Bruxelas pressionou Portugal para que eliminasse os entraves no acesso às profissões reguladas e o Governo tratou de verter o desígnio numa proposta de lei que altera os estatutos das 20 ordens profissionais, adaptando-os ao estipulado no regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais. Mas as alterações aos estatutos das ordens profissionais, que devem ser discutidas e votadas no Parlamento em meados do próximo mês de julho, continuam envoltas em polémica.
A intenção, segundo o Executivo de António Costa, é eliminar barreiras no acesso à profissão, combater a precariedade e aumentar a transparência. Assim, a proposta prevê, por exemplo, que quem tenha dificuldades financeiras “possa ser isento do pagamento de taxas” ou vê-las reduzidas.
São também afastadas muitas das provas a que os candidatos têm de se submeter para ingressar na profissão. De acordo com a ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, a quem coube a apresentação do diploma, não faz sentido que alguém que concluiu uma licenciatura tenha que passar por uma segunda certificação de qualificações já adquiridas, não devendo as ordens “obstaculizar” a entrada na profissão através do recurso à exigência de exames.
Passa ainda a ser obrigatória a remuneração dos estágios, que nunca poderá ser inferior a 950 euros.
Contudo, é em matéria de transparência que a discussão tem sido mais acesa. O Governo pretende criar dois novos órgãos em cada ordem profissional: um órgão de supervisão, composto por personalidades externas quer à ordem quer à profissão, e um provedor. Várias ordens acusam o Executivo de “ingerência” e da intenção de retirar a independência a estas associações profissionais.
Ainda no âmbito do reforço da transparência, o Executivo socialista quer ainda que os bastonários comecem a entregar uma declaração de interesses e património, à semelhança do que já acontece com os titulares de cargos políticos.
controlo ou supervisão? Apesar de o Governo ter procurado pacificar os ânimos dando garantias de que as ordens não sofrerão “qualquer perda de competências”, as críticas ao novo órgão de supervisão são comuns às várias áreas profissionais.
Na prática, o conselho de supervisão será composto por 40% de inscritos na respetiva ordem, com outros 40% destinados a académicos da área que não sejam membros da ordem. Os restantes 20% serão “personalidades de reconhecido mérito” com origem externa.
A questão tem sido especialmente abordada pela Ordem dos Médicos, tendo o bastonário Carlos Cortes já acusado o Governo de querer “controlar e amordaçar as ordens”, lamentando ainda a nomeação de um provedor “não médico”. Também a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, apontou a “ingerência do Governo” nas ordens profissionais ao criar um órgão de supervisão para “poder controlar e mandar”.
Outra das preocupações das ordens tem que ver ainda com a remuneração deste dois novos órgãos. Por exemplo, no caso da Ordem dos Médicos Veterinários, cujas receitas provêm exclusivamente das quotas que os membros inscritos pagam, a remuneração do conselho de supervisão e do respetivo provedor poderá “pôr em causa a viabilidade financeira da Ordem e até acabar com ela a curto ou longo prazo”, como alertou o bastonário Jorge Cid.
atos próprios passam a ser partilhados? Do lado da Ordem dos Advogados as críticas também se fazem ouvir. A bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro denunciou que com as novas alterações advogados e solicitadores perdem competências, sendo-lhes retirados atos que, até aqui, só podiam ser feitos por eles, como a elaboração de contratos, a cobrança de dívidas ou a consulta jurídica, uma vez que os licenciados em Direito não inscritos na ordem vão poder desempenhar essas práticas, ainda que com algumas restrições.
A bastonária da Ordem dos Advogados já ameaçou que, “se for preciso”, os advogados farão parar os trabalhos dos tribunais e que a Ordem irá “até às últimas instâncias” para travar estas mudanças, podendo inclusivamente recorrer junto da Comissão Europeia e do Tribunal Judicial Europeu.
Do lado do Governo, o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Jorge Alves Costa, justificou que apenas se tentou “criar melhores condições”, para que os jovens acedam “a determinadas atividades que, até agora, estavam circunscritas a advogados e agentes de execução”.
Na passada quinta-feira, o tema já foi alvo de debate na Assembleia da República, com o Chega a prometer reverter a futura lei assim que houver uma “maioria de direita” no Parlamento. O PSD também deu voz às críticas que têm sido lançadas por algumas ordens profissionais, tendo o deputado social-democrata Nuno Carvalho questionado o PS se “num congresso aceitaria que 60% dos membros do órgão de fiscalização não pudessem ser militantes do PS”.
O diploma que altera os estatutos das ordens profissionais deverá ser novamente levado a discussão ainda na comissão de Assuntos Constitucionais, tendo o PSDrequerido a audição da Ordem dos Advogados, da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e da Ordem dos Notários.