Serão os veículos elétricos o caminho para a descarbonização dos transportes rodoviários?


Para eliminar as emissões de gases de efeito estufa por via da eletrificação da frota, será necessário fornecer uma infraestrutura de carregamento com uma cobertura geográfica suficientemente abrangente e desempenho operacional robusto.


Os transportes são responsáveis por aproximadamente 30% das emissões de gases de efeito estufa na UE-27, o que corresponde a cerca de duas toneladas emitidas anualmente por pessoa, contabilizando todas as operações de transporte de passageiros e mercadorias.

Destas emissões, 73% são relativas à atividade do setor rodoviário, maioritariamente causadas pelos veículos ligeiros (60%) e veículos pesados (27%). É precisamente a atividade destes dois segmentos que deve ser analisada em detalhe, uma vez que no contexto da União Europeia continuam a evidenciar tendências crescentes em termos do número total de movimentação de passageiros (+1% ao ano) e de carga transportada (+1,5% ao ano).

Para reduzir os impactes deste setor, na última década, os veículos novos vendidos têm vindo a reduzir as suas emissões de forma significativa. No entanto, as emissões dos veículos de passageiros vendidos na Europa encontram-se ainda 20 a 30% acima da meta estabelecida de 95 gramas de dióxido de carbono (CO2) por quilómetro, para 2021. Em Portugal, esse desvio é menor, rondando os 10 a 15%.

Para acelerar a redução das emissões de gases de efeito estufa, a Comissão Europeia propôs que a partir de 2035 não possam ser vendidos veículos novos que contribuam para a emissão de CO2 pela utilização de combustíveis fósseis, o que irá promover a intensificação da utilização de vetores energéticos como a eletricidade e o hidrogénio, e respetiva alteração das atuais tecnologias de propulsão. Contudo, fica ainda em aberto a possibilidade de utilização dos sistemas de propulsão atuais com combustíveis sintéticos.

A tecnologia com maior maturidade sem emissões locais são os veículos elétricos, que na última década verificaram um elevado desenvolvimento a nível de disponibilidade de modelos no mercado, redução de custo de aquisição e reforço da infraestrutura de carregamento. Estes fatores justificam que, em 2022 na União Europeia, os veículos elétricos representem já 13% das vendas de veículos novos (11% em Portugal) e correspondam a cerca de 1% da frota circulante. De acordo com previsões da Associação Europeia dos Construtores de Automóveis (ACEA), em 2035 os veículos elétricos representarão cerca de metade do parque circulante europeu, que continuará a crescer em número total de veículos (+9%).

Para eliminar as emissões de gases de efeito estufa por via da eletrificação da frota, será necessário fornecer uma infraestrutura de carregamento com uma cobertura geográfica suficientemente abrangente e desempenho operacional robusto. Nos últimos anos, observou-se um aumento da infraestrutura pública disponível (+55% de postos de carregamento públicos em 2022 face a 2021 na Europa), estando em preparação regulamentação ainda mais exigente no seu reforço. Se for cumprida a necessidade de instalar 1.3 kW de carregamento público por veículo elétrico, esta transição poderá adicionar 4.8 GW de ponta de consumo até 2035 ao restante consumo de eletricidade, o que poderá representar cerca de 20% da potência atualmente instalada para produção de eletricidade em Portugal.

Adicionalmente, para que a descarbonização dos transportes seja efetiva, é necessário garantir o aumento de energias renováveis na produção de eletricidade. Se no caso de Portugal esse valor é já bastante elevado (cerca de 60%), a média europeia ainda se encontra abaixo dos 40%, pelo que os impactes da adoção desta tecnologia não são uniformes regionalmente. Além disso, face ao crescimento esperado deste mercado, deverá considerar-se a disponibilidade de matérias-primas críticas necessárias à produção de componentes dos motores e baterias e outros impactes ambientais associados à sua produção e reciclagem, além dos relativos às alterações climáticas.

Apesar da discussão se centrar mais nos veículos ligeiros, existem poucas alternativas consolidadas para os veículos pesados, responsáveis por cerca de 27% das emissões de gases de efeito estufa. Não sendo a eletrificação a opção mais adequada para este setor considerando o estado atual da tecnologia, os combustíveis sintéticos e a utilização de hidrogénio poderão ter um papel importante. Mas isso não deverá acontecer de imediato, uma vez que o mercado de produção destes vetores energéticos ainda se encontra em desenvolvimento.

Como tal, serão os veículos elétricos a única forma de descarbonizar o setor dos transportes? Não, a mitigação de gases de efeito estufa pode promover-se com uma melhor eficiência do sistema de propulsão ou através de novas fontes energéticas, mas é necessário alterar as formas de mobilidade utilizadas. Sendo esperado que em 2050 a maioria da população mundial viva concentrada em cidades, os planos de descarbonização devem considerar a articulação de diferentes medidas, incluindo a mobilidade elétrica nos veículos privados e nos transportes coletivos, mas também um planeamento urbano e respetivo sistema de transportes que reduzam a necessidade de deslocações e reforcem modos ativos e partilhados, de forma a adequar as soluções de descarbonização aos padrões de mobilidade.

No entanto, quaisquer alterações dependerão sempre da aceitação pelo utilizador, sendo necessário garantir uma transição informada, justa e inclusiva, para que a mitigação de gases de efeito estufa não se traduza numa redução do acesso das pessoas a locais, bens ou serviços.

 

Investigadores do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento (IN+) do Instituto Superior Técnico

Serão os veículos elétricos o caminho para a descarbonização dos transportes rodoviários?


Para eliminar as emissões de gases de efeito estufa por via da eletrificação da frota, será necessário fornecer uma infraestrutura de carregamento com uma cobertura geográfica suficientemente abrangente e desempenho operacional robusto.


Os transportes são responsáveis por aproximadamente 30% das emissões de gases de efeito estufa na UE-27, o que corresponde a cerca de duas toneladas emitidas anualmente por pessoa, contabilizando todas as operações de transporte de passageiros e mercadorias.

Destas emissões, 73% são relativas à atividade do setor rodoviário, maioritariamente causadas pelos veículos ligeiros (60%) e veículos pesados (27%). É precisamente a atividade destes dois segmentos que deve ser analisada em detalhe, uma vez que no contexto da União Europeia continuam a evidenciar tendências crescentes em termos do número total de movimentação de passageiros (+1% ao ano) e de carga transportada (+1,5% ao ano).

Para reduzir os impactes deste setor, na última década, os veículos novos vendidos têm vindo a reduzir as suas emissões de forma significativa. No entanto, as emissões dos veículos de passageiros vendidos na Europa encontram-se ainda 20 a 30% acima da meta estabelecida de 95 gramas de dióxido de carbono (CO2) por quilómetro, para 2021. Em Portugal, esse desvio é menor, rondando os 10 a 15%.

Para acelerar a redução das emissões de gases de efeito estufa, a Comissão Europeia propôs que a partir de 2035 não possam ser vendidos veículos novos que contribuam para a emissão de CO2 pela utilização de combustíveis fósseis, o que irá promover a intensificação da utilização de vetores energéticos como a eletricidade e o hidrogénio, e respetiva alteração das atuais tecnologias de propulsão. Contudo, fica ainda em aberto a possibilidade de utilização dos sistemas de propulsão atuais com combustíveis sintéticos.

A tecnologia com maior maturidade sem emissões locais são os veículos elétricos, que na última década verificaram um elevado desenvolvimento a nível de disponibilidade de modelos no mercado, redução de custo de aquisição e reforço da infraestrutura de carregamento. Estes fatores justificam que, em 2022 na União Europeia, os veículos elétricos representem já 13% das vendas de veículos novos (11% em Portugal) e correspondam a cerca de 1% da frota circulante. De acordo com previsões da Associação Europeia dos Construtores de Automóveis (ACEA), em 2035 os veículos elétricos representarão cerca de metade do parque circulante europeu, que continuará a crescer em número total de veículos (+9%).

Para eliminar as emissões de gases de efeito estufa por via da eletrificação da frota, será necessário fornecer uma infraestrutura de carregamento com uma cobertura geográfica suficientemente abrangente e desempenho operacional robusto. Nos últimos anos, observou-se um aumento da infraestrutura pública disponível (+55% de postos de carregamento públicos em 2022 face a 2021 na Europa), estando em preparação regulamentação ainda mais exigente no seu reforço. Se for cumprida a necessidade de instalar 1.3 kW de carregamento público por veículo elétrico, esta transição poderá adicionar 4.8 GW de ponta de consumo até 2035 ao restante consumo de eletricidade, o que poderá representar cerca de 20% da potência atualmente instalada para produção de eletricidade em Portugal.

Adicionalmente, para que a descarbonização dos transportes seja efetiva, é necessário garantir o aumento de energias renováveis na produção de eletricidade. Se no caso de Portugal esse valor é já bastante elevado (cerca de 60%), a média europeia ainda se encontra abaixo dos 40%, pelo que os impactes da adoção desta tecnologia não são uniformes regionalmente. Além disso, face ao crescimento esperado deste mercado, deverá considerar-se a disponibilidade de matérias-primas críticas necessárias à produção de componentes dos motores e baterias e outros impactes ambientais associados à sua produção e reciclagem, além dos relativos às alterações climáticas.

Apesar da discussão se centrar mais nos veículos ligeiros, existem poucas alternativas consolidadas para os veículos pesados, responsáveis por cerca de 27% das emissões de gases de efeito estufa. Não sendo a eletrificação a opção mais adequada para este setor considerando o estado atual da tecnologia, os combustíveis sintéticos e a utilização de hidrogénio poderão ter um papel importante. Mas isso não deverá acontecer de imediato, uma vez que o mercado de produção destes vetores energéticos ainda se encontra em desenvolvimento.

Como tal, serão os veículos elétricos a única forma de descarbonizar o setor dos transportes? Não, a mitigação de gases de efeito estufa pode promover-se com uma melhor eficiência do sistema de propulsão ou através de novas fontes energéticas, mas é necessário alterar as formas de mobilidade utilizadas. Sendo esperado que em 2050 a maioria da população mundial viva concentrada em cidades, os planos de descarbonização devem considerar a articulação de diferentes medidas, incluindo a mobilidade elétrica nos veículos privados e nos transportes coletivos, mas também um planeamento urbano e respetivo sistema de transportes que reduzam a necessidade de deslocações e reforcem modos ativos e partilhados, de forma a adequar as soluções de descarbonização aos padrões de mobilidade.

No entanto, quaisquer alterações dependerão sempre da aceitação pelo utilizador, sendo necessário garantir uma transição informada, justa e inclusiva, para que a mitigação de gases de efeito estufa não se traduza numa redução do acesso das pessoas a locais, bens ou serviços.

 

Investigadores do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento (IN+) do Instituto Superior Técnico