Longe vai o tempo da crise financeira. Mas apesar de os bancos portugueses apresentarem uma situação mais saudável há sempre riscos a espreitarem, como reconhecem os economistas ouvidos pelo i. E o alerta feito na semana passada pela presidente do Banco Central Europeu (BCE) a apontar o risco da exposição da banca ao imobiliário fez soar alarmes.
João César das Neves reconhece que a banca nacional continua “a ser das mais descapitalizadas da Europa e com mais créditos incobráveis”, ainda assim, reconhece que “estão melhores do que estiveram”. O economista lamenta que a crise do subprime já tenha sido esquecida, defendendo que “temos de continuar atentos aos sinais de alerta da próxima crise”.
Também João Duque reconhece ao nosso jornal que “estar muito exposto a um setor é mau”. No entanto, confessa que espera que tenha sido feito um trabalho de casa por parte dos bancos, tanto em termos de gestão como de supervisão, “para que esteja mais forte do que esteve no passado”.
Otimista está o analista da ActivTrades, Mário Martins, ao referir que as medidas implementadas um pouco por todo o globo, mas especialmente nos Estados Unidos da América e na Europa, permitiram uma maior robustez do sistema financeiro. Mas nem tudo são boas notícias. O responsável chama a atenção para o facto te ter ocorrido “um ligeiro alívio” das normas no outro lado do Atlântico, a par da existência de novos riscos “que podem não estar acautelados, como aconteceu recentemente com a crise da banca regional nos EUA”, afirma ao i.
Já Henrique Tomé, analista da XTB, lembra que a crise do subprime “ensinou-nos a importância da regulamentação e supervisão financeira para prevenir práticas de risco excessivas praticadas pelos bancos e agências de notação de rating antes da última grande crise financeira”. E acrescenta: “Podemos tirar duas lições importantes da crise do subprime: Em primeiro lugar, os perigos associados ao excesso de alavancagem e, em segundo lugar, a importância da transparência nos produtos financeiros complexos e da supervisão de órgãos independentes”.
A verdade é que após a crise do subprime seguiram-se uma série de medidas macroprudenciais, sobretudo para o setor bancário. O economista do Banco Carregosa, Paulo Rosa, lembra que nos EUA, em 2010, foi criada a lei Dodd-Frank, a qual apertou o escrutínio a todos os bancos com um balanço superior a 50 mil milhões de dólares. “Após a queda do Lehman Brothers, em setembro de 2008, as autoridades monetárias concluíram que existiriam bancos grandes demais para falirem. Logo, se existem bancos sistémicos, demasiadamente grandes para falirem sem resultarem em graves dificuldades financeiras para as restantes instituições e consequentemente para a economia, então também devem ser mais escrutinados”.
Poderá vir uma nova crise? O analista da ActivTrades admite que há sempre risco de crises, na medida em que o sistema assenta no assumir de risco e com o aparecimento de novos tipos de negócio acredita que abre-se a porta a eventos com alguma gravidade. No entanto, reconhece que “a probabilidade de novas crises diminuiu substancialmente, pelo menos enquanto se mantiverem as regras criadas aquando da crise do subprime”.
Também o analista da XTB reconhece que as atuais circunstâncias são muito diferentes daquelas que tivemos em 2008. “A última grande crise financeira foi gerada pelos bancos e seguradoras e nos dias de hoje aquilo que estamos a vivenciar é muito diferente”, acrescentando que “estamos perante uma fase de abrandamento económico propositado com o objetivo de arrefecer a atividade económica de maneira a que os níveis de inflação voltem para os valores ditos ‘saudáveis’. Este abrandamento económico tem sido resultado das políticas monetárias restritivas adotadas pelos principais Bancos Centrais mundiais”.
No entanto, Henrique Tomé lembra que não é possível excluir o risco de incumprimento dos créditos ou o aumento do crédito malparado, uma vez que as condições financeiras nos últimos três anos foram alteradas, em grande parte, devido ao forte aumento dos juros e às pressões sobre os preços que ainda persistem.
Já Paulo Rosa dá, novamente, como exemplo, a Lei Dodd-Frank que foi revista em 2018, “tendo as autoridades relaxado significativamente, ou seja, os balanços a escrutinar deixaram de ser acima de 50 mil milhões de dólares, passando o escrutínio a ser feito apenas aos bancos com balanços acima de 250 mil milhões de dólares, apenas onze bancos, os maiores”. E não hesita: “Foram afastados de um escrutínio mais minucioso a maioria dos bancos regionais norte-americanos, dando origem ao colapso da banca regional dos EUA em março de 2023”.
E a banca portuguesa? De acordo com o analista da XTB, os lucros apresentados pelos bancos que operam em Portugal, aliado a balanços mais sólidos e níveis de alavancagem mais baixos, “levam-nos a crer que o sistema bancário nacional está mais saudável do que em 2008. As medidas implementadas pelo BCE e pelo BdP contribuíram para um maior controlo sobre o crédito”.
Mas não fica por aqui. O analista diz ainda que o facto de vários bancos terem sido absorvidos ou eliminados “tornou os que sobreviveram mais fortes e saudáveis. Contudo, não quer isto significar que não possam ocorrer momentos que deixem estes bancos numa situação de stress”, salienta.
Uma opinião partilhada pelo analista da ActivTrades que acena com as regras existentes, mas também pela supervisão mais eficaz e à existência de mecanismos que entretanto foram criados para lidar com desequilíbrios no sistema.
Um desses exemplos, são os testes de stress – que tem como objetivo testar a resiliência das instituições face a hipotéticos choques adversos e identificar vulnerabilidades potenciais – impostos pelo BCE como forma de mitigar os riscos. “Os testes de stress são um mecanismo de prevenção que já são utilizados há vários anos, contudo após a grande crise de 2008 estes testes de stress passaram a ser cada vez mais frequentes”, diz Henrique Tomé, referindo que, na Europa, os testes de stress de 2023 feitos aos bancos mostraram que a banca está preparada para enfrentar tempos adversos. Mesmo com a economia a piorar e os juros a subir, os bancos mostraram que têm liquidez suficiente para continuar a operar e a ajudar a economia.
Mas apesar de reconhecer esta ajuda, Paulo Rosa garante que os testes de stress nunca afastam por completo o risco. “Nenhum evento desfavorável pode ser plenamente eliminado. A economia depende da ação humana e não da vontade humana”, salienta.
Valor injetado na banca nacional É certo que ainda está na memória o dinheiro que foi injetado na banca portuguesa. Desde 2007, Portugal injetou cerca de 24 mil milhões de euros no sistema financeiro, sendo que parte foi reembolsado, como por exemplo, os 4,5 mil milhões de euros devolvidos pelo BCP e pelo BPI.
Para Henrique Tomé, “o valor injetado pelo Estado ao longo desses anos nos bancos daria para pagar todos os custos de 1 ano que o Estado gasta com a educação, habitação e infraestruturas coletivas, desporto e cultura, ambiente, defesa e segurança e ordem pública”, refere ao i.
Também Mário Martins lembra que essa verba servia para “pagar” estádios de futebol, pontes, aeroportos ou hospitais. E dá um exemplo: “A avaliação para o novo aeroporto indica um custo de oito mil milhões, sensivelmente o mesmo que a construção do TGV entre Lisboa e Galiza”.
A ter em conta Quanto a possível sinais de alerta, o responsável aponta para a “exuberância desmedida” como dos principais alertas a ter em conta. E explica: “Ou seja, quando existe demasiada exposição da banca num setor que valoriza claramente acima do expectável, isto porque a correção de preços é inevitável”.
Já Henrique Tomé afirma que os principais sinais devem ser vistos na economia. É o caso, por exemplo, de períodos de aumento gradual do desemprego que levam a problemas sobre o crédito mal parado, sendo uma ameaça clara à estabilidade bancária. “Posteriormente, o aumento gradual da valorização da habitação tem impacto direto na avaliação dos créditos (sendo o crédito habitação o mais importante), portanto desvalorizações no preço da habitação podem ser um alerta. Por último, o nível de investimento e produção é um outro sinal que pode merecer a nossa atenção, já que o enfraquecimento dos níveis produtivos pode levar a problemas financeiros, o que pode levar as empresas a terem dificuldades de cumprir com as suas obrigações de crédito. Isto proporciona também quedas no investimento e posteriormente aumentos de desemprego”, salienta ao nosso jornal.
Paulo Rosa aponta para o risco dos spreads de crédito aumentarem, isto é, uma diferença maior entre os rendimentos da dívida da periferia – Portugal, Espanha, Itália, Grécia – face à dívida soberana core (a alemã). “Spreads de crédito a aumentarem entre os rendimentos dos bancos mais frágeis em relação aos bancos mais sólidos. Ou seja, um dos principais sinais negativos é a subida das taxas de juro dos governos dos países mais débeis economicamente ou das empresas mais frágeis face às economias mais robustas e às empresas mais sólidas”, conclui.