‘PS e PSD têm que se entender’

‘PS e PSD têm que se entender’


Num país em que setenta por cento do eleitorado é moderado, Marçal Grilo defende que a única forma de vencer os radicalismos é resolver os problemas reais do povo e para isso é preciso que socialistas e sociais-democratas se entendam em matérias fundamentais.


Disse que acha que estamos a ficar reféns da agenda das minorias. Porquê?

Vejo muito pouca televisão por duas razões. Uma, porque gosto mais de fazer outras coisas. A segunda, é porque eu percebo que a televisão deixou de ser rigorosa para ser apenas espetáculo. E uma parte da comunicação social, infelizmente, vai atrás disto. Quer dizer, hoje em dia o mais importante é ser feliz, sensacionalista, radical, muito, muito, muito convicto de coisas muito discutíveis, mas que as pessoas querem impor aos outros.  E a maioria das pessoas é moderada, não é radical, não gosta de extremismos.

Mas como se sai disso no ponto em que estamos?

Digo isto há anos. O país precisa de combater os radicalismos através do entendimento entre o PS e o PSD. Nos problemas essenciais, com pistas, quatro ou cinco questões que têm que ser sancionadas e para os quais tem que haver um consenso e uma negociação. E negociar é bom. Nós temos que nos entender e temos de nos entender, negociando nuns quatro ou cinco temas. 

São os chamados pactos de regime?

Não vamos falar em pactos de regime, porque eles vão falar no centrão… e os dois partidos, que ideologicamente estão muito próximos um do outro, mas muitíssimo próximos um do outro… 

Acha que o PS continua assim tão próximo do PSD?  

Neste momento, o PS cobre uma parte do centro-esquerda, mas não acho que se tenha radicalizado à esquerda. Depende dos ministros. Mas acho que se está a caminhar mais para o centro do que mais para a esquerda. Não estou muito preocupado com isso. Pareceu-me completamente fora de propósito aquela ideia do líder da oposição ter vindo dizer que o primeiro-ministro era comunista quando apresentou o seu programa para a habitação. Há três ou quatro áreas, coisas sensíveis, em que os dois partidos se devem entender. Porque só assim se combate o radicalismo, se resolvermos os problemas das pessoas. Os radicalismos, normalmente, são alimentados por descontentamento e o descontentamento é gerado normalmente por um certo mal-estar que as pessoas têm. Ou por sentirem que tudo podia ser muito melhor. 

Mas onde acha que devia haver entendimentos?

A questão do lítio é uma questão de interesse nacional. A rede ferroviária é uma questão de interesse nacional. O aeroporto é uma questão de interesse nacional. A questão relativa à articulação do Serviço Nacional de Saúde com os restantes setores, uma questão de interesse nacional. Em (19)96 eu fiz uma proposta em que chamei o PSD para um entendimento na área da educação. Eles não aceitaram, mas consegui entender-me com muitos sindicatos, consegui entender-me com as associações de ensino privado, consegui entender-me com os municípios.  Isto é, consegui uma série de acordos para articular melhor a forma como a educação funciona no plano nacional, no ensino público, mas também no privado. No PSD não entenderam, nunca quiseram discutir. Porquê? Porque isto é um processo e uma tradição da nossa vida democrática. Mas, nesta altura, em que as coisas estão tão radicalizadas é importante que estes partidos percebem a urgência de pensar diferente. 

No artigo que escreveu, acaba a dizer que não desiste, que está farto, mas não desiste. O que é que isso quer dizer? 

Eu escrevi essa nota final depois,  ou melhor, um tempo depois de ter escrito o resto do artigo. Eu vou dizer como é que eu escrevi: achei que era preciso salvar o morto. Não, eu não sou um desistente. É um termo que eu utilizo. Eu acho que nós precisávamos de juntar as pessoas que eu penso que têm um pensamento, uma ideia parecida com a minha para tentar encontrar soluções moderadas, equilibradas, que vão ao encontro das necessidades das pessoas, que vão ao encontro daqueles que mais necessitam. Propor caminhos para avançar. Vejo muitas pessoas que vivem uma enorme dificuldade por não se encontrar solução para os transportes, para a saúde dos filhos. Era necessário encontrar caminhos. Para isso, estou disponível. Ninguém ligou aos estudos que se fizeram sobre o país nos últimos três anos. A SEDES fez um trabalho magnífico. A Fundação Francisco Manuel dos Santos fez um trabalho magnífico. Onde é que está o debate sobre as propostas da SEDES? Onde é que está o debate sobre as propostas da Fundação Francisco Manuel dos Santos? Foram estudos em que participaram pessoas valiosíssimas, como o Fernando Alexandre, da Universidade de Braga, e o Abel Mateus. Há muita gente, muita gente nova, com muito valor que a gente desconhece. Os dois partidos principais têm obrigação de aproveitar estes contributos. Sabe por que é que não desisto? Porque o país tem exemplos de que é possível e já tem exemplos de que é possível. Tem centros que competem com o melhor que existe no mundo. Como é que isto se generalizou? Como é que nós combatemos esta enorme desigualdade? Porque temos aqui uma camada que vive ao nível europeu e depois uma segunda que não tem acesso a isto, que são as pessoas mais simples.