Previsões e decisões


Já foram anunciadas as vagas disponíveis para a primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior. A escolha da instituição-curso será, provavelmente, a decisão com mais impacto para o futuro dos candidatos desde o início dos estudos.


O anúncio, a 2 de abril passado, das vagas disponíveis para a primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior público recordou-me o tempo em que tive de decidir a minha própria candidatura. Este ano, a candidata ou o candidato terá, até ao dia 7 de agosto, de concluir o ensino secundário, inscrever-se para a primeira fase de exames nacionais, decidir a anulação de matrícula a disciplinas que correram menos bem, realizar os exames nacionais, aguardar a publicação das notas a 17 de julho e, conforme os resultados, terá de escolher e ordenar por ordem de preferência seis combinações de instituição-curso a que se irá candidatar. Tenho dificuldade em entender porque só são dadas 6 opções de candidatura, como no meu tempo. Já não é preciso preencher papéis e os computadores andam agora um pouco mais depressa. Há certamente uma razão que me escapa.

Esta será, provavelmente, a decisão com mais impacto para o seu futuro desde que iniciou os seus estudos. Já tinha decidido no secundário que gostava mais de ciências do que de humanidades, mas as opções eram reduzidas comparadas com as que tem agora. Sabe que hoje os diplomados de certas escolas são mais procurados pelo mercado, mas há também cursos com maior procura do que outros. Sabe também que há coisas que gostou mais de estudar, outras que parecem ser mais valorizadas e haverá muitas que só conhecerá no ensino superior. Deve escolher a escola e o curso mais competitivo onde a nota dê para entrar? E se os exames correrem mal e as opções de escolha se reduzirem muito? Como só conhecerá a nota a 17 de julho, é natural que decida que o melhor é não fazer nada até lá. No entanto, as boas decisões necessitam de boas previsões do futuro.

É difícil fazer previsões. As que vemos anunciadas são intencionalmente vagas para que os seus autores possam dizer mais tarde que acertaram em alguma parte. No livro Super-previsões, os autores Philip Tetlock e Dan Gardner descrevem um trabalho de investigação que procurou saber se há quem seja melhor a fazer previsões e conhecer as estratégias que usam. Para isso, pediram a milhares de voluntários para fazer previsões e concluíram que algumas dezenas deles faziam consistentemente boas previsões. Grande parte do livro é dedicado a perceber o que caracteriza estes super-preditores. Uma das conclusões é que parecem ser melhores do que a maioria das pessoas a pensar de forma probabilística, nomeadamente na utilização do teorema de Bayes.

O livro Pensar Depressa e Devagar, de Daniel Kahneman, relata uma experiência onde se descreve José como sendo tímido e reservado, com vontade de ajudar, mas com pouco interesse no mundo real e, em seguida, pergunta-se se é mais provável que o José seja bibliotecário ou agricultor. A maioria das pessoas responde que o José é provavelmente um bibliotecário. O teorema de Bayes ajuda-nos a perceber que se trata de um viés cognitivo e que essa não será a resposta certa. Deve haver uma menor percentagem de agricultores do que bibliotecários com as características do José, mas o número de bibliotecários no mundo será uma ínfima parte do número de agricultores. A probabilidade a priori do José ser agricultor é tão mais elevada do que a de ser bibliotecário, que o conhecimento das suas características pessoais pouco afetará a resposta certa.

Um outro exemplo de um erro que o teorema de Bayes ajuda a corrigir é na análise de um teste clínico. Se lhe disserem que testou positivo a uma doença rara e que esse teste tem um erro de apenas 1% é natural que se assuste e assuma que tem 99% de hipóteses de ter essa doença. O teorema de Bayes ajuda a encontrar uma estimativa mais correta da probabilidade de ter efetivamente a doença. Se essa doença rara afetar 100 em cada 100.000 habitantes, um teste com um erro de 1% dará positivo para 99 pessoas com a doença, mas também para 999 pessoas saudáveis. Sendo assim, a probabilidade de ter a doença é 99 em 1.098, ou seja, cerca de 9%. Ao contrário do caso do agricultor, há agora uma baixa probabilidade a priori de ter a doença, 1 em 1.000, a que se junta o erro associado ao resultado do teste, 1 em 100, para se obter uma nova estimativa da probabilidade de ter a doença. O que interessa é a probabilidade estimada depois do teste e não a taxa de erro do teste.

A previsão pode ser melhorada com aplicações sucessivas do teorema de Bayes. Imagine que não ficou convencido com o resultado da probabilidade de 9% de ter a doença rara e decide realizar um segundo teste num outro laboratório. Se o teste tiver o mesmo erro e for positivo a nova probabilidade de ter a doença rara passou para cerca de 91%. No entanto, se o segundo teste for negativo, a probabilidade será próxima de zero. Juntar de forma adequada a nova informação permite ajustar a estimativa feita com os dados anteriores.

Para além de atribuírem probabilidades às diversas opções e de as ajustarem conforme vão adquirindo novas informações, os super-preditores procuram também balancear a perspetiva externa, baseada em opiniões de outras pessoas, com o seu conhecimento e experiência anterior. Conseguem também identificar as forças em conflito em cada decisão, avaliando os fatores a favor e contrários para cada alternativa. A tomada de decisão fundamentada exige um processo de reflexão e recolha de informação que se prolonga no tempo, ao contrário do que é usado por muitos candidatos ao ensino superior que só o iniciam três semanas antes da data limite. Aumentar de forma significativa o número de opções a que podem concorrer permitirá fazer a ordenação dos cursos sem a preocupação de tentar estimar os cursos a que a sua nota final poderá dar acesso.

Uma outra característica dos super-preditores é que avaliam as decisões anteriores, assumindo eventuais erros e aprendendo com eles. No meu caso ainda hoje considero que fiz a opção certa ao escolher a engenharia eletrotécnica. Como esperava, permitiu desenvolver o meu gosto por física e matemática juntando a capacidade de desenvolver sistemas que ligam os computadores ao ambiente em que funcionam.

 

Professor do Instituto Superior Técnico

Previsões e decisões


Já foram anunciadas as vagas disponíveis para a primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior. A escolha da instituição-curso será, provavelmente, a decisão com mais impacto para o futuro dos candidatos desde o início dos estudos.


O anúncio, a 2 de abril passado, das vagas disponíveis para a primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior público recordou-me o tempo em que tive de decidir a minha própria candidatura. Este ano, a candidata ou o candidato terá, até ao dia 7 de agosto, de concluir o ensino secundário, inscrever-se para a primeira fase de exames nacionais, decidir a anulação de matrícula a disciplinas que correram menos bem, realizar os exames nacionais, aguardar a publicação das notas a 17 de julho e, conforme os resultados, terá de escolher e ordenar por ordem de preferência seis combinações de instituição-curso a que se irá candidatar. Tenho dificuldade em entender porque só são dadas 6 opções de candidatura, como no meu tempo. Já não é preciso preencher papéis e os computadores andam agora um pouco mais depressa. Há certamente uma razão que me escapa.

Esta será, provavelmente, a decisão com mais impacto para o seu futuro desde que iniciou os seus estudos. Já tinha decidido no secundário que gostava mais de ciências do que de humanidades, mas as opções eram reduzidas comparadas com as que tem agora. Sabe que hoje os diplomados de certas escolas são mais procurados pelo mercado, mas há também cursos com maior procura do que outros. Sabe também que há coisas que gostou mais de estudar, outras que parecem ser mais valorizadas e haverá muitas que só conhecerá no ensino superior. Deve escolher a escola e o curso mais competitivo onde a nota dê para entrar? E se os exames correrem mal e as opções de escolha se reduzirem muito? Como só conhecerá a nota a 17 de julho, é natural que decida que o melhor é não fazer nada até lá. No entanto, as boas decisões necessitam de boas previsões do futuro.

É difícil fazer previsões. As que vemos anunciadas são intencionalmente vagas para que os seus autores possam dizer mais tarde que acertaram em alguma parte. No livro Super-previsões, os autores Philip Tetlock e Dan Gardner descrevem um trabalho de investigação que procurou saber se há quem seja melhor a fazer previsões e conhecer as estratégias que usam. Para isso, pediram a milhares de voluntários para fazer previsões e concluíram que algumas dezenas deles faziam consistentemente boas previsões. Grande parte do livro é dedicado a perceber o que caracteriza estes super-preditores. Uma das conclusões é que parecem ser melhores do que a maioria das pessoas a pensar de forma probabilística, nomeadamente na utilização do teorema de Bayes.

O livro Pensar Depressa e Devagar, de Daniel Kahneman, relata uma experiência onde se descreve José como sendo tímido e reservado, com vontade de ajudar, mas com pouco interesse no mundo real e, em seguida, pergunta-se se é mais provável que o José seja bibliotecário ou agricultor. A maioria das pessoas responde que o José é provavelmente um bibliotecário. O teorema de Bayes ajuda-nos a perceber que se trata de um viés cognitivo e que essa não será a resposta certa. Deve haver uma menor percentagem de agricultores do que bibliotecários com as características do José, mas o número de bibliotecários no mundo será uma ínfima parte do número de agricultores. A probabilidade a priori do José ser agricultor é tão mais elevada do que a de ser bibliotecário, que o conhecimento das suas características pessoais pouco afetará a resposta certa.

Um outro exemplo de um erro que o teorema de Bayes ajuda a corrigir é na análise de um teste clínico. Se lhe disserem que testou positivo a uma doença rara e que esse teste tem um erro de apenas 1% é natural que se assuste e assuma que tem 99% de hipóteses de ter essa doença. O teorema de Bayes ajuda a encontrar uma estimativa mais correta da probabilidade de ter efetivamente a doença. Se essa doença rara afetar 100 em cada 100.000 habitantes, um teste com um erro de 1% dará positivo para 99 pessoas com a doença, mas também para 999 pessoas saudáveis. Sendo assim, a probabilidade de ter a doença é 99 em 1.098, ou seja, cerca de 9%. Ao contrário do caso do agricultor, há agora uma baixa probabilidade a priori de ter a doença, 1 em 1.000, a que se junta o erro associado ao resultado do teste, 1 em 100, para se obter uma nova estimativa da probabilidade de ter a doença. O que interessa é a probabilidade estimada depois do teste e não a taxa de erro do teste.

A previsão pode ser melhorada com aplicações sucessivas do teorema de Bayes. Imagine que não ficou convencido com o resultado da probabilidade de 9% de ter a doença rara e decide realizar um segundo teste num outro laboratório. Se o teste tiver o mesmo erro e for positivo a nova probabilidade de ter a doença rara passou para cerca de 91%. No entanto, se o segundo teste for negativo, a probabilidade será próxima de zero. Juntar de forma adequada a nova informação permite ajustar a estimativa feita com os dados anteriores.

Para além de atribuírem probabilidades às diversas opções e de as ajustarem conforme vão adquirindo novas informações, os super-preditores procuram também balancear a perspetiva externa, baseada em opiniões de outras pessoas, com o seu conhecimento e experiência anterior. Conseguem também identificar as forças em conflito em cada decisão, avaliando os fatores a favor e contrários para cada alternativa. A tomada de decisão fundamentada exige um processo de reflexão e recolha de informação que se prolonga no tempo, ao contrário do que é usado por muitos candidatos ao ensino superior que só o iniciam três semanas antes da data limite. Aumentar de forma significativa o número de opções a que podem concorrer permitirá fazer a ordenação dos cursos sem a preocupação de tentar estimar os cursos a que a sua nota final poderá dar acesso.

Uma outra característica dos super-preditores é que avaliam as decisões anteriores, assumindo eventuais erros e aprendendo com eles. No meu caso ainda hoje considero que fiz a opção certa ao escolher a engenharia eletrotécnica. Como esperava, permitiu desenvolver o meu gosto por física e matemática juntando a capacidade de desenvolver sistemas que ligam os computadores ao ambiente em que funcionam.

 

Professor do Instituto Superior Técnico