A grande maioria das frutas, legumes e cereais que consumimos não existe, nem nunca existiu, selvagem na natureza. Há milhares de anos que cruzamos plantas para obter características mais adequadas ao nosso gosto e conveniência. O melhoramento de plantas é, no entanto, lento, obrigando a sucessivos ciclos de tentativa e erro. A partir do final do século XX passou a ser possível modificar plantas por Engenharia Genética. Ao contrário do cruzamento tradicional, este tipo de melhoramento é controverso e a sua aceitação não está generalizada. Uma terceira via abre-se hoje que passa pela análise prévia do genoma das plantas. Na posse destas informações, os especialistas podem assim selecionar de forma mais racional as variantes a cruzar, acelerando a criação de novos híbridos. Estas abordagens combinadas serão fundamentais para desenvolver as culturas resilientes, resistentes a doenças e mais produtivas que precisamos para enfrentar as alterações climáticas e o crescimento populacional.
As características das plantas são determinadas pelas informações genéticas armazenadas no seu genoma. Cada espécie e variante de planta possui um conjunto de genes único que determina os seus atributos físicos e bioquímicos (p. ex. forma, cor, resposta ao ambiente). Os métodos tradicionais de cruzamento de plantas, que envolvem a polinização artificial de plantas macho e fêmea, constituem uma forma simples de modificar o genoma de variantes ou de espécies diferentes. A seleção dos progenitores considera as características que pretendemos apurar na descendência. Por exemplo, além de aspetos como a cor, sabor e forma particular, os criadores podem querer plantas mais resistentes a doenças, mais adaptadas ao stress ambiental, ou de crescimento mais rápido. Após o cruzamento, os descendentes são cultivados e testados, e aqueles com os atributos mais próximos do desejado são selecionados e recruzados. Este processo pode repetir-se por muitos ciclos até se obter um indivíduo com as características desejadas. Mas este processo de manipulação de genomas de plantas funciona e os resultados estão à vista. Tomates cereja, maçãs Fuji, brócolos bimi e tantos outros? Nunca existiram selvagens na natureza…
Desenvolvidas a partir da década de 1980, as técnicas de engenharia genética trouxeram aos criadores uma forma mais expedita e direta de melhoramento. As novas plantas são criadas pela transferência de genes de espécies distintas (transgenes) para o genoma da planta alvo, que se torna assim transgénica. O processo passa por identificar, isolar e inserir um gene desejável no genoma da planta por métodos variados. Embora plantas transgénicas como o milho, a soja e a papaia sejam já incontornáveis na agricultura moderna, a controvérsia sobre a sua segurança e impacto ambiental persiste. Aqui, alguns dos críticos argumentam que o cruzamento tradicional constitui um modo alternativo mais seguro e sustentável de desenvolver novas variedades.
O cruzamento de plantas tradicional é um processo de tentativa e erro que pode levar anos ou mesmo décadas. A criação dos brócolos bimi, por exemplo, demorou cerca de 8 anos a ficar concluída. De facto, embora os mecanismos biológicos envolvidos sejam hoje muito bem conhecidos, saber exatamente que progenitores cruzar, ou garantir a estabilidade do híbrido final, não é trivial. Mas aqui, as técnicas modernas que permitem hoje extrair e analisar a informação contida nos genes de um organismo, i.e., de sequenciar o seu genoma, podem fornecer uma ajuda preciosa. Ao estudar ao pormenor o genoma de uma planta e das suas variantes, os cientistas podem identificar os genes associados a características desejáveis. Estas informações permitem aos criadores selecionar de forma mais racional as variantes mais promissoras e assim realizar menos cruzamentos, cultivos e testes [1]. Por exemplo, um estudo recente descreve a sequenciação do genoma de 26 linhagens de milho que cobrem uma grande diversidade genética. Embora cerca de um terço dos 103000 genes identificados seja comum às 26 linhagens, os restantes não se repetem em todas elas. É nestes últimos genes menos comuns que residem as respostas potenciais para criar variedades de milho mais doce, mais resistentes à ferrugem (do milho) ou capazes de crescer em ambientes mais hostis. A questão não trivial que permanece é a de saber que genes estão associados a que características [1,2].
As frutas, legumes e cereais que consumimos são fruto do engenho humano. Somos responsáveis pela modificação do genoma de plantas híbridas ou transgénicas, quer por via de técnicas tradicionais ou da engenharia genética. Ao longo de milénios promovemos a evolução de novas plantas que nos trouxeram maiores rendimentos, ganhos económicos, valor nutritivo acrescido, sabores e aromas variados, acesso a ambientes de cultivo diversos, e uma redução da fome e malnutrição. Apesar destes benefícios, desafios como o crescimento populacional, as alterações climáticas, a emergência de pragas e a diminuição de terras aráveis colocam em causa a nossa segurança alimentar. Neste contexto, a combinação de técnicas de cruzamento mais tradicionais com a informação obtida pela sequenciação de genomas de plantas terá um papel fundamental no desenvolvimento de culturas resilientes, resistentes a doenças e mais produtivas. Como em muitos casos, a solução para a produção sustentável de alimentos nutritivos será alcançada combinando métodos tradicionais com ciência de ponta.
[1] Nargi, L. (2022) The Race to Protect Sweet Corn. Nautilus. 6 abril 2022.
[2] Hufford M.B. et al. (2022) De novo assembly, annotation, and comparative analysis of 26 diverse maize genomes. Science. 373, 655-662.
Professor e Investigador do Instituto Superior Técnico