Corria o ano de 2013 e um movimento, nascido no Facebook, tentava um boicote à prova de avaliação de capacidade e conhecimento (PAAC), destinada a todos os professores sem vínculo à função pública, criada pelo então ministro da Educação Nuno Crato. A dar a cara por esse movimento estava um docente natural de Coimbra. Esse professor era nada mais nada menos que André Pestana, o atual coordenador nacional do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP), que tem impulsionado as greves e manifestações recentes, assumindo um protagonismo que era até agora da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) e do seu líder Mário Nogueira.
Por essa altura, André Pestana, que já pertencia ao Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL), integrado na Fenprof e do qual chegou a ser dirigente, escreveu uma carta aberta a Mário Nogueira, criticando a forma como a luta contra a PAAC estava a ser conduzida.
O descontentamento com a falta de abertura à renovação na SPGL terá motivado a sua saída dessa estrutura em 2017 e precipitado o lançamento de um manifesto para aferir se os professores sentiam a necessidade de um novo sindicato, com “uma forma diferente de fazer sindicalismo e onde o processo de decisão seria completamente democrático e apartidário”. Cerca de 200 docentes terão subscrito o manifesto, desiludidos com a atuação dos sindicatos.
Com a reação positiva, a ideia começou a ganhar forma, só faltava arranjar um nome. A resposta surgiu numa placa de sinalização durante uma viagem de comboio, como recorda o Notícias Magazine. Eis que surge então em fevereiro de 2018 o STOP (Sindicato de Todos os Professores, o primeiro nome da estrutura que recentemente adotou a designação de Sindicato de Todos os Profissionais da Educação para abarcar o restante pessoal não docente das escolas).
A primeira greve não tardou a ser convocada, tendo como principal reivindicação a forma de cálculo do tempo de serviço dos professores depois do descongelamento das progressões na carreira. Os professores que aderiram faltaram às reuniões do final do ano letivo, bloqueando as avaliações de fim de ano dos alunos em anos de exames e provas finais, sobretudo nos alunos do 12.º ano, prestes a entrarem no ensino superior.
Dias depois, a Federação Nacional de Educação (FNE) e a Fenprof, juntamente com outras estruturas independentes, convocam um outra paralização. O impacto foi tal que o Ministério da Educação viu-se obrigado a decretar serviços mínimos para tentar atenuar os efeitos das greves às avaliações.
Já em 2019, o STOP voltou a convocar novas greves para exigir a retirada de materiais com amianto das escolas e contra a violência e a falta de funcionários e professores nas escolas, num protesto que se prolongou durante quase dois meses.
Desta vez, o sindicato partiu novamente sozinho para a greve, tendo as restantes estruturas sindicais inicialmente considerado que não era o “momento adequado” para uma greve, dado que ainda decorria o processo negocial com o Ministério da Educação sobre o regime de concursos. No início do ano letivo, a tutela decidiu iniciar um processo negocial para rever o modelo de contratação e colocação de professores, mas algumas propostas não foram bem recebidas.
Até aqui, as ações das principais estruturas sindicais estavam em pausa. Mas o STOP, que representa cerca de 1300 docentes, decidiu pôr em marcha uma “forma de luta inédita”, com uma greve por tempo indeterminado. O modelo foi apoiado por cerca de dois mil docentes numa sondagem realizada num blog de educação em novembro.
A greve arrancou no dia 9 de dezembro, levando ao encerramento total ou parcial de várias escolas pelo país nas semanas que se seguiram. Foi depois retomada no início do 2.º período do ano letivo e deverá prolongar-se pelo menos até 10 de março.
Entre dezembro e janeiro, o STOPorganizou também duas grandes manifestações em Lisboa que mobilizaram mais de 20 mil professores cada, estando já planeada uma nova marcha na capital para o próximo sábado, dia 25 de fevereiro.
Pressionadas por esta grande mobilização dos professores e pela pouca abertura da tutela a novos processos negociais sobre outras matérias relacionadas com a carreira docente, outras organizações sindicais, como a Fenprof, a ASPL, o SINAPE e o SIPE, acabaram por também convocar uma paralisação por distritos em janeiro e uma manifestação própria em fevereiro.
Apesar dos apelos à convergência, a contestação tem sido feita a duas vozes, com uma plataforma de uma dezena de sindicatos liderada pela Fenprof de um lado e o STOP do outro.
sindicatos em competição A cisão entre os dois sindicatos ficou à vista sobretudo no passado dia 11 deste mês, quando André Pestana fez um comício paralelo no Terreiro do Paço, durante o discurso de Mário Nogueira, à margem da manifestação que juntou cerca de 150 mil pessoas. Em cima de uma carrinha de caixa aberta, equipada com sistema de som e ladeada por centenas, apontou o dedo ao líder da Fenprof, acusando-o de ter impedido que o STOP se juntasse no palco para discursar.
“Não falámos ali porque eles não quiseram. Eles é que não quiseram. Nós estávamos disponíveis. Mas mesmo assim, pela escola pública, viemos juntar forças. Não abandonámos quem quis vir juntar docentes e não docentes. Assim se vê a diferença”, gritou.
As tensões entre Ministério da Educação e professores estão para durar. E os sindicatos têm pela frente a dura tarefa de manter os níveis de mobilização elevados de forma a que haja cedências, pelo menos, nos pontos mais essenciais. Contudo, o desentendimento entre a Fenprof e o STOP pode ser uma ameaça ao processo de negociações.
“Se há algo que contribui para radicalizar e para prolongar no tempo este protesto dos professores é a competição grande que existe entre os dois sindicatos. Este processo começa com o STOP na dianteira, a conseguir mobilizar fortíssimamente os professores e, de repente, a Fenprof, que durante décadas sempre liderou a luta dos professores, sentiu-se atrasada, em plano secundário, a ficar na retaguarda”, afirma Luís Marques Mendes, em declarações ao i.
Apesar de reconhecer que a organização sindical de Mário Nogueira recuperou terreno com as greves distritais e com a manifestação de há duas semanas, o comentador frisa que a competição mantém-se. “Um e outro estão a tentar ver quem é que consegue ser mais radical e bater mais o pé à mesa das negociações”, acrescenta.
A ideia que fica é que o primeiro sindicato a chegar a acordo com o Governo, com mais ou menos cedências, será acusado de estar a trair as exigências dos profissionais da educação.
“Esta é uma situação nova no domínio dos professores. Isto nunca aconteceu uma vez que a competição que existia entre a Fenprof e a FNE em boa verdade não era uma competição, porque a Fenprof era muito mais um sindicato de mobilização de rua e a FNE era muito mais uma estrutura sindical mais virada para a negociação dentro dos gabinetes”, explica Marques Mendes.
Se a relação entre a Fenprof e a FNE se fazia entre dois patamares de intervenção, o STOPvem agora introduzir uma nova forma de sindicalismo que, na ótica do comentador “é perigosa”. “Num primeiro momento, acha-se graça, porque é uma ideia nova, original, com um discurso diferente do tradicional, mas depois percebe-se que é perigosa, no sentido de que tem um excesso muito grande de radicalismo, que fica visível no tipo de greves e na dificuldade de estabilizar algumas das questões negociais”, continua, sublinhando que a Fenprof tem uma “visão mais institucional”.
De resto, o modelo de greve do STOP em curso levou o Ministério da Educação a solicitar à Procuradoria-Geral da República (PGR) um parecer sobre a sua legalidade. No parecer, que foi conhecido a semana passada, o conselho consultivo da PGR conclui que apesar de a greve ser legal, a forma como está a ser concretizada é ilícita por não respeitar o que consta no aviso prévio.
Para José Miguel Júdice, não restam dúvidas de que a greve é ilegal. “Há uma tradição em Portugal em que não se pode dizer que as greves são ilegais, mas qualquer direito pode ser exercido de uma forma abusiva. Por exemplo, o direito à propriedade está na Constituição, mas isso não quer dizer que eu possa destruir a propriedade, é ilegal fazê-lo. O direito à greve também é um direito constitucional, mas pode ser exercido de forma abusiva, tornando-se ilegal”, esclarece, em declarações ao i.
Para o comentador político, esta greve, além de “não respeitar o sistema legal e constitucional”, também é “um abuso do direito de greve”, uma vez que “a ponderação que faz coloca todo o peso nos alunos que precisam das aulas”.
excessos de radicalismo e rivalidades políticas Apesar de o STOP se apresentar como um sindicato “democrático e apartidário”, os antecedentes do coordenador do STOP introduzem ainda uma dimensão política à luta dos professores.
Criado no seio de uma família com tradição à esquerda, André Pestana militou na Juventude Comunista (JCP), organização que abandonou por divergências com o apoio ao antigo bloco de Leste e por reconhecer as falhas democráticas nos países com regimes comunistas. Ingressou depois no Bloco de Esquerda, em 1999, aquando da fundação do partido. Nesse ano, foi um dos nomes da lista do BE pelo círculo de Coimbra nas legislativas.
Já em 2011, na sequência dos maus resultados do BE nas legislativas e de divergências internas com a direção do partido, vários militantes abandonaram o BE. Entre eles, André Pestana e Gil Garcia, que estiveram na criação de um novo partido político de linha trotskista, o Movimento Alternativa Socialista (MAS). Foi já pelo MAS que, em maio de 2014, o coordenador do STOP foi candidato às eleições para o Parlamento Europeu.
Na perspetiva de Marques Mendes, este percurso trilhado em partidos ligados à extrema-esquerda também não pode ser dissociado do tipo de sindicalismo que o STOP leva a cabo. “Evidentemente que André Pestana não é agnóstico em termos políticos, é uma figura marcante e, seguramente, os professores que o acompanham sabem disso”, comenta.
A sua migração do BE para o MAS também não difere muito do contexto em que Carmelinda Pereira e Aires Rodrigues abandonaram o PS para fundar o Partido Operário de Unidade Socialista (POUS), em 1976. Os dois foram formalmente expulsos do partido por representarem uma corrente trotskista em ruptura com a comissão política de Mário Soares.
Além de fundadora, Carmelinda Pereira foi a líder e o rosto do POUS nas campanhas e nos tempos de antena e, em 2006, chegou a apresentar-se como candidata às presidenciais, mesmo não contando com as assinaturas necessárias para formalizar a candidatura.
Marques Mendes recorda que, durante os anos em que foi militante do PS, Carmelinda Pereira representou a ala da extrema-esquerda do partido: “Era uma corrente ultra minoritária, mas tinha uma presença política muito mediática e muito ativa na generalidade dos órgãos do PS, ainda que nunca tenha conseguido fazer grande progressão em termos de apoios”.
Por essa razão, o comentador considera que “é legítimo” comparar o percurso de André Pestana com o de Carmelinda Pereira, no sentido em que, tanto num caso como no outro, “ambos eram a extrema-esquerda dos respetivos partidos e foram forçados a sair por radicalismo em excesso”.
José Miguel Júdice corrobora a mesma tese, lembrandoque André Pestana formou um partido [o MAS] que resulta de “uma cisão da ala mais à esquerda do Bloco de Esquerda”. “Para este grupo, o Bloco de Esquerda era um partido moderado”, ironiza.
Na visão do antigo bastonário da Ordem dos Advogados, o coordenador do STOP “tem seguido uma estratégia muito trotskista” conhecida como “entrismo”. Ou seja, “entrar para uma estrutura que não é necessariamente representativa do trotskismo, para dentro dela influenciar e fazer avançar uma estratégia da linha trotskista”.
Além disso, José Miguel Júdica vê ainda semelhanças entre o STOP e o sindicalismo revolucionário defendido pelo sociólogo italiano Vilfredo Pareto, que se aproximou do fascismo.
“Era um sindicalismo muito na linha dos setores anarquistas de Espanha durante a guerra civil e que foi seguido também por alguns sindicatos próximos dos partidos de extrema-direita”, esclarece, enfatizando que André Pestana quer “subverter o regime”.
“Não se limita a defender as causas dos professores, diz antes que essas questões só se resolvem se também se resolverem outras, e o seu projeto é uma revolução completa no país. Não quer isto dizer que os professores que o apoiam queiram isso, apoiam-no, provavelmente, porque consideram que ele é útil a atingir os seus objetivos”, conclui.
Por outro lado, Marques Mendes introduz ainda outro dado curioso: as ligações conhecidas de Mário Nogueira ao PCP e a “obsessão” de André Pestana em competir com o PCP. Com este pano de fundo, o comentador dominical da SIC compara a atuação da Fenprof à do PCP.
“O PCP é um partido à esquerda, mas é muito conservador nas atitudes, nas suas práticas, nos seus comportamentos e a Fenprof também é assim, é um sindicato muito institucional, que joga as regras da via institucional. Já o STOP é exatamente o oposto e joga na via anárquica”, refere.
Da mesma forma, José Miguel Júdice também descreve Mário Nogueira como “um comunista ortodoxo, um homem prudente, radical, mas que é completamente fiel à linha do seu partido”. “Por isso é que durante o tempo da ‘geringonça’ praticamente não teve nenhuma intervenção crítica do Governo relevante”, acrescenta.
O perfil do líder da Fenprof podia valer-lhe o epíteto de “o grande educador da classe operária”, lembrando a figura de Arnaldo Matos, fundador do PCTP/MRPP, mas quem o conhece rejeita a comparação.