Em 27 de fevereiro de 1960, a revista cientifica NATURE publicou um artigo questionando se era possível medir a eficácia da investigação científica, citando um estudo da Arthur D.Little de 1959, que concluía da necessidade de investigar a investigação. O modelo desenvolvido neste estudo identificava uma curva em forma de S, idêntica às que já na altura se conheciam para a entrada de novos produtos no mercado, como sendo o comportamento dos processos inventivos, então confirmado por observação.
Mas a principal conclusão do estudo foi a resposta a esta pergunta: para atingirmos a produtividade máxima de um programa de investigação, qual a percentagem do orçamento disponível que deve ser dedicado à investigação básica e qual deve ser dedicado à investigação aplicada? O modelo de análise então utilizado concluiu que para desenvolver um domínio cientifico especifico é necessário que a investigação básica seja pelo menos 20% do orçamento total. De uma forma simplificada podemos dizer que a investigação básica é aquela que se dedica à descoberta dos fenómenos desconhecidos, enquanto a investigação aplicada são os resultados da investigação básica ao serviço de aplicações funcionais para suprir necessidades das sociedades.
Não é por isso novidade que a investigação é um dos pilares de desenvolvimento de um país. Também não será certamente novidade que uma política de desenvolvimento tem de ser transversal aos vários setores e domínios da sociedade, com continuidade, e apostando na inovação e na criatividade científica. Por fim, também sabemos de há muitos anos que as Universidades devem ser fábricas de conhecimento e inovação. Tudo isto é claro, tudo isto é sabido, mas nada disto está a acontecer como deveria.
Olhemos para os fundos de investimento, para as agendas mobilizadoras, para as comunidades de conhecimento, e todos os outros instrumentos que neste momento nos inundam de forma atabalhoada, e verificamos que o foco está em desenvolver start-ups, colocar produtos nos mercados, como se isso fosse o motor do desenvolvimento. Mas não é, estamos a começar a casa pelo telhado. Não que o telhado não seja importante, mas necessitamos de garantir o resto da casa, que é a construção de um ecossistema de inovação e um programa de desenvolvimento de longo prazo não subordinado às descontinuidades das mudanças de mandatos de governação.
Um ecossistema de inovação implica a cooperação com vários atores públicos e privados, partilha de dados, partilha de informação e partilha de experiências, complementaridade de percursos e uma lógica de tentativa erro, base de qualquer percurso cientifico. Tanto a inovação como a invenção precisam de aprender com os caminhos percorridos, com os erros e com os sucessos, portanto precisam de prazos longos e objetivos amplos, principalmente na investigação básica. O que temos e o que se perspetiva no futuro próximo não corresponde de facto a um sistema de inovação e desenvolvimento.
A falta desta perspetiva estratégica tem conduzido as nossas universidades e centros de investigação, salvo honrosas exceções, para rumos aleatórios de investigação subordinados à oportunidade do financiamento e do esforço que cada investigador vai conseguindo no curto prazo. Este é sem dúvida um dos fatores que mais constrange o nosso potencial de desenvolvimento científico, e a diferença entre as possibilidades de investigação nas nossas universidades por oposição a outras, enquadradas em países que melhor valorizam a influência da investigação no desenvolvimento do país.
As próprias métricas de avaliação da qualidade da investigação e das carreiras científicas promovem as publicações, o que não se tem revelado como o melhor método para atingir resultados eficientes e efetivos, que permitam aferir qual a influência que a investigação tem no desenvolvimento da indústria e serviços. Ao invés, a maioria das fontes de financiamento para projetos de investigação focam-se na avaliação de impactes e não de influência.
A consequência deste enviesamento tem vindo a ser objeto de estudo em vários domínios científicos e em vários países. Estão já disponíveis resultados que apontam para uma redução significativa do potencial de disrupção reportado nas publicações científicas e pelas patentes nas últimas décadas. No caso particular das publicações verifica-se um aumento significativo da sua produção, mas uma redução da sua influência e do seu caráter inovador. Por outro lado, verifica-se também uma forte correlação entre as publicações provenientes dos países mais desenvolvidos e o número de citações de trabalhos publicados.
No caso português, parece ser indispensável repensar as políticas científicas e os incentivos para as mesmas, bem como a forma de avaliar resultados, por forma a assegurar que a transferência de conhecimento entre as organizações produtoras de ciência e o tecido empresarial é gerador de sinergias e de efetivo desenvolvimento.
Professora e investigadora em transportes, Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura do Instituto Superior Técnico