António costa e a Nação tranquila

António costa e a Nação tranquila


António Costa quer, pode e manda. No fim do ano mais atribulado de sempre, o primeiro-ministro vai para férias sem preocupações de maior e senhor dos seus calendários.


Não há memória de um ano com tantas polémicas a envolver o Governo e, no entanto, não há sinais de que o ciclo esteja a mudar. Com eleições para o Parlamento Europeu daqui a menos de um ano, ninguém arrisca garantir uma derrota do PS. E sobre António Costa o que mais se ouve é que ele é o candidato mais provável a disputar eleições de novo em 2026.

O debate sobre o Estado da Nação encerra na próxima semana os trabalhos parlamentares desta sessão legislativa. Na véspera, os deputados votam o relatório da Comissão de Inquérito à TAP, que ocupou grande parte dos trabalhos dos parlamentares ao longo do ano e que os portugueses acompanharam como uma série de sucesso ao longo de meses. Mas a sensação amarga que atravessa os deputados, da esquerda à direita, é que a montanha pariu um rato.

Os últimos meses foram quase sempre de alta tensão. Há um número que fica na memória, em apenas 15 meses de Governo de maioría absoluta: já foram 13 os membros do Executivo que tiveram de demitir-se, muitos deles envolvidos em casos com a justiça. A própria CPI à TAP nasce de um desses casos: a indemnização da transportadora aérea a Alexandra Reis que, por poucos dias, foi secretária de Estado de Fernando Medina. Ao longo de meses e de horas intermináveis de audições, a oposição chegou a ter a expetativa de que o caso pudesse fazer cair o Governo. Mas a verdade é que António Costa resistiu e Pedro Nuno Santos também. E, de caminho e até ver, o Presidente da República ficou de mãos atadas, depois de o primeiro-ministro se ter recusado a demitir João Galamba, como Marcelo exigia. 

 

A oposição berra e a maioria absoluta passa

Apesar dos meses atribulados, a maioria absoluta conseguiu ultrapassar como um rolo compressor todos os obstáculos.

À hora de fecho desta edição, ainda não tinha terminado a votação do relatório final da CPI, mas, ao que tudo indicava, as conclusões dos trabalhos da comissão deveriam colher apenas os votos favoráveis da maioria socialista, que são suficientes para aprovar o relatório. E assim, contra toda a oposição, os socialistas deixam para a posteridade uma leitura dos factos que iliba o Governo de qualquer culpa ou ingerência na administração da transportadora aérea e faz um apagão aos incidentes no Ministério das Insfraestruturas.

Com a história da TAP arrumada, António Costa chega ao Parlamento no dia 20 para fazer um quadro cor-de-rosa do país. A seu favor leva os números da economia. A  inflação está a encher os cofres do Estado como nunca e o facto de Portugal ser um país refúgio em tempos de guerra da Ucrânia tem sido um fator determinante para o crescimento da economia. 

São os argumentos suficientes para o primeiro-ministro chegar ao Parlamento com uma mão cheia de promessas. A começar pela redução de impostos no próximo Orçamento, e a acabar no reforço das ajudas do Estado aos mais prejudicados com a inflação.

‘É a economia, estúpido’, responderá António Costa às bancadas da oposição que o quiserem confrontar com os problemas na Saúde, na Educação ou com os atrasos na aplicação dos fundos do PRR.

No final deste atribulado ano, Costa chega à Assembleia da República com um tema incómodo: o caso que levou à demissão de Marco Capitão Ferreira, ex-secretário de Estado da Defesa, implicado no caso Tempestade Perfeita, relacionado com as obras no Hospital Militar. 

O tema vai estar seguramente na agenda dos partidos da oposição, particularmente, porque este é um caso que afeta João Gomes Cravinho, atual ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-ministro da Defesa. A oposição quererá agarrar-se a este caso para comprometer António Costa, mas, se tudo correr como é habitual, o primeiro-ministro deverá ignorar as perguntas.

 

Europeias à espreita

No dia do debate do Estado da Nação, é já no ano de 2024 que os partidos estão a pensar. As eleições Europeias podem ditar mudanças no país e disso depende o futuro de muitos dos protagonistas políticos.

Luís Montenegro não pode perder e sabe que, entre muitas vozes críticas, sobressaiem as da maioria dos deputados sociais-democratas que têm contestado fortemente a liderança da bancada de Joaquim Miranda Sarmento, uma escolha pessoal de Montenegro.

Pedro Nuno Santos, que no dia 20 de Julho já vai estar sentado na bancada socialista, espera para ver se António Costa resiste ou não ao chamamento de Bruxelas. Se não resistir, o futuro de Pedro Nuno Santos pode decidir-se mais cedo, e ser já ele a enfrentar eleições antecipadas como secretário-geral  dos socialistas.

André Ventura aposta tudo numas eleições em que espera ver confirmada e reforçada a posição do Chega como terceiro país do sistema.

Além do PSD, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e Partido Comunista testam novos líderes nas urnas. 

Rui Rocha quer segurar os resultados das legislativas, 

Mariana Mortágua procura reconquistar o eleitorado perdido depois da ‘geringonça’ e disputar ombro a ombro com a IL o quarto lugar.

 Para os comunistas, estas são as eleições da confirmação. Ou a substituição de Jerónimo de Sousa por Paulo Raimundo tem algum efeito para estancar a sangria de votos que tem afetado o PCP nos últimos atos eleitorais, ou a tendência se confirma. 

E o que é que isto tem a ver com o Estado da Nação? Tudo. António Costa sabe que tem e faca e o queijo na mão. O futuro da estabilidade política está nas suas mãos. Essa é a razão por que tem alimentado o tabú sobre o seu futuro. Enquanto ninguém suspeitar o que quer fazer, tem vantagem em relação a todos os adversários, e isso condiciona a forma como os partidos o interpelam no Parlamento.

Quem estará muito atento ao debate final desta sessão legislativa é o Presidente da República. Num ano em que se quebrou a boa relação insitucional entre Belém e São Bento, Marcelo espera os sinais do tempo político. Até porque esses sinais serão importantes para marcar o tom do prometido Conselho de Estado que vai agendar para o final do mês. A agenda, já se sabe, é a análise da situação política. 

Quando marcou este encontro, a situação política estava ao rubro e Marcelo tinha acabado de ser desautorizado por António Costa. Agora, os tempos são outros. É certo que os ânimos estão mais calmos entre Belém e São Bento, mas diz quem  o conhece que Marcelo não esquece. 

O pano da sessão legislativa deverá fechar-se tranquilamente. António Costa vai de férias sem preocupações de maior e sem pensar em remodelações. Apesar de tudo, é ele que continua a mandar nos seus calendários.