A ascensão das renováveis e o declínio das energias convencionais


Assim como as carroças a cavalo foram substituídas por motores a combustão, agora é a vez das energias convencionais como o carvão e fissão nuclear serem suplantadas por fontes renováveis.


Durante milénios, e até ao início do século passado, a carroça puxada por cavalos constituía a forma dominante de transportar pessoas e bens ao longo de grandes distâncias. Em Nova York, por volta de 1905, as avenidas fervilhavam com engarrafamentos de carroças puxadas a cavalo e amontoavam-se pilhas de esterco e mau cheiro. Com a invenção do modelo T de Henry Ford e da linha de montagem em série, em apenas 20 anos as mesmas ruas de Nova York passaram a ser ocupadas por automóveis com motores de combustão interna. 

Isso aconteceu graças a cinco disrupções tecnológicas que se conjugaram: a invenção do motor de combustão interna, a borracha para os pneus, o aço a preço acessível, a linha de montagem em série e o petróleo. 

As carroças e os cavalos, bastante poluentes e pouco eficientes, praticamente desapareceram das ruas e deram lugar a veículos “mais limpos” e “ambientalmente amigáveis e eficientes”. 

Na altura, sustentar um cavalo custava cerca de 200 $/ano enquanto abastecer um automóvel custava apenas 35 $/ano. 

Esta mudança de paradigma não é única na história. A rápida transição das câmaras fotográficas de filme para as digitais em uma década, ou a sucessão de formatos como disco de vinil, cassete, CD e agora o streaming exemplificam a tendência de tecnologias ascendentes substituírem as tecnologias em declínio.

Nesse contexto de disrupções tecnológicas, observamos agora o declínio das energias convencionais, como o petróleo e o carvão, que reinaram por 130 e 180 anos, respetivamente. Embora tenham contribuído significativamente para o progresso humano, o esgotamento acelerado desses recursos, combinado com desigual distribuição geográfica, aponta para sua extinção iminente. 

Assim como as carroças a cavalo foram substituídas pelos motores a combustão, agora é a vez das energias convencionais como o carvão e fissão nuclear serem suplantadas por fontes renováveis. Este processo é impulsionado por três disrupções tecnológicas cruciais: painéis solares acessíveis, baterias e eletrolisadores abundantes e eficientes. 

À medida que a produção aumenta, os custos diminuem, tornando a solução mais atrativa economicamente. O momento em que a energia solar fotovoltaica se tornar mais barata do que a gerada por carvão ou energia nuclear irá ditar o fim dessas últimas. As tecnologias em ascensão ganham impulso através de efeitos de rede, aceitação pública e apoio governamental, enquanto as em declínio enfrentam custos crescentes e redução de interesse. A substituição das energias convencionais pelas renováveis não vai levar as duas décadas que levou o automóvel a substituir a carroça, uma vez que na atualidade estes saltos ocorrem cada vez mais rapidamente. 

Se nos questionarmos sobre o que aconteceu a todos os cavalos no século passado quando surgiram os motores de combustão interna, descobrimos que muitos foram transformados em bifes para alimentar a população. Não será esse o destino dos técnicos das centrais de carvão e nucleares, que poderão requalificar-se para aprender a construir melhores células solares, melhores eletrolisadores, melhores baterias, melhores motores elétricos, impulsionando uma economia baseada em fontes mais limpas e eficientes. 

E quanto ao petróleo e ao gás natural? 

O petróleo sobreviverá, por ser uma matéria-prima magnífica que dá para fazer quase tudo. Lamentavelmente, 90% do petróleo é atualmente “desperdiçado” em motores de combustão interna – com uma eficiência média do depósito para a roda de 20%, perdendo-se 80% da energia sob a forma de calor – enquanto apenas 10% do petróleo refinado é utilizado para fazer produtos duráveis. 

O gás natural, por sua vez, poderá ser substituído por versões sustentáveis produzidas a partir de biomassa, combinadas com hidrogénio gerado por eletrólise. 

Não nos podemos esquecer que, numa economia desenvolvida, uma pessoa produz em média cerca de 1,5 kg de resíduos sólidos por dia, e por isso transformar lixo em gás vai ser provavelmente um negócio sustentável e interessante.

À medida que os séculos passam, somos testemunhas de um ciclo familiar de ascensões e declínios tecnológicos, no qual inovações disruptivas reformulam a energia e a mobilidade. 

A revolução energética em curso substituirá as velhas centrais de carvão e nucleares por fontes renováveis, guiadas por lições do passado e orientadas para um futuro mais equilibrado e consciente.

 

Investigador do Instituto Superior Técnico e IN+

 

A ascensão das renováveis e o declínio das energias convencionais


Assim como as carroças a cavalo foram substituídas por motores a combustão, agora é a vez das energias convencionais como o carvão e fissão nuclear serem suplantadas por fontes renováveis.


Durante milénios, e até ao início do século passado, a carroça puxada por cavalos constituía a forma dominante de transportar pessoas e bens ao longo de grandes distâncias. Em Nova York, por volta de 1905, as avenidas fervilhavam com engarrafamentos de carroças puxadas a cavalo e amontoavam-se pilhas de esterco e mau cheiro. Com a invenção do modelo T de Henry Ford e da linha de montagem em série, em apenas 20 anos as mesmas ruas de Nova York passaram a ser ocupadas por automóveis com motores de combustão interna. 

Isso aconteceu graças a cinco disrupções tecnológicas que se conjugaram: a invenção do motor de combustão interna, a borracha para os pneus, o aço a preço acessível, a linha de montagem em série e o petróleo. 

As carroças e os cavalos, bastante poluentes e pouco eficientes, praticamente desapareceram das ruas e deram lugar a veículos “mais limpos” e “ambientalmente amigáveis e eficientes”. 

Na altura, sustentar um cavalo custava cerca de 200 $/ano enquanto abastecer um automóvel custava apenas 35 $/ano. 

Esta mudança de paradigma não é única na história. A rápida transição das câmaras fotográficas de filme para as digitais em uma década, ou a sucessão de formatos como disco de vinil, cassete, CD e agora o streaming exemplificam a tendência de tecnologias ascendentes substituírem as tecnologias em declínio.

Nesse contexto de disrupções tecnológicas, observamos agora o declínio das energias convencionais, como o petróleo e o carvão, que reinaram por 130 e 180 anos, respetivamente. Embora tenham contribuído significativamente para o progresso humano, o esgotamento acelerado desses recursos, combinado com desigual distribuição geográfica, aponta para sua extinção iminente. 

Assim como as carroças a cavalo foram substituídas pelos motores a combustão, agora é a vez das energias convencionais como o carvão e fissão nuclear serem suplantadas por fontes renováveis. Este processo é impulsionado por três disrupções tecnológicas cruciais: painéis solares acessíveis, baterias e eletrolisadores abundantes e eficientes. 

À medida que a produção aumenta, os custos diminuem, tornando a solução mais atrativa economicamente. O momento em que a energia solar fotovoltaica se tornar mais barata do que a gerada por carvão ou energia nuclear irá ditar o fim dessas últimas. As tecnologias em ascensão ganham impulso através de efeitos de rede, aceitação pública e apoio governamental, enquanto as em declínio enfrentam custos crescentes e redução de interesse. A substituição das energias convencionais pelas renováveis não vai levar as duas décadas que levou o automóvel a substituir a carroça, uma vez que na atualidade estes saltos ocorrem cada vez mais rapidamente. 

Se nos questionarmos sobre o que aconteceu a todos os cavalos no século passado quando surgiram os motores de combustão interna, descobrimos que muitos foram transformados em bifes para alimentar a população. Não será esse o destino dos técnicos das centrais de carvão e nucleares, que poderão requalificar-se para aprender a construir melhores células solares, melhores eletrolisadores, melhores baterias, melhores motores elétricos, impulsionando uma economia baseada em fontes mais limpas e eficientes. 

E quanto ao petróleo e ao gás natural? 

O petróleo sobreviverá, por ser uma matéria-prima magnífica que dá para fazer quase tudo. Lamentavelmente, 90% do petróleo é atualmente “desperdiçado” em motores de combustão interna – com uma eficiência média do depósito para a roda de 20%, perdendo-se 80% da energia sob a forma de calor – enquanto apenas 10% do petróleo refinado é utilizado para fazer produtos duráveis. 

O gás natural, por sua vez, poderá ser substituído por versões sustentáveis produzidas a partir de biomassa, combinadas com hidrogénio gerado por eletrólise. 

Não nos podemos esquecer que, numa economia desenvolvida, uma pessoa produz em média cerca de 1,5 kg de resíduos sólidos por dia, e por isso transformar lixo em gás vai ser provavelmente um negócio sustentável e interessante.

À medida que os séculos passam, somos testemunhas de um ciclo familiar de ascensões e declínios tecnológicos, no qual inovações disruptivas reformulam a energia e a mobilidade. 

A revolução energética em curso substituirá as velhas centrais de carvão e nucleares por fontes renováveis, guiadas por lições do passado e orientadas para um futuro mais equilibrado e consciente.

 

Investigador do Instituto Superior Técnico e IN+