A polémica dos altares é bem reveladora da convergência de traços dos portugueses e da sociedade portuguesa.
Nela convergem:
– o facilitismo com que os decisores políticos, entre outros, concretizam opções em nosso nome, sem qualquer transparência e escrutínio, sempre com a segurança de que no final é o erário público, os contribuintes que suportam os encargos dos impulsos de gestão. O importante é o fogacho mediático que a conquista implica, depois logo se vê;
– a ligeireza com que conquistado um patamar nos processos se desleixa no planeamento, triagem das opções e decisões para a sua materialização, com opções que não são transparentes nem escrutinadas nos seus resultados efetivos. As Jornadas Mundiais da Juventude foram atribuídas a Lisboa a 27 de janeiro de 2019. Há 4 anos! Mas, veja-se a ligeireza com que uma Web Summit exclusiva para Lisboa fez emergir um novo altar tecnológico no Brasil, sem que o protagonista irlandês fosse configurado no pecúlio de 11 milhões ano que arrebanha dos cofres dos contribuintes de Lisboa e do país. É pelo nosso bem comum futuro digital, dizem-nos, enquanto vão lançando novos projetos com maior ou menor opacidade como o da candidatura ao Mundial de Futebol de 2030, com Espanha e a Ucrânia;
– a ignorância generalizada dos intervenientes com os processos de concretização, mesmo dos que são pagos para saberem o que está a acontecer. É a consagração maior mundana do judicial, “não sei”, “não me lembro” que tanta utilidade estratégica trouxe a quem é envolvido em processos;
– o tradicional sobressalto cívico, político e mediático com realidades que já existiam e em relação às quais era expectável que pudessem existir desmandos, que no caso vertente resultam de mudanças políticas na Câmara Municipal de Lisboa e das interações dos múltiplos intervenientes no projeto das Jornadas Mundiais da Juventude. Esta é uma linha que vem desde os incêndios florestais de 2017, passou por diversos sobressaltos público e mediáticos, de Tancos aos abusos sexuais na Igreja, chegando agora ao custo dos altares;
– a inconsistência da gestão pública e política, enleada em diatribes políticas, sem critério, sem senso, que estão a minar o que resta de confiança dos cidadãos nas instituições e quem nelas assume responsabilidades, erodindo os pilares da Democracia;
– a circunstância da indigência moral, económica e social em que vivemos, campo de consagração do rebaixamento das tolerâncias dos cidadãos com os outros e com os poderes, apesar das condescendências com as práticas dos poderes e dos contentamentos com as benesses que vão emergindo para sustentar mínimos de implantação eleitoral, como o evidenciam as sondagens.
As circunstâncias gerais da nação e das vivências dos portugueses aconselham a mínimos de senso nas orientações, nas opções e nas concretizações, para não desmultiplicar o que de pior existe na natureza dos nossos seres humanos, a toque da elevação da conversa de café a conteúdo de rede social, da ligeireza da confusão entre liberdade de expressão e insulto ou da superficialidade do tratamento jornalístico dos temas, embevecidos pelas promiscuidades com os agentes judiciais e pela imperativa necessidade de preencher espaços mediáticos com conteúdos ou cenas.
A reincidência de altares ao longo dos últimos anos, da política sem princípios, das opções sem critério, projetando uns para o palco e mantendo outros nos camarins da falta de atenção, de vontade política e de resposta, gerou um ambiente de crescente frenesim, nervosismo e intolerância em que a inabilidade no aproveitamento da maioria absoluta e dos recursos financeiros existentes são geradores de maior perturbação. Num quadro destes, a intolerância com os decisores, os poderes e as instituições crescem, sendo mesmo penalizadora de que faz, num país em que o desincentivo à inação se consolidou, sobretudo se não existirem mínimos de senso, sentido de equilíbrio e atenção ao quadro geral de dificuldades que se vive.
Num tempo de vidas quotidianas sobre estrados não perceber que tem de haver bom senso nos altares da gestão pública, um sentido de equilíbrio compreensível pelas pessoas e uma maior explicação das opções é continuar a achar que a realidade não mudou e que tudo é possível. Nisso sim, habituem-se. Há e haverá cada vez mais, tolerância zero e irritação com os desamando de falta de senso. É o que acontece quando o dinheiro no bolso escasseia e as injustiças proliferam. Dito tudo isto, sendo agnóstico, as Jornadas Mundiais da Juventude, com a presença do Papa Francisco, são um grande evento, que um Estado laico deve acolher, implicando investimento e tendo evidentes retornos de posicionamento internacional e materiais, mesmo com resmas de altares a pulularem no país.
NOTAS FINAIS
ORGÂNICA PARA ESTÚPIDOS. O Governo limpou a Secretaria de Estado da Agricultura da sua lei orgânica, depois de semanas do lugar por preencher. Haver quem no Governo ache que a Agricultura deveria estar integrada na Economia ou eventuais comprometimentos pessoais que possam existir, não justifica tanta falta de noção. É mato para quem contesta.
É A ROTULAGEM ESTÚPIDOS! Acho sempre fantástico quando os falhanços da educação e formação dos indivíduos procura ser compensada pelas derivas proibicionistas ou de choque, como aconteceu com o tabaco e agora querem que aconteça com o vinho, com a aposição de rótulos de choque. A rotulagem dos vinhos que tem ganho uma crescente dimensão artística, alguns são autênticas obras de arte, seriam complementadas por novas categorias: Tinto-choque, Branco-choque, Verde-choque e Rosé-choque. Haja senso, num produto fundamental das economias locais, das exportações e da dieta mediterrânica.
ABAFADORES DE TODO O MUNDO UNI-VOS. O esclarecimento geral enfrenta bloqueios particulares e protagonistas que gostam de proclamar os designados “não assuntos”, como se estivesse na órbita individual de uma sociedade democrática essa ousadia em temas de gestão pública. Na Madeira, um ex-comparsa da gestão pública, proclamou a existência de múltiplos altares de gasto público sem sentido, foi logo abafado. As realidades abafadas não deixam de existir, na República, nos Açores e na Madeira, só porque alguém impede o esclarecimento integral da verdade ou das dúvidas.