Animais de cabeças normais e Outros que tais…


Toda essa actividade caseira está controlada pela tal Livestock Unit, LU ou Cabeça Normal, CN, um omnipresente Big Brother que estabelece, mede e fiscaliza a equivalência entre as espécies.


Munido do meu cartão fitossanitário que, depois de uma formação sénior intensiva de algumas horas, me habilita a aplicar produtos fitofarmacêuticos no pomar e na horta, entrei recentemente numa cooperativa agrícola – muitos agricultores ainda chamam Grémio, esquecidos de que o 25 de Abril os passou de proprietários a cooperantes – para adquirir alguns desses químicos para sustentar a minha agricultura caseira. Diga-se que a formação para juniores demora vários dias, porventura devido a que a geração mais bem preparada de sempre mostra dificuldades em assimilar a complexidade da matéria…

Enquanto esperava, deparei com um cartaz que sumariava a regulamentação da detenção caseira de animais em regime de autoconsumo (bovinos, ovinos, caprinos, galinhas, coelhos, perus, etc). Fiquei atordoado ao ler que essa atividade era condicionada a uma capacidade máxima equivalente, imagine-se, a 3 livestock unit – LU, com um limite de 2 LUs por espécie pecuária e ainda sujeita a registo no Ministério da Agricultura! Aprofundando a papeleta, aprendi que a livestock unit – LU se traduz por Cabeça Normal, isto é, CN, e que a capacidade máxima do stock caseiro fica restringida a 3 Cabeças Normais, mas não podendo cada espécie ultrapassar as 2 Cabeças Normais. Um choque, já que pensava que o Estado não se metia na criação de animais com cabeça normal, reservando a tutela para cair sobre quem os criasse com cabeça anormal! Mas, está-se a ver, burocratas e tecnocratas lançam mão a toda a cabeça que mexe!

Para ficar certo de que era mesmo assim, liguei a um amigo que me presenteia com uns frangos quando o visito.

– Ouve lá, os frangos que me dás foram registados, são legais e têm cabeça normal?

–  Claro que sim, só mesmo lhes falta um cartão de cidadão. E quanto à cabeça, não maces a minha, já me basta o consultor…

– O consultor?

– Claro, o consultor… lê é o regulamento todo antes de me fazer perguntas, que eu tenho que ver se a raposa não me foi ao galinheiro…

Embora temeroso, até por interesse próprio, de que a raposa tenha cortado a cabeça às galinhas, pelo menos fiquei descansado quanto a poder garantir o registo de detenção dos galináceos caso interrogado pela polícia das estradas. Quanto à guia de transporte, logo se veria… 

Fui ler o regulamento. Confirmei que toda essa atividade caseira está controlada pela tal Livestock Unit, LU ou Cabeça Normal, CN, um omnipresente Big Brother que estabelece, mede e fiscaliza a equivalência entre as espécies, considerando a categoria, a idade, o peso, a produção, se é ou não reprodutor, jovem ou adulto, se aleitante ou em aleitamento, de recria ou acabamento, etc, etc.

E assim um frango equivale a 0,006 da livestock unit, mas já a 0,013 se passar a galinha. E a LU de uma vaca é diferente se é leiteira ou não, se produz mais ou menos de 7000 litros de leite, pese mais ou menos de 600 quilos, tenha mais ou menos idade, e é ou não aleitante e com mais ou menos de 24 meses. Os suínos são discriminados em bácoros, reprodutores ou em acabamento e varrascos não castrados, estes a valerem o dobro do porco em acabamento, noblesse oblige… E a medida é também diferente para perus caso sejam fêmeas ou machos, de primeira e segunda fase, e para os coelhos e lebres simples, reprodutores em aleitamento ou de recrias ou de acabamento. Tudo numa infinda panóplia de ponderações, categorias e equivalências. Um pato equivale a 0,02, um burro a 0,6, uma avestruz a 0,2 LUs.

A coisa complica-se quando se quer respeitar a dimensão regulamentar. Para não afetar os limites das restantes categorias de animais, o cabimento dos bovinos nas duas LUs autorizadas exige que terão que ser vaca aleitante com mais de 500 kg ou vaca leiteira com menos de 7.000 kg de leite por ano ou touro. É que se algum destes animais coexistir com uma vaca leiteira com mais de 600 quilos ficam ultrapassadas em duas décimas duas das livestock units,  ficando apenas oito décimas da terceira para os restantes animais. E aí poderiam caber 11,4 jovens cabras reprodutoras, ou 61,5 galinhas poedeiras. Mas como não daria jeito ter 4 décimas de uma cabra ou meia galinha poderíamos substituir esses ativos por 44,4 coelhos e 1,4 lebres de recria e selecionar outras espécies para substituir as 4 décimas do coelho ou da lebre.

Telefonou-me o meu amigo, já descansado porque a raposa não lhe invadira a capoeira.

– Então já leste? E ficaste a perceber  como tive de contratar um consultor, especialista em matemática aplicada e investigação operacional, para me tratar de forma sistémica tão complexa matéria e apurar dia a dia os stocks dos diversos animais face aos limites globais fixados e às LUs, por forma a maximizar os resultados?

– Claro que entendi. E fica-te caro?

– Claro, tenho mesmo que vender a criação. Mas regulamento é regulamento.

– Vou então ficar sem frangos quando te visitar?

– É a vida, meu amigo. Mas tens o Estado a velar por ti!…

Nota final: E admiramo-nos que sejam precisos cerca de 6 meses para ter um novo governo!

 

Economista e Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
pcardao@gmail.com 

Animais de cabeças normais e Outros que tais…


Toda essa actividade caseira está controlada pela tal Livestock Unit, LU ou Cabeça Normal, CN, um omnipresente Big Brother que estabelece, mede e fiscaliza a equivalência entre as espécies.


Munido do meu cartão fitossanitário que, depois de uma formação sénior intensiva de algumas horas, me habilita a aplicar produtos fitofarmacêuticos no pomar e na horta, entrei recentemente numa cooperativa agrícola – muitos agricultores ainda chamam Grémio, esquecidos de que o 25 de Abril os passou de proprietários a cooperantes – para adquirir alguns desses químicos para sustentar a minha agricultura caseira. Diga-se que a formação para juniores demora vários dias, porventura devido a que a geração mais bem preparada de sempre mostra dificuldades em assimilar a complexidade da matéria…

Enquanto esperava, deparei com um cartaz que sumariava a regulamentação da detenção caseira de animais em regime de autoconsumo (bovinos, ovinos, caprinos, galinhas, coelhos, perus, etc). Fiquei atordoado ao ler que essa atividade era condicionada a uma capacidade máxima equivalente, imagine-se, a 3 livestock unit – LU, com um limite de 2 LUs por espécie pecuária e ainda sujeita a registo no Ministério da Agricultura! Aprofundando a papeleta, aprendi que a livestock unit – LU se traduz por Cabeça Normal, isto é, CN, e que a capacidade máxima do stock caseiro fica restringida a 3 Cabeças Normais, mas não podendo cada espécie ultrapassar as 2 Cabeças Normais. Um choque, já que pensava que o Estado não se metia na criação de animais com cabeça normal, reservando a tutela para cair sobre quem os criasse com cabeça anormal! Mas, está-se a ver, burocratas e tecnocratas lançam mão a toda a cabeça que mexe!

Para ficar certo de que era mesmo assim, liguei a um amigo que me presenteia com uns frangos quando o visito.

– Ouve lá, os frangos que me dás foram registados, são legais e têm cabeça normal?

–  Claro que sim, só mesmo lhes falta um cartão de cidadão. E quanto à cabeça, não maces a minha, já me basta o consultor…

– O consultor?

– Claro, o consultor… lê é o regulamento todo antes de me fazer perguntas, que eu tenho que ver se a raposa não me foi ao galinheiro…

Embora temeroso, até por interesse próprio, de que a raposa tenha cortado a cabeça às galinhas, pelo menos fiquei descansado quanto a poder garantir o registo de detenção dos galináceos caso interrogado pela polícia das estradas. Quanto à guia de transporte, logo se veria… 

Fui ler o regulamento. Confirmei que toda essa atividade caseira está controlada pela tal Livestock Unit, LU ou Cabeça Normal, CN, um omnipresente Big Brother que estabelece, mede e fiscaliza a equivalência entre as espécies, considerando a categoria, a idade, o peso, a produção, se é ou não reprodutor, jovem ou adulto, se aleitante ou em aleitamento, de recria ou acabamento, etc, etc.

E assim um frango equivale a 0,006 da livestock unit, mas já a 0,013 se passar a galinha. E a LU de uma vaca é diferente se é leiteira ou não, se produz mais ou menos de 7000 litros de leite, pese mais ou menos de 600 quilos, tenha mais ou menos idade, e é ou não aleitante e com mais ou menos de 24 meses. Os suínos são discriminados em bácoros, reprodutores ou em acabamento e varrascos não castrados, estes a valerem o dobro do porco em acabamento, noblesse oblige… E a medida é também diferente para perus caso sejam fêmeas ou machos, de primeira e segunda fase, e para os coelhos e lebres simples, reprodutores em aleitamento ou de recrias ou de acabamento. Tudo numa infinda panóplia de ponderações, categorias e equivalências. Um pato equivale a 0,02, um burro a 0,6, uma avestruz a 0,2 LUs.

A coisa complica-se quando se quer respeitar a dimensão regulamentar. Para não afetar os limites das restantes categorias de animais, o cabimento dos bovinos nas duas LUs autorizadas exige que terão que ser vaca aleitante com mais de 500 kg ou vaca leiteira com menos de 7.000 kg de leite por ano ou touro. É que se algum destes animais coexistir com uma vaca leiteira com mais de 600 quilos ficam ultrapassadas em duas décimas duas das livestock units,  ficando apenas oito décimas da terceira para os restantes animais. E aí poderiam caber 11,4 jovens cabras reprodutoras, ou 61,5 galinhas poedeiras. Mas como não daria jeito ter 4 décimas de uma cabra ou meia galinha poderíamos substituir esses ativos por 44,4 coelhos e 1,4 lebres de recria e selecionar outras espécies para substituir as 4 décimas do coelho ou da lebre.

Telefonou-me o meu amigo, já descansado porque a raposa não lhe invadira a capoeira.

– Então já leste? E ficaste a perceber  como tive de contratar um consultor, especialista em matemática aplicada e investigação operacional, para me tratar de forma sistémica tão complexa matéria e apurar dia a dia os stocks dos diversos animais face aos limites globais fixados e às LUs, por forma a maximizar os resultados?

– Claro que entendi. E fica-te caro?

– Claro, tenho mesmo que vender a criação. Mas regulamento é regulamento.

– Vou então ficar sem frangos quando te visitar?

– É a vida, meu amigo. Mas tens o Estado a velar por ti!…

Nota final: E admiramo-nos que sejam precisos cerca de 6 meses para ter um novo governo!

 

Economista e Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
pcardao@gmail.com