço disponível é limitado, em grande parte devido à presença de infraestruturas críticas (tais como os túneis do metro).
O túnel Chelas-Beato, de cerca de 1 km e com o mesmo diâmetro, destina-se a resolver problemas de inundação na área de Xabregas, desviando os caudais pluviais da bacia hidrográfica de Chelas para o rio Tejo.
As soluções propostas no plano incluem também intervenções complementares de minimização de perdas de carga localizadas, de reforço da capacidade de captação do escoamento de superfície (sarjetas de passeio e sumidouros de grades), de reabilitação de coletores das redes principais e secundárias, e de beneficiação das descargas, por alargamento de saídas no rio Tejo.
Contudo, para controlar os efeitos das inundações e tornar a cidade mais resiliente a este tipo de eventos, as estratégias de adaptação devem ser reforçadas com abordagens de mitigação de caudais de ponta pluviais.
Entre as estratégias de mitigação de caráter estruturante incluem-se soluções de controlo na origem, de base natural (“Nature-based Solutions”, NbS), que incluem trincheiras de infiltração, valas revestidas com coberto vegetal, poços drenantes, pavimentos reservatórios, telhados verdes e bacias de retenção. Estas soluções mitigam os riscos de inundações, atenuam o impacto das secas, os efeitos das ilhas de calor urbanas e as perdas de biodiversidade, que poderão ser exacerbados pelas alterações climáticas.
Desde 2008, Lisboa registou um aumento de áreas verdes superior a 13%, em espaços novos e renovados, nomeadamente através da implementação de corredores verdes e hortas urbanas. No âmbito do PGDL 2016-2030, foram já construídas as bacias de retenção a céu aberto do Alto da Ajuda e do Vale da Ameixoeira. A primeira promove a infiltração e atenuação dos caudais de ponta pluviais e a retenção de sólidos, contribuindo para a requalificação paisagística e valorização do território. Também as recentes obras de requalificação do Parque Eduardo VII incluíram a construção de trincheiras de infiltração e infraestruturas modulares de retenção, para promover a retenção e infiltração das águas pluviais (Figura 1).
De acordo com a proposta de revisão da Diretiva Europeia relativa ao tratamento de águas residuais urbanas, atualmente em discussão, a redução da poluição devida ao tratamento de águas pluviais será exigida nas grandes cidades, requerendo planos de gestão integrada das águas urbanas. As soluções propostas no PGDL 2016-2030, designadamente a bacia antipoluição a montante do túnel Monsanto – Santa Apolónia e as NbS, complementadas por intervenções verdes já realizadas no âmbito de outras iniciativas municipais, proporcionam tratamento aos volumes descarregados ou retidos, contribuindo para o objetivo de controlo da poluição do escoamento superficial.
As abordagens centralizadas e descentralizadas propostas no PGDL 2016-2030 e a utilização combinada de soluções cinzentas (convencionais) e verdes (de base natural) contribuirão para mitigar os riscos de inundação e promover a inclusão social, a biodiversidade e a saúde e bem-estar dos lisboetas. A opção por soluções sustentáveis apresenta benefícios múltiplos e aumenta a resiliência urbana, preparando a cidade para o futuro, num quadro de alterações climáticas.
Professores no Instituto Superior Técnico, membros do CERIS (Centro de
Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade)