Entre o colapso e a resiliência das instituições bancárias

Entre o colapso e a resiliência das instituições bancárias


No ano passado, os principais bancos portugueses tiveram um lucro superior àquele que foi registado em 2022. O mesmo aconteceu na Irlanda. Contudo, por exemplo, nos EUA, o SVB e o Signature Bank colapsaram. E o alemão Deutsche Bank planeia cortar 3.500 postos de trabalho até 2025.


Em 2023, os bancos portugueses tiveram lucros considerados “extraordinários”. Mas o mesmo não acontece em todos os países. Por exemplo, os maiores bancos dos Estados Unidos, como JPMorgan, Bank of America e Wells Fargo, enfrentaram uma pressão nos lucros devido ao pagamento de uma taxa à Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), em decorrência do colapso do Silicon Valley Bank e do Signature Bank no ano anterior. Isto resultou em quedas nas ações destes bancos, com o JPMorgan a registar uma queda de 0,73%, o Bank of America de 1,06% e o Wells Fargo de 3,34%. Por outro lado, o Citibank registou um prejuízo no quarto trimestre, enquanto o banco liderado por Jamie Dimon, o JPMorgan, obteve um desempenho notável, impulsionado pelo recorde na margem financeira. Assim, as ações do Citibank subiram 1,04%.

No início de março do ano passado, este colapso reavivou memórias da crise financeira de 2008, mas os líderes governamentais tentaram acalmar os ânimos, enfatizando a solidez do sistema bancário. O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que o sistema bancário dos EUA é robusto e que os depósitos das famílias e empresas estão seguros.

 Os colapsos do SVB e do Signature Bank foram desencadeados por uma onda de levantamentos bancários, provocada pelo aumento das taxas de juros nos EUA, tornando outros produtos financeiros mais atrativos do que contas correntes e obrigações do tesouro, onde parte dos depósitos do SVB estava investida.

Para acalmar os mercados, a Reserva Federal dos EUA anunciou que disponibilizará financiamento adicional aos bancos para garantir que possam atender às necessidades de todos os depositantes. Joe Biden reiterou a solidez do sistema bancário dos EUA e prometeu reforçar a regulação do setor para reconstruir a confiança dos investidores. Embora tenha assegurado a segurança dos depósitos, alertou que investidores e acionistas poderiam enfrentar perdas. Fernando Medina afirmou, em Bruxelas, que o sistema bancário europeu é mais robusto do que o dos EUA e está sujeito a regras mais rígidas, principalmente devido à supervisão do Banco Central Europeu (BCE). Destacou que o SVB era uma instituição regional e especializada, principalmente no setor tecnológico, e apesar disso era relativamente grande em termos de depósitos, sendo quase do tamanho do sistema bancário português.

Já o Comissário Europeu para a Economia, Paolo Gentiloni, afirmou que não há risco direto de contágio para o sistema bancário europeu devido à falência do SVB. Mencionou a importância de monitorizar qualquer impacto indireto, mas disse que não havia razões para alarme na altura. No entanto, na Europa, destaca-se o caso do alemão Deutsche Bank. A 1 de fevereiro, a instituição bancária anunciou que planeia cortar 3.500 empregos, recomprar ações e pagar dividendos, após uma queda de 30% nos lucros no quarto trimestre de 2023. Os empregos afetados serão principalmente na área de back office, como relatado pela Reuters. Esta é a primeira vez que o banco alemão fornece um número específico de cortes de empregos, como parte dos seus esforços para reduzir despesas. Estas medidas devem representar uma poupança de cerca de 1,6 mil milhões de euros para o Deutsche Bank e estavam programadas para ocorrer no primeiro semestre deste ano. Além disso, o banco aumentou as suas perspetivas de crescimento de receita. Em relação aos dividendos, o grupo planeia propor aos acionistas um pagamento de 0,45 euros por ação para 2023, o que representa um aumento de 50% em relação a 2022, segundo a AFP.

Apesar da quebra nos resultados, o Deutsche Bank registou um lucro líquido atribuível aos acionistas de 1,26 mil milhões de euros no quarto trimestre de 2023, superando as expectativas dos analistas, que previam lucros de aproximadamente 700 milhões de euros. No entanto, as despesas de reestruturação e outros custos extraordinários superaram os ganhos com as receitas durante este período. No geral, o lucro anual do banco caiu para 4,21 mil milhões de euros em 2023, em comparação com os 5,03 mil milhões de euros do ano anterior. Apesar disso, também superou as expectativas dos analistas, que previam um lucro de 3,664 mil milhões de euros.

Importa referir que o HSBC, o maior banco europeu, adquiriu a filial do SVB no Reino Unido. O resgate foi facilitado por um acordo privado entre o governo britânico e o Banco de Inglaterra. O Tesouro britânico anunciou que os clientes do SVB no Reino Unido podem continuar a aceder aos seus depósitos e serviços bancários normalmente. O CEO do HSBC, Noel Quinn, destacou a importância estratégica dessa aquisição para os negócios do banco no Reino Unido. 

No Reino Unido, os resultados do teste de esforço/stress do cenário cíclico anual de 2022/23 indicam que os principais bancos do país seriam resilientes a um cenário de esforço grave que incorporasse uma inflação persistentemente mais elevada nas economias avançadas, o aumento das taxas de juro globais, recessões profundas e simultâneas no Reino Unido e economias globais com desemprego materialmente mais elevado e quedas acentuadas nos preços dos ativos.Os resultados indicam que o sistema bancário do Reino Unido seria capaz de resistir ao grave cenário macroeconómico e teria capacidade para apoiar as famílias e as empresas durante o período de tensão.

“O cenário é mais grave do que a crise financeira global (GFC) de 2007-08. É também substancialmente mais grave do que as atuais perspetivas macroeconómicas, uma vez que combina taxas de juro crescentes com uma inflação consideravelmente mais elevada do que os picos recentes, juntamente com recessões profundas e simultâneas no Reino Unido e nas economias globais com um desemprego materialmente mais elevado”, explicou o Banco de Inglaterra, acrescentando que o cenário do teste de esforço não é uma previsão das condições macroeconómicas e financeiras no Reino Unido ou no estrangeiro. “Pelo contrário, trata-se de um cenário coerente de ‘risco de cauda’, concebido para ser suficientemente grave e amplo para avaliar a resiliência dos bancos do Reino Unido a uma série de choques adversos graves”.

Acerca da vizinha Espanha, a plataforma RankiaPro preparou um artigo, intitulado ‘Perspetivas para os bancos europeus e espanhóis: estabilidade mas com nuances’, no qual explica o que poderá acontecer tanto naquele país como nos restantes da Europa. Relativamente aos bancos espanhóis, indicou que “embora a rentabilidade global possa diminuir moderadamente, continuará a apoiar os perfis de crédito dos bancos espanhóis em 2024, juntamente com a qualidade controlada dos ativos e posições de capital adequadas”, sendo que “uma maior disparidade de desempenho entre as operações nacionais e internacionais em 2024 dever-se-á principalmente ao maior crescimento dos empréstimos nos mercados emergentes, à medida que os volumes de empréstimos em Espanha estabilizam e finalmente diminuem à medida que a procura se ajusta às expectativas de crescimento mais baixas e às taxas de juro elevadas”.

O país que está com uma situação semelhante à de Portugal é a Irlanda. Em fevereiro, o Banco da Irlanda anunciou lucros, antes dos impostos, de 1,9 mil milhões de euros para 2023, enquanto no início deste mês o AIB afirmou ter obtido um lucro de pouco mais de 2 mil milhões de euros durante o mesmo período. A RTÉ explicou, num artigo, que “no mundo bancário irlandês, 2023 girou em torno de uma coisa: aumento das taxas de juro”. Após um longo período de taxas historicamente baixas e até negativas, o Banco Central Europeu iniciou uma nova ronda de aumentos em julho de 2022. “Assim que esta tendência começou, continuou ao longo de 2023, com os decisores de política monetária em Frankfurt a acrescentar mais 2% à principal taxa de depósito, para além dos 2,5% acumulados em subidas do ano anterior”. E conclui: “Para os bancos irlandeses, isto significava uma coisa: lucros abundantes”.

De acordo com a RankiaPro, na Europa, os riscos de agravamento incluem: qualquer risco de recessão económica nos principais países da União Europeia, particularmente um aumento do desemprego que possa afetar mais profundamente a qualidade dos ativos; o aumento da concorrência por depósitos, tanto entre bancos como entre produtos de poupança alternativos, o que poderá prejudicar as receitas e a rentabilidade e, “em cenários mais extremos”, causar escassez de financiamento; um problema financeiro ou geopolítico significativo “que mina a confiança no setor”, que, como demonstraram os casos do Silicon Valley Bank e do Credit Suisse, “permanece algo imprevisível”. Já os fatores de melhoria incluem um aumento na inclinação da curva de rendimentos que impulsiona uma maior expansão das margens líquidas de juros; o crescimento económico mais rápido do que o esperado, o que apoia tanto os volumes como a qualidade dos ativos e uma aceleração das reformas institucionais que “conduzam ao culminar da União Bancária Europeia e a uma maior consolidação no mercado único”.