A aritmética saída das eleições de 10 de março deixa mais incertezas do que certezas. A vitória à tangente da Aliança Democrática (AD) dá garantias a Luís Montenegro de que será convidado a formar Governo e pouco mais. A soma de mandatos entre AD e Iniciativa Liberal pouco acrescenta à estabilidade que ficou verdadeiramente dependente de outras conjugações parlamentares, à cabeça, de viabilizações do Chega ou do Partido Socialista.
A única certeza que sai dos resultados eleitorais é a de que o panorama político ficou fragmentado como nunca em cinquenta anos de democracia. O Chega atingiu um resultado histórico para um terceiro partido, com mais de um milhão de votos, tornando-se incontornável na política portuguesa. Mas depois das garantias dadas antes das eleições, Luís Montenegro não vai voltar com a palavra atrás e garantiu que ‘não é mesmo não’.
Assim sendo, que hipóteses há de manter de pé um Governo minoritário da AD que Luís Montenegro já disse estar pronto para liderar? E quanto tempo pode durar um Governo assim? São as grandes incógnitas que o país enfrenta.
Montenegro prepara um governo de combate. Olhando para os resultados, o núcleo duro da AD quer formar um governo políticamente muito forte, preparado para negociar no Parlamento em várias geometrias, e capaz de conciliar ao mesmo tempo uma estratégia de curto e médio prazo.
A inspiração vem do primeiro Governo de Cavaco Silva, que, tendo vencido as eleições por uma margem mínima, tomou posse como primeiro-ministro em 1985. Na altura, tal como agora com o Chega, o PRD (partido inspirado por Ramalho Eanes, na altura ainda Presidente da República) conseguiu obter uma percentagem elevada de votos, com uma bancada de peso que desequilibrou a correlação de forças no Parlamento. Cavaco, como o próprio escreveu, assumiu um Governo de combate e procurou pôr em prática as suas políticas muito rapidamente. O Governo durou dois anos, mas foi o suficiente para o então primeiro-ministro pôr no terreno algumas medidas que demonstravam a concretização das reformas que defendia para o país. A regra dentro do Executivo era pôr o pé no acelerador e ganhar o maior capital político possível até ao momento em que surgisse uma crise.
Numa primeira fase o PRD foi essencial para deixar passar as principais leis e até um orçamento do Governo do PSD. Foi o suficiente para Cavaco ter conseguido o objetivo de chegar às eleições antecipadas de 1987 no papel de vítima, alguém que estava a governar bem e que foi derrubado por oportunismo político. A estratégia resultou e Cavaco conseguiu uma maioria absoluta nas eleições seguintes.
O caminho de Montenegro é estreito, mas a inspiração está encontrada. Consciente de que a história não se repete, o líder da AD quer aproveitar os primeiros meses de governação para dar sinais à sociedade de que está a tentar pôr no terreno as mudanças que defendeuna campanha eleitoral. Ao mesmo tempo, vai apostar tudo na negociação parlamentar, à esquerda e à direita, medida a medida. O orçamento retificativo que Montenegro chegou a prometer durante a campanha eleitoral, deverá ficar na gaveta, face à falta de condições políticas para o aprovar. A AD vai tentar fazer a quadratura do círculo de tentar encaixar algumas das principais promessas, no orçamento que António Costa lhe deixou até ao fim do ano. A negociação com os professores e com as forças de segurança estão no topo das prioridades, até por serem promessas com grande impacto social e que podem causar uma boa impressão sobre as intenções do novo Governo. Acresce que são matérias que dificilmente serão mal vistas ou não terão o apoio à esquerda e à direita.
O fator Marcelo. Para que a estratégia de Montenegro resulte há uma condição indispensável, o apoio do Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa começa hoje a ouvir os partidos que conseguiram representação parlamentar. Ainda antes de se conhecerem os resultados definitivos (falta apurar os votos da emigração), o Presidente quer começar já a preparar o pós eleições. E quer fazê-lo com calma, vai ouvir cada um dos nove partidos que se vão sentar em São Bento, ao ritmo de um por dia. Montenegro é o último a ser ouvido, no dia 20, data em que já deverá estar fechada a contagem definitiva dos votos.
Depois de dois anos de maioria absoluta do PS, a palavra e a ação do Presidente voltam a ser centrais na atividade política. O ponto de partida não é famoso, sobretudo por causa das mensagens que decidiu veicular no último dia de campanha eleitoral, onde anunciava uma indisponibilidade para aceitar a inclusão do Chega numa solução governativa. Apesar de Montenegro não tencionar apresentar essa solução ao Presidente, a verdade é que, depois dos resultados obtidos pelo Chega, as reservas presidenciais perdem sentido.
André Ventura aproveitou a noite eleitoral para mandar recados a Belém, dizendo ao Presidente que foi o povo que votou no Chega que lhe deu a devida resposta.
Do lado da AD, há a consciência de que o poder da palavra presidencial será decisivo para a sobrevivência do próximo Governo, esperando os seus responsáveis que Marcelo inicie agora uma nova fase, menos vocal. A verdade é que os resultados eleitorais são de molde a que ninguém, nem o Presidente, tenham interesse numas eleições no curto prazo e esse é também um trunfo que Montenegro quer usar a seu favor.