por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
Professores, médicos, CP e funcionários judiciais têm estado em greve. Exigência: aumentos salariais e descongelamento de carreiras. A agravar a situação está o facto de o Governo ver-se a braços com um aumento da inflação que faz disparar os preços e as acusações sobem de tom, no que diz respeito aos bens alimentares. A juntar ‘à festa’ há que contar ainda com as acusações de que o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) está muito aquém do previsto e, apesar da taxa de desemprego ter vindo a subir, os empresários queixam-se de falta de mão-de-obra. Uma questão que ganha maior revelo, já que poderá pôr em causa as grandes obras previstas pelo Executivo.
Uma das grandes de dor de cabeça do Governo é sem dúvida os preços alimentares que tem colocado o Governo debaixo de fogo. As críticas chovem de todo o lado, da oposição à população. António Costa já veio acenar com uma possibilidade na redução do IVA em alguns produtos.
«Estamos a trabalhar numa tripla dimensão, que passa por um acordo com a distribuição, mas também com a produção, que traduza uma efetiva redução dos preços e a sua estabilização. E estamos disponíveis para contribuir para esse fim com uma redução do IVA que tem uma enorme vantagem para as famílias relativamente a uma redução do IRS», anunciou Costa, no Parlamento, avisando, no entanto, que esta medida só valerá a pena se houver efeito na redução do preço.
O primeiro-ministro explicou que a redução do IVA tem «efeito imediato» neste momento em que as famílias «têm dificuldade em pagar e não um efeito diferido naquilo que será o que pagarão a menos no próximo ano em sede de IRS».
Acontece que esta é uma opinião contrária à que tinha sido transmitida anteriormente pelo ministro das Finanças. É que ainda este mês Fernando Medina disse que a eliminação do IVA em certos produtos não vai resolver a questão dos preços elevados. «Já me pronunciei mais do que uma vez, nós não a consideramos como uma medida prioritária pelas consequências que já foram visíveis nos países que a aplicaram», disse o ministro das Finanças.
E a verdade é que já não foi mesmo a primeira vez. «Quando decidirmos adotar medidas de apoio temos de escolher a forma mais eficaz de o fazer», disse, destacando que a posição do Governo tem sido a de que apoios diretos ao rendimento das famílias mais afetadas com a subida de preços «são mais benéficos» do que descidas do IVA, até por não ser possível garantir que esta não seja incorporada nos preços de venda ao consumidor. Mas garantiu que é uma questão que poderia ser avaliada.
E acrescentou que «entendemos que haveria aqui um risco muito mais elevado de haver uma diminuição da taxa de IVA dos bens alimentares que não chegasse diretamente ao bolso das famílias, porque haveria quem pudesse oportunisticamente aumentar os preços ficando com essa diminuição fiscal».
Onda de contestação não pára
Os professores têm estado na rua desde o início do ano, culpa em grande parte, do STOP. E não só. Ainda esta semana, o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), admitiu a suspensão das greves convocadas pela plataforma de nove organizações sindicais, mas reafirmou que a decisão depende das negociações e «está nas mãos do Ministério».
Do lado do ministro João Costa foi proposto o fim de vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões para todos os professores que estão atualmente entre o 1.º e o 6.º patamares da carreira. Medidas que visam «acelerar a carreira» dos professores mais prejudicados «pelo efeito do congelamento» que abrangem de «imediato 60 mil professores».
Para já, está agendada uma nova reunião para 5 de abril, com as «propostas de texto legislativo para cada uma destas dimensões», mas os professores prometem não baixar os braços.
Na Saúde, o Governo não tem vida mais facilitada. Demissões em bloco de chefes de equipa de urgências, falta de médicos de família – as últimas contas apontam para mais de um milhão, em que as situações mais graves verificam-se em Lisboa e Vale do Tejo – encerramentos de serviços e listas de espera para cirurgias sem fim. Mas as verdadeiras dores de cabeça ocorrem nas urgências, com serviços cheios, horas intermináveis de espera. É este o estado da Saúde em Portugal. E as queixas multiplicam-se.
O caso mais recente foi a demissão dos chefes de equipa de urgência de Medicina Interna do Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, que apresentaram a demissão em bloco numa carta enviada esta segunda-feira ao conselho de administração, criticando a falta de soluções para os problemas do serviço.
As urgências pediátricas são outros dos problemas que o setor enfrenta. O ministro da Saúde já avisou que vai demorar algum tempo até se conhecer o plano de reorganização das urgências pediátricas de Lisboa e Vale do Tejo que já devia ter sido divulgado. E defende que é preferível aguardar algum tempo e ter um sistema mais seguro. A direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde já publicou o plano de reorganização para as urgências de pediatria da área de Lisboa e Vale do Tejo. Só três ficam de fora deste horário, funcionando apenas das 9h às 21h: Hospital de Loures, Torres Vedras, do Centro Hospitalar do Oeste, e São Francisco Xavier, Centro Hospitalar Lisboa Ocidental.
A tarefa não é mais fácil, em matéria de Justiça. A greve dos funcionários judiciais já provocou o adiamento de mais de 21 mil diligências e julgamentos nos tribunais e serviços do Ministério Público desde o seu início em 15 de fevereiro.
Os atrasos do PRR
Há cerca de um mês, a Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência (CNA-PRR) identificou 15 investimentos em estado preocupante ou critico, justificando esse estado com fatores como atrasos nas candidaturas ou metas demasiado ambiciosas. «Analisámos 69 investimentos […], 33 alinhados com o planeamento, 21 com necessário acompanhamento, 13 em estado preocupante e dois considerados como críticos», disse Pedro Dominguinhos presidente da CNA-PRR. Esses investimentos que se encontram em estado critico dizem respeito a investimentos de empresas, em habitação, florestas e digitalização na educação.
De acordo com o relatório de acompanhamento, o 2.º pedido de desembolso foi submetido a 30 de setembro e recebeu aprovação positiva da Comissão Europeia e com o seu recebimento a 8 de fevereiro de 2023, Portugal comprovou, em pedidos de pagamento, 21% dos fundos do PRR e foram cumpridos 17% dos Marcos e Metas contratados com a União Europeia.
As entidades empresariais têm vindo a apontar o dedo ao Governo no que diz respeito aos atrasos nos pagamentos, defendendo que estão a penalizar a execução e que o excessivo controlo está a pôr para segundo plano a agilização do PRR. A falta de mão-de-obra e o aumento das matérias-primas poderão também comprometer o plano. Estes atrasos levaram Marcelo Rebelo a puxar as orelhas à ministra da Coesão Territorial, garantindo que estará «muito atento» e não a perdoará caso descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que acha que deve ser.
Mão-de-obra dificultada
Uma queixa em comum junto dos empresários é a falta de mão-de-obra – transversal desde a indústria ao comércio, passando pelo turismo e construção – e que ganha novos contornos com os investimentos públicos anunciados pelo Governo. Uma realidade que chegou a ser admitido ao nosso jornal pelo presidente Sindicato da Construção de Portugal. «Para todas as obras que estão a ser anunciadas não há trabalhadores para fazerem o trabalho, seja hospitais, seja ferrovia, habitação social. Por exemplo, o primeiro-ministro anunciou 400 mil novas habitações mas quem é que as vai construir?», questionou.
Recorde-se que o antigo ministro das Infraestruturas anunciou no final de novembro um mega projeto para esta área: comboios de alta velocidade nas 10 maiores cidades portuguesas, uma nova ponte ferroviária sobre o rio Tejo, ligações em todos os distritos e Lisboa e Porto a três horas de comboio de Madrid, entre outros investimentos e que deverão estar concluídos até 2050.