De que forma os pais lidam com a saúde mental dos filhos?

De que forma os pais lidam com a saúde mental dos filhos?


A pandemia da covid-19 veio ajudar ao declínio da saúde mental dos jovens em todo o mundo. Numa altura em que o tema está em cima da mesa, o jornal foi tentar perceber de que forma os pais influenciam e lidam com os momentos mais vulneráveis da vida dos filhos.


Há momentos onde a luz da vida se torna ténue. Outras vezes, fica intermitente, fazendo-nos oscilar entre a vontade de lutar e o cansaço de lidar contra as adversidades que nos chegam e abalam. Em casos extremos, a luz apaga-se, testando a nossa capacidade de “dar a volta por cima”. Costumamos dizer que o sol quando nasce, nasce para todos. Contudo, em algumas alturas da vida, há pessoas que se encontram com as portadas fechadas.

Talvez esta seja uma metáfora muito abstrata para quem nunca o viveu. Porém, numa altura em que a saúde mental está na ordem do dia e, em que são cada vez mais aqueles que batalham por ela, em particular os jovens, é urgente compreender todas as suas ramificações, incluindo a influência das pessoas que, geralmente, nos são mais próximas: os pais.

Os resultados mais recentes do estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), Health Behaviour in School-aged Children – envolvendo 6 000 adolescentes portugueses – revelam um preocupante decréscimo global da sua saúde mental e física, em comparação com anos anteriores, com mais mal-estar psicológico, tristeza, stresse e insatisfação. O estudo que contou com a participação de 44 países, concluiu que apesar da grande maioria dos adolescentes se considerar feliz (81,7%), 27,6% sente-se preocupado todos os dias, várias vezes por dia. 21,8% menciona que quando tem uma preocupação intensa, esta “não o larga” e “não o deixa ter calma para pensar em mais nada”; 16,2% refere que, sempre ou quase sempre, “não é capaz de controlar coisas importantes da sua vida” e 17,1% refere que sempre ou quase sempre, sente que as suas dificuldades “se acumulam de tal modo que não as consegue ultrapassar”. Além disso, 27,6% nunca ou quase nunca sente que as coisas lhe correm como queria e 26,2% nunca ou quase nunca se sente confiante com a sua capacidade para lidar com problemas pessoais.

No que toca à abertura sobre o seu estado emocional com os pais, a maioria considera ser fácil falar com os mesmos, especialmente com a mãe (85,5%), mas um quarto dos jovens refere ter dificuldades em falar com o pai (25%). “Retém-se aqui a importância de (na família, na escola e na comunidade/autarquia), estarem disponíveis ações com crianças e adolescentes que promovam a gestão e autorregulação das emoções, a resolução de problemas, a autoconfiança”, conclui o estudo.

Em todo o mundo, de acordo com a OMS, cerca de 20% das crianças e adolescentes sofrem de problemas de comportamento, desenvolvimento ou emocionais, sendo que um em cada oito apresenta uma perturbação mental. Em Portugal, entre os 5 e os 14 anos, o maior impacto negativo na qualidade de vida deve-se às perturbações mentais e comportamentais. Além disso, segundo uma pesquisa da Universidade de Calgary, um em cada quatro jovens desenvolveu algum tipo de ansiedade durante a pandemia da covid-19, enquanto a percentagem de crianças e adolescentes com depressão subiu de 12,9% a 20,5%.

Estamos, por isso, perante um cenário preocupante. E, essa premissa, faz-nos interrogar sobre o papel que os pais assumem nestas situações. De que forma lidam e influenciam a saúde mental dos filhos? De que forma podem ajudar em situações emocionalmente vulneráveis? Terão os pais portugueses ferramentas para lutar contra esses “demónios” que assombram as suas “crias”? Será que os filhos sentem realmente à vontade para expor aquilo que sentem?

 

A influência dos pais

Segundo Elsa Rocha Fernandes, psiquiatra e docente convidada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, o decréscimo global na saúde mental, e física, dos adolescentes referido no estudo, numa fase de vida em que a saúde mental e o bem estar dos adolescentes estão relacionados com as experiências de vida e relações interpessoais estabelecidas pelos mesmos, parece dever-se a fatores que vão desde “o bullying, à falta de aceitação entre pares e à falta de suporte parental e de outros educadores (professores)”. “Esta preocupação surge, naturalmente, uma vez que é possível intervir através da promoção de fatores protetores, que tal como referidos no estudo, vão desde a sensação de conexão parental/familiar, boa comunicação familiar e apoio dos pares, que ajuda os adolescentes a adaptarem-se a eventos stressantes”, explica ao i a especialista.

Segundo a mesma, vários estudos têm indicado a relação existente entre a saúde mental dos filhos e os seus respetivos pais (ou outros cuidadores que exerçam os papéis de pais – OCPP), já que estes são, “as primeiras referências, e suporte, para que os filhos se tornem independentes, desenvolvam a sua saúde emocional e se capacitem a resolver problemas”. Enquanto pais (ou outros cuidadores que exerçam os papéis de pais), de acordo com a psiquiatra, importa destacar a importância do que é dito, e sobretudo do que é feito enquanto educador e role model: “Os pais (ou OCPP) podem promover a autoestima e segurança emocional dos seus filhos incentivando-os a exprimirem, desde cedo, as suas ideias, vontades, emoções e sentimentos, demonstrando amor, respeito e aceitação”, disse.

Além disso, promover a saúde mental passa também pela escuta atenta e disponibilidade para orientar os filhos para falarem com um profissional especializado em saúde mental, quando necessário e se estes não se sentirem confortáveis em falar com os pais. “A promoção de um lar seguro é também importante. Um lar em que pais e filhos falam de sentimentos, em que se promovem atividades geradoras de saúde mental como a atividade física, as brincadeiras e atividades recreativas em família”, acrescentou. No entanto, alerta, um lar em que os pais falam de sentimentos não significa, necessariamente, uma porta aberta para a discussão de todos os assuntos relativos à vida dos pais, “nomeadamente situações relativas a dificuldades financeiras, conjugais ou outras situações graves, uma vez que o nível de desenvolvimento emocional dos filhos ainda se processa, não estando ainda capacitado com os recursos necessários para uma gestão emocional saudável, causando sofrimento intenso e adicional”. Para si, o estabelecimento de limites, a par com o estabelecimento do respeito pela individualidade e preferências dos filhos, “tem um papel igualmente significativo no bem estar emocional das crianças; o estabelecimento de regras, limites e deveres promove a saúde mental dos filhos, que desde cedo se veem a par com a necessidade de gerir, e regular a frustração e zanga, e onde os pais podem ter um papel de apoio na resolução de problemas”.

Elsa Rocha Fernandes, sublinha ainda que a recusa dos pais em reconhecer a presença de sinais ou sintomas de doença mental, “pelo receio de estigmatização a que os filhos podem ser expostos”, pode ser um fator que dificulta o bem estar psíquico dos filhos, que se veem confrontados com, e em alguns casos, “o desejo de procurar ajuda profissional e o receio de exporem a situação aos pais (ou OCPP)”.

 

O sentimento de incompreensão

Margarida Torres, atualmente com 24 anos, começou a ter problemas depressivos pouco tempo depois de ficar epilética. “Tinha 16 anos. No começo, com o medo da doença visível, os meus pais mostravam alguma compreensão com aquela que não se via. O meu pai era mais distante, a minha mãe dava-me colo quando precisava, sem uma palavra, sem entender. O colo chegava-me”, começou por contar ao i. Com o tempo, os seus ataques epiléticos foram desaparecendo e a sua depressão piorando. Quando completou 17 anos, “começou o verdadeiro inferno”. Já não era apenas um sentimento de tristeza, “era um vazio que eu conseguia explicar, uma sensação de inutilidade horrível”. Na altura, a sua mãe – também ela com problemas emocionais, não ligava. “Na verdade acho que ela nem chegou a ter noção do que se passava comigo, visto que tentou tirar a própria vida na casa de banho. Foi o meu irmão mais novo que a encontrou no meio de uma grande poça de sangue e correu para pedir ajuda a outros familiares. Isso para mim foi a gota de água!”, lembrou com a voz trémula. “Mas como poderia mostrar o meu estado emocional, quando a minha mãe tinha ido muito mais longe?”, interrogou.

Alguns meses depois, a mãe procurou ajuda e, segundo Margarida, melhorou bastante. Apesar disso, a jovem foi afundando cada vez mais: “Num daqueles momentos mais avassaladores de tristeza, fui buscar a minha lâmina, que mantinha escondida atrás da gaveta da mesinha de cabeceira. Deixei a porta destrancada, o meu irmão estava em casa. Nem pensei. Ele entrou e, para minha maior tristeza e desilusão, pela segunda vez, fiz o meu irmão ver o mesmo cenário”, lamentou.

A partir daí, “jurou parar” e pediu ajuda ao pai. Infelizmente, a reação, não foi a que desejava: “O tom dele foi de gozo. Disse-me que eu queria apenas atenção, para parar de ser criança e olhar à minha volta, porque havia problemas muito mais graves”. Ainda assim, levou-a a um psiquiatra. Uma visita que, segundo a mesma, lhe arruinou a vida.

Começou a tomar antidepressivos que a ajudaram a se sentir melhor. “O maior problema foi que, como eu me sentia melhor, nenhum deles pensou mais no assunto. Ou seja, não houve mais acompanhamento médico. Eu não gostava nada dos efeitos secundários dos medicamentos, então, de um dia para o outro, deixei”, revelou. Durante uns tempos andou equilibrada, chegando a pensar que tinha recuperado. Porém, pouco tempo depois, conheceu “o monstro que é a ansiedade”. “Comecei a gritar, a implorar por apoio, por ajuda. Queria tanto a minha mãe e o meu pai! Queria morrer mas tinha medo”, admitiu. Durante os seus ataques de pânico, os seus pais mandavam-na parar, achando que esta estava a fazer “um filme”. “Sentia uma dor tão grande ao ouvir a gargalhada do meu pai quando eu aparecia no meu pior. Eles não só não entendiam, como desprezavam e achavam piada”, afirmou em lágrimas.

Segundo a psiquiatra a história parental de presença de psicopatologia, de doença mental como a depressão, a ansiedade etc., condiciona a capacidade dos pais em influenciarem positivamente a saúde mental dos filhos em comparação com pais que não apresentam doença mental: “A prioridade, aqui, para que os pais possam exercer uma influência positiva sobre a saúde mental dos seus filhos, passa pela procura de ajuda profissional, seja um psiquiatra e/ou psicólogo; com realização de psicopfármacos e/ou psicoterapia e tratamento dos seus sintomas, para que a sua funcionalidade e bem estar psíquico regressem”. A título de exemplo, é de referir como os pais (OCPP) deprimidos podem, dependendo da gravidade do quadro, mostrar-se incapazes de realizar as suas atividades diárias, tão básicas quanto os cuidados de higiene habituais, a manutenção dos níveis de energia e alimentarem-se ou dormirem o necessário, “o que em termos práticos os pode incapacitar, e de forma prolongada, a apresentarem os recursos mentais necessários para a exigente tarefa da parentalidade”.

De acordo com a mesma, é importante ainda lembrar que os filhos podem partilhar do risco genético, isto é, “a vulnerabilidade genética de desenvolver doença mental, em comparação com os filhos de pais sem doença mental”. Além de fatores relacionados com a saúde mental dos próprios pais, é importante destacar “a importância da estrutura familiar”, e que a presença de “episódios traumáticos pode ter na saúde mental dos filhos”. “A disrupção da estrutura familiar pode desencadear eventos adversos que impactam a saúde mental dos filhos, embora nem toda a disrupção tenha igual impacto. Falamos, portanto, de eventos emocionalmente desafiantes para os filhos como o divórcio dos pais, história de abuso físico e/ou emocional na família ou dificuldades económicas (etc.)”, explicou. Alguns destes fatores foram associados, em alguns estudos, com um risco aumentado de suicídio nos jovens. “A influência parental na saúde mental dos filhos pode dar-se ainda, de forma prática, na presença e promoção do diálogo entre pais e filhos, do envolvimento parental nas experiências da vida emocional dos filhos, desde idade precoce e sem que exista uma idade predeterminada para tal”, sublinha a especialista que acrescenta que o envolvimento parental na experiência de vida dos filhos deve “evitar o foco, e centralização, em aspetos meramente escolares”, mas focar-se “na experiência interna dos filhos”, com questões abertas dirigidas aos mesmos permitindo-lhes uma expressão livre de emoções, e sentimentos, num espaço emocionalmente seguro. “Aos pais, pede-se ainda a vigilância de sinais de alteração do humor, do comportamento dos filhos, e rotinas, e que possam ser indicativos de sofrimento psíquico e/ou que cursem com dificuldades na vida diária dos filhos (na interação com os pares, no rendimento escolar, na interação dentro do seio familiar etc.)”, apontou.

Infelizmente, Margarida Torres não encontrou esse lugar seguro e de atenção. Atualmente, medicada e seguida, considera que não vive, “sobrevive”: “O estrago que a depressão e a ansiedade me fizeram foi tão grande que eu nem sei se ando cá. Só continuo por causa do meu filho”, admitiu.

Hoje, sem ligação com os pais, percebe o quanto estes a marcaram. “Olho para reações minhas e percebo de onde elas vieram. Medos, coisas que me irritam, que não suporto. Hoje sou mãe e sou companheira e a maior parte das discussões que tenho em casa sou eu que as provoco”, lamenta. Além da falta de cuidado, Margarida conta que, mesmo na altura em que trabalhava e já mãe, o seu pai controlava todo o seu dinheiro. “Fiquei com um trauma gigante e hoje em dia tenho dificuldades com o meu companheiro. Tenho medo de dizer que gastei um dinheiro num miminho, por exemplo, por mais que seja ele a incentivar-me para me mimar”, detalhou. A comida também sempre foi um problema: “Sempre fui gordinha e lembro-me de ser insultada pela minha mãe. Comecei a comer às escondidas. Hoje, com 24 anos, mesmo sabendo que o meu namorado me ama, como às escondidas dele”, afirmou.

 

Dificuldades na comunicação

Tal como Margarida, Clara Ferreira, atualmente com 25 anos, começou a notar que muitas das suas inseguranças têm raiz na relação que manteve com os pais ao longo dos anos. Porém, esta tenta minimizar a situação por conseguir olhar para as pessoas para além dos pais: “Sinto que as minhas preocupações, muitas vezes, tornam-se os problemas dos meus pais. Então quando se trata de apertos emocionais, nada como tentar falar de mim e dos meus sentimentos às pessoas que me trouxeram ao mundo. Sempre que me perguntam algo que já me incomoda no dia-a-dia, sinto um aperto tão grande que acabo por ser demasiado intensa para e, dado que não têm a inteligência emocional para lidar com isso, acabamos sempre em discussão”, conta ao i.

Durante o crescimento, o seu peso sempre foi um problema e as comparações com as outras pessoas faziam-na entrar numa espiral de: “Eu não sou o suficiente”. “Neste momento, não sei se estou a um fio de cortar completamente o cordão umbilical (a nível emocional), ou se já o cortei completamente e me sinto numa crise de identidade. Tenho a minha casa, a minha família para sustentar, o meu filho para cuidar, o meu trabalho e, vivendo a uns pequenos quilómetros deles, sinto-me mais distante do que nunca”, admitiu. A jovem teve uma separação complicada depois de ser mãe e, durante os últimos anos, por se sentir desamparada, desenvolveu uma grande depressão, o que piorou os episódios de ansiedade, que a acompanham desde a adolescência. “Esperava mais presença, tendo em conta que não os vejo muitas vezes durante semanas, e tendo em conta que sabem que sofro de ansiedade e depressão. E é aqui que entra o dilema: sinto falta, mas quando os tenho por perto, não me trazem o conforto necessário”, explicou, acreditando que “talvez tenha muita bagagem para ser arrumada” e, por isso, não os deixa aproximarem-se muito.

Falar dos seus problemas, em particular, com a sua mãe, são coisas que raramente funcionam: “Tudo na minha vida tem que estar ligado à linha de vida dela e isso nunca me cabe na cabeça. Eu afirmar que ela foi uma influência para mim em muita coisa e que influenciou más decisões minhas, é meio caminho andado para um revirar de olhos e um sorriso de desprezo”, lamenta. Neste momento, evita o contacto, “para não ter de engolir sapos”: “Ainda os culpo demasiado por coisas que já devia saber lidar, e mesmo não sabendo, estou a evoluir para saber lidar com as nossas diferenças”, garante. Contudo, da parte deles, a jovem não sente que exista peso, “porque a vida é a vida e cada um com a sua”. “Eu consigo ver as pessoas atrás dos pais, mas se não fossem meus pais, eram pessoas com as quais não me identificava!”, confidenciou. “Hoje, tenho ansiedade e depressão, com pais que nunca procuraram saber se alguma vez sofreram de alguma coisa e, se procuraram, não temos ligação suficiente para eu saber desses mistérios das suas vidas”, concluiu.

 

Um fosso entre pais e filhos?

Segundo a psicóloga Hannah Thantrey, sendo que os pais são o primeiro contacto do bebé com o conceito de “cuidar”, têm um impacto enorme na forma como mais tarde esses mesmos bebés cuidarão de si: “Os pais são como deuses na terra para os seus filhos, por isso, desde muito cedo há esta repetição de comportamento através da observação e da crença de que aquilo é que é correto (mesmo que não seja)”, esclareceu ao i. “Diria que é das maiores responsabilidades neste mundo, a consciência de que temos um impacto direto na saúde mental dos nossos filhos. A nossa relação de bondade e cuidado connosco molda a relação deles de bondade e cuidado consigo e o respeito pela individualidade de cada um”, reforçou. Em situações de aflição, ou vulnerabilidade, a especialista acredita que os progenitores devem geri-lo com espaço, abertura, bondade e segurança “para aquele filho poder sentir que a sua experiência e as suas emoções (grandes e pequenas) são bem vindas, têm um espaço para também existir e serem vistas, acolhidas e amadas”. “Quando um filho expõe vulnerabilidade é porque ainda sente que o pode fazer. Sendo isso das coisas mais bonitas, a melhor forma de retribuir é transmitindo a mensagem de que tudo aquilo que está a surgir é bem vindo e que como pais, há disponibilidade para dar o tão desejado ‘colo’”, afirmou.

De acordo com Hannah Thantrey, infelizmente, ainda existe muito preconceito por parte dos pais relativamente aos psicólogos: “Acho que há cada vez menos, mas ainda há muito um medo associado ao psicólogo de que de alguma forma pode representar que há algo de errado com os nossos filhos ou que de alguma forma falhámos”, acredita.

Segundo a OMS, metade das perturbações mentais/doenças mentais na idade adulta têm início em torno dos 14 anos de idade, mas a maioria dos casos passa indetetável ou não é tratada. “Este dado destaca a importância da deteção, e intervenção, precoce na minimização do impacto da doença mental na vida dos jovens, os futuros adultos”, frisa Elsa Rocha Fernandes.

Ainda em relação a dados da OMS, estes referem que a depressão é a principal causa de doença e de incapacidade, e o suicídio a segunda causa de morte nos adolescentes entre os 15-19 anos de idade. “As consequências de não abordar a doença mental na adolescência estende-se, por isso, para a idade adulta. O impacto é de tal forma significativo que pode condicionar a capacidade de manter a qualidade de vida. A procura de ajuda profissional especializada, mais uma vez, é um fator primordial na recuperação da saúde mental, o apoio necessário aos jovens adolescentes para abordarem os seus problemas de saúde, num ambiente seguro e não estigmatizante”, garante a psiquiatra.

Ao contrário de Hannah Thantrey, a psicóloga Diana Fonseca acredita que há cada vez menos preconceito por parte dos pais em pedir ajuda e o balanço “é positivo”: “É curioso que muitos pais admitem não procurar ajuda para eles próprios, mas admitem imediatamente a necessidade de acompanhamento psicológico de um filho”, explicou, acrescentando que o que se revela importante referir é que “trabalhar com um filho em consulta, implica trabalhar de forma sistémica, com a família”, e por isso, “é fundamental os pais também estarem bastante envolvidos no processo, muitas vezes também eles num processo terapêutico individual”.

Segundo a psicóloga, atualmente, os pais “estão mais conscientes e atentos à saúde mental dos filhos e procuram com alguma rapidez a consulta de psicologia para esse efeito”. Adicionalmente, tem-se sentido também mais procura por consultas de aconselhamento parental, “uma vez que os pais reconhecem a importância de entenderem melhor as suas práticas parentais, e de como as mesmas podem interferir no ambiente familiar”. “Pais ansiosos, por exemplo, podem gerar ansiedade nos filhos; pais com dificuldade no auto-controlo, podem provocar comportamentos mais impulsivos e irritáveis nos filhos. Na realidade, comportamento gera comportamento”, aponta.

Porém, de acordo com a especialista, contrariamente ao que por vezes se difunde, “não é preciso ir a correr ao psicólogo”. Antes disso, esclarece, é importante que os pais “promovam a relação e a comunicação com os filhos, se sentem com eles, tentem conversar, e acima de tudo, sejam empáticos com o problema e com o sofrimento do filho, oferecendo sempre a sua ajuda como uma possível resposta”.

 

Mais racionais do que emocionais

Samuel Antunes, de 24 anos, nunca pensou que poderia vir a ter uma “crise de identidade”: “Construí a minha vida num sentido, e agora dou por mim a questionar o caminho que tracei. E claro que, como sempre achei que este era o caminho a seguir, nunca criei planos B, nunca me permiti ter a liberdade de escolher o que quer que fosse que pusesse em causa o meu projeto de vida profissional. E agora que questiono profundamente as minhas escolhas de vida, vejo-me sem grandes alternativas”, conta ao i. O jovem sente-se desmotivado, vê as capacidades cognitivas diminuídas, a sua capacidade de concentração comprometida e a sua memória afetada. “A qualidade do meu sono foi profundamente afetada, mas a medicação tem ajudado a regularizá-lo”, acrescentou. Segundo o mesmo, ao falar com os seus pais sobre o problema, estes atribuíram-no logo a uma situação de burnout, “pensando logo em formas práticas de o resolver”.

“Os meus pais racionalizam muito as respostas emocionais que tenho, incentivando-me também a racionalizá-las. Portanto a maior parte do apoio que tenho não é emocional, mas sim mais prático, mais no sentido de atacar rapidamente qualquer que seja o problema que tenho e que me esteja a deixar em baixo”, pormenoriza. Ou seja, procurar a melhor forma de evitar que se sinta mal com o que quer que seja. “Noutras ocasiões, dizem frases na linha de: ‘Vá, vamos lá animar-nos. Quebrar essa corrente de pensamentos depressivos’. Claro que eles tentam apoiar-me e não condenam de todo a forma como me sinto. Mostram-se compreensivos, mas nem sempre da forma mais calorosa”, admitiu.

Assim que perceberam a gravidade da situação, já que Samuel chegou a ter pensamentos suicidas, ajudaram-no a procurar ajuda psiquiátrica. “Incentivaram-me a continuar no meu percurso atual, de momento, afirmando que eu não estava em condições de tomar decisões drásticas. Eles compreenderam o impacto psicológico que esta indecisão tem sobre o meu futuro profissional, mas acho que não entendem a extensão desse impacto”, lamenta.

Interrogado sobre aquilo que o deixa mais triste, o jovem confidencia que, por vezes, sente que os pais se frustram por este não estar a recuperar da forma como eles esperavam, insinuando que “está a ser conformista com a sua depressão”: “Essa frustração faz-me sentir que estou a ser um peso para eles, que a forma como me estou a sentir não é legítima, especialmente para uma pessoa que está a ser medicada e a ter, simultaneamente, acompanhamento psicológico”, acrescentou.

Segundo a psicóloga Diana Fonseca, os pais devem estar sempre atentos aos estados emocionais dos filhos, “pois todas as etapas são importantes”. “A adolescência é conhecida como o período mais delicado, na medida em que passa a existir uma colisão entre os ensinamentos parentais, com a autonomia do jovem que começa a emergir. O adolescente reconhece cada vez mais a sua identidade, e quer assumir os seus gostos, preferências, gerando por vezes conflito em casa”, explica a especialista, explicando que há famílias onde as dificuldades de comunicação entre pais e filhos são reais e que, muitas vezes, essas dificuldades também se verificam no casal e também na relação dos pais com os próprios pais – “é sempre importante trabalhar numa visão sistémica”. No entanto, garante, também existem padrões saudáveis de comunicação nas famílias, onde muitas vezes, por exemplo, é o próprio filho que tem abertura com os pais para expressar o que sente, e pedir ajuda psicológica: “Atualmente, verifica-se que as dificuldades de comunicação também se fazem sentir por um choque de geração/contexto. A sociedade tem mudado muito, e hoje em dia, 20 ou 30 anos de diferença entre pais e filhos, constitui uma alteração significativa de hábitos, tradições, formas de olhar para o mundo, provocando por vezes muitos conflitos na vida familiar”, disse.

 

Lidar com a ansiedade

Tanto Márcia, como Sílvia e Patrícia, têm educado os filhos numa base de confiança, segurança e comunicação.

Márcia Farinha tem dois filhos, um de cinco anos e o outro de 11. Há uns anos, o mais velho, chamado Guilherme, começou a sentir um aperto no peito, suores estranhos e, uma vez, chegou a vomitar. “Contou-me logo e, com medo que fosse qualquer coisa do coração, levei-o ao pediatra. Estava tudo bem… Até que falei com a professora primária que me disse que lhe parecia ansiedade”, conta ao i. Depois disso, apressou-se a marcar consulta numa psicóloga que corroborou as suspeitas da professora. “Ele só tinha crises quando sentia medo, raiva, quando se sentia humilhado por amigos, ou tinha pesadelos de noite”, detalhou.

Nunca, até ser mãe, Márcia havia pensado na saúde mental. “Sinceramente era daquelas que achava que isso não existia. Hoje em dia percebo que estava errada”, admitiu. Até à altura da pandemia achava que conseguia auxiliar os seus filhos. Contudo, ao conviverem 24 horas por dia, muita coisa mudou e, por isso, recorreu a uma psicóloga para ajudar o Guilherme, que o segue até hoje, sempre que este sente necessidade.

A sua maior dificuldade foi precisamente aceitar a ansiedade do seu filho, já que acreditava que sempre deu o seu melhor: “Tem um lar espetacular, com comidinha sempre na mesa, roupa lavada, um mano que o ama muito, uns pais presentes e orgulhosos que demonstram afeto e dizem todos os dias o quanto o amam, Só depois de falar com a psicóloga é que percebi que não têm de haver razões. A ansiedade está lá e pronto!”, explicou.

 

Espaço para o diálogo

Patrícia Bejinha deu por si a pesquisar no Google o termo “mãe narcisista” com receio de se enquadrar nas características do conceito. “Sou uma mãe que ama, que dá muito colo, muitos beijinhos e muitos abraços. Sou uma mãe que apoia todas as decisões da minha filha (desde que não comprometam a sua saúde e integridade), mesmo que não concorde com elas – e digo-lhe sempre que não estou de acordo”, explicou ao i. Na altura em que engravidou de Maria, atualmente com 10 anos, encontrava-se a viver uma excelente fase da sua vida e nunca tinha, até à altura, sentido qualquer fragilidade em termos de saúde mental.

Quando a sua filha tinha cinco anos, passou pela separação dos pais. Porém, segundo Patrícia, a situação foi tratada da forma mais leve e descomplicada possível por ambos. “Procurámos a ajuda da educadora de infância que teve um papel fundamental nesta fase, ajudou-nos a perceber como seria a melhor forma de abordar o assunto e manteve-se sempre atenta a algum sinal comportamental que fosse preocupante”, afirmou, acrescentando que a Maria descomplicou esse trabalho, já que “lidou com as alterações próprias de uma separação (casa, escola, amigos), com uma naturalidade muito própria e que a caracteriza até hoje”. Já mais recentemente, a menina tem demonstrado algumas frustrações com as atitudes das outras pessoas e Patrícia sente que isso a aflige. “A maior parte das vezes aborda os problemas espontaneamente comigo, outras sou eu que a procuro para ambas pararmos e falarmos de tudo um pouco, acabando por me contar algumas das suas ‘coizices’ como lhes chamamos”, explicou. “Por volta dos 3/4 anos da Maria foi muito difícil lidar com as birras e perceber o que a estava a deixar em desassossego. Chorava porque sim e porque não. Tinha comportamentos desafiantes para comigo. Por esta altura aprendi, junto de uma psicóloga, algumas ferramentas que me foram muito úteis para lidar com estes estados da minha filha”, revelou. A idade veio trazer-lhe uma maior facilidade e capacidade em verbalizar o que sentia, fazendo-a perceber que a mãe está sempre do seu lado. “Sinto que temos vindo a alicerçar a relação mãe-filha e que o fortalecimento desta relação está constantemente em crescente – assim espero! Existem sempre perguntas às quais nós, pais, não temos a resposta certa porque nestas coisas da parentalidade raramente existe certo e errado”, acredita. E, mais do que estar atenta aos seus momentos em que Maria esteja mais “em baixo”, Patrícia considera realmente importante que faça parte do quotidiano parar e conversar. “É essencial ouvir o que a minha filha tem para me dizer, seja o que for, e muitas vezes perdemos este espaço de conversa porque estamos sempre ligados a alguma coisa ou em momentos de convivência com alguém, há que treinar este momento e fazer com que possa acontecer regularmente”, sublinha.

Interrogada sobre de que forma considera que a sua própria saúde mental mexe com a saúde mental da sua filha, Patrícia admite que, na altura em que se separou do pai da Maria, se sentiu “muito fragilizada”: “No mesmo mês separei-me, mudei de casa, de cidade, despedi-me de um trabalho que não correspondia às minhas expectativas e comecei uma vida nova, mas desta vez não estava sozinha, vinha com o amor da minha vida, a minha filha. Foi muito difícil gerir as minhas emoções e nem sempre perceber se o correto era expor-me ou resguardar-me”, afirmou, admitindo que, muitas vezes, foi vista a chorar e teve lágrimas limpas por mãos pequeninas. “Muitas vezes também respondi que estava triste e aí recebia abraços milagrosos, que me lembravam sempre das razões para me erguer. Muitas vezes piquei cebolas que não precisava, era a forma mais fácil de explicar o porquê de chorar. Sentia que a Maria, nessa altura, estava mais preocupada comigo, e sinto que a deixei mais ansiosa”, lembra. Atualmente, distingue nela, “como herança dessa fase de mutação”, a constante preocupação consigo. “Pergunta-me todos os dias como correu o meu trabalho, o que almocei, se vou algum sítio ou faço algo diferente, pergunta sempre se correu tudo bem. Penso que seja a herança de já me ter visto chorar muitas vezes. Hoje sinto que chorar é natural, e deve ser normalizado nas relações pais-filhos. A tristeza, a frustração, a alegria imensa, a irritação: os pais também sentem, somos iguais”, defende.

 

Como se lida com a culpa?

Marta Silva nunca quis ser mãe. Porém, a maternidade aconteceu e resolveu abraçar esse “projeto improvável”. Atualmente tem dois filhos, a mais velha de 12 anos e o mais novo de sete. “Não sou uma mãe galinha… Não ando sempre em cima e a querer sempre tudo. Mas faço das tripas coração para que nada lhes falte em termos de cuidado, carinho e dedicação. Ando sempre à procura de coisas para fazer, mas também tem dias em que só me apetece estar deitada no sofá, e aprendi a respeitar essa minha necessidade”, explica ao i.

Marta sabia da existência das depressões pós parto. Contudo, só depois de ter sido mãe, percebeu que a exaustão “nos pode levar a situações muito delicadas e que se torna, e senti por mim, difícil pedir ajuda, porque não há tempo para pensarmos no que está a acontecer”. “A vida desenrola-se a mil e quando dás conta já está a acontecer”, lamenta.

Depois de ter sido mãe, na primeira vez, teve a “sorte” da sua própria mãe um dia perceber que estava a chegar a uma fase difícil e, discretamente, “começou a estar ainda mais presente e a tirar-me algum peso”. “As coisas foram-se encaminhando e fluiu sem existir necessidade de recorrer a ajuda”, lembrou.

Porém, o fim do relacionamento que teve depois de se ter separado do pai dos seus filhos, que a deixou bastante fragilizada, por vezes, tem afetado o equilíbrio da família. “Já passaram dois anos e ainda é difícil gerir emocionalmente. Há alturas em que eles são fundamentais, outras em que era tão bom que eles não estivessem presentes. Ando mais irritada e com muito menos energia, e o nosso bem estar a três acaba por ser afetado”, revela.

Segundo a psicóloga Diana Fonseca, é impossível os pais estarem sempre presentes. É impossível os pais blindarem os filhos dos comportamentos de risco. “A exposição, por experiência ou observação, acontecerá inevitavelmente. O que tem de existir é uma comunicação funcional e positiva entre pais e filhos (…) Mentir, esconder, fingir que o mundo é perfeito, é imprudente pois não prepara um filho para a idade adulta. O estilo explicativo é sempre o mais indicado. O que deve existir é uma adequação em relação às etapas de desenvolvimento do filho, de forma a que se partilhe informação pertinente e que ele consiga compreender”, explica a especialista.

Em pleno início de pandemia, a sua filha não sabia lidar com o facto de ser fisicamente diferente das amigas, por ser muito alta e a roupa ter deixado de servir. “Este foi o início de algo que eu não estava a conseguir lidar, e ela também não. Tinha oscilações comportamentais, e eu habituada a uma menina tranquila, vi-me a braços com uma bomba relógio em casa. Nessa altura percebi que não estava a conseguir dar-lhe as ferramentas necessárias para ultrapassar e tive medo de eu própria não saber lidar. Não tive alternativa e recorri a ajuda para ela e para mim. Foi a melhor opção para as duas”, acredita.

No que toca à culpa, Marta admite que esta aparece muitas vezes: “Quando as situações acontecem e achas que não tens ferramentas e que estás sozinha a lidar com o problema. Como se lida? Numa primeira abordagem, recorrendo aos nossos abraços, às nossas pessoas âncoras (há amigos fundamentais nesse processo). Quando já se chorou tudo com o medo, quando já não há palavras de ânimo suficientes, quando achas que já estás num ponto que tu própria já não reconheces, ligas à tua psicóloga e pedes socorro”, aconselha.

De acordo com Diana Fonseca, por vezes, os pais ficam muito presos a decisões que em tempos tomaram e que afetaram de certa forma o percurso dos seus filhos. Outros pais, ficam presos a castigos que aplicaram em determinadas situações, ou a sensações de impotência perante determinados problemas… “Na verdade, é fácil sentir culpa quando se é pai ou mãe. O mais importante é perceber que os pais tomam as suas decisões a acreditar sempre que será o melhor para eles, e com o conhecimento que têm no momento”, frisa a psicóloga. Por sua vez, Hannah Thantrey, sublinha a importância de uma conexão “segura” e “honesta” – com abertura e aceitação. “No fundo é isso que todos nós ansiamos – podermos ser nós mesmos e sermos aceites e amados por isso. Portanto ao invés de olharmos para os nossos filhos como uma continuação de nós ou como ‘nossos’, podermos olhar como seres livres que são. E tal como nós precisamos de ser vistos, sentirmo-nos seguros, sermos cuidados e aceites para chegarem a nós, eles precisam exatamente do mesmo!”, afirmou a psicóloga.

 

Os professores e os pais

É incontestável que as escolas são instituições imprescindíveis para o desenvolvimento e para o bem-estar das pessoas. Aliás, é nesse lugar que grande parte das crianças e jovens se descobrem, se moldam e aprendem as competências para se tornarem adultos. Por isso, neste contexto, é também importante perceber a visão que os professores têm sobre a forma como os pais gerem os problemas emocionais dos filhos.

Luísa Pereira, é professora de Francês do ensino secundário há mais de 30 anos. Durante a sua carreira foi quase sempre diretora de turma, posição que a mantém bastante próxima dos seus alunos e dos problemas que estes possam estar a enfrentar.

Para si, a saúde mental na escola deve ser uma preocupação constante das instituições de ensino, pois esse é um local onde podem surgir diversas situações capazes de desencadear desequilíbrio emocional e transtornos mentais, como: a violência; o bullying; a anorexia; o abuso de drogas; a automutilação; a depressão; a gravidez na adolescência; as dificuldades de aprendizagem; a timidez excessiva e dificuldades para socializar; entre outros. “Com o passar do tempo, tenho vindo a assistir a um aumento de vários destes desequilíbrios e transtornos que se agravaram consideravelmente nestes últimos anos”, lamentou a docente, acrescentando que acredita que o cenário piorou também devido à pandemia. “Atualmente, temos vários alunos ansiosos, com ataques de pânico, stressados, com ataques de raiva, tristeza e mesmo depressivos”, revelou.

Helena Marques, professora de Psicologia, acredita que os desafios colocados pelas novas tecnologias “provocaram um maior distanciamento entre os adolescentes e os seus pares”. “A pressão pelos bons resultados escolares e a sua não concretização também contribui para o aumento da ansiedade e a pandemia, com o distanciamento físico e a constante exposição aos ecrãs, provocaram efeitos negativos na interação social e na aquisição de conhecimentos”, explica.

Para fazer face a esse cenário, de acordo com as professoras, todos os anos, a escola, previne essas situações através da divulgação de projetos, ações de sensibilização, palestras, webinar e outros, junto dos alunos sobre vários temas como o bullying, a violência no namoro, a (In)dependência da internet e das redes sociais – Adequar Comportamentos, Promoção da imagem corporal positiva em contexto escolar: O programa “Eu confiante, etc… “A escola tem os serviços de psicologia com uma equipa de psicólogas no Agrupamento em que trabalho. Eu promovi uma sessão para os alunos do 9.º e 10.º ano (no ano letivo anterior) para debatermos a saúde mental”, disse Helena Marques.

“Como professora e diretora de turma, sempre procurei estar atenta aos meus alunos e ajudá-los da melhor forma. Depois de 33 anos a lidar com adolescentes, já os conhecemos muito bem. Cada caso é um caso e nesta profissão é preciso ter muita paciência quando temos na turma um aluno com algum problema. Porque além de termos de lhe dar a atenção que é preciso dar e o acompanhamento em sala de aula e fora da sala de aula, temos uma data de ‘papelada’ e de contactos a fazer”, explicou Luísa Pereira.

Quando fala com os pais, a professora de Francês sente que a maioria mostra compreensão e recetividade. “Eles próprios precisam por vezes de ajuda e aceitam-na quando lhes proponho. Porque os filhos só têm consultas com os pedopsiquiatras uma vez por semana (casos mais graves), quinzenalmente ou mensalmente”, acrescentou. Ou seja, geralmente os pais sabem quando os filhos não estão bem. “É-lhe pedida uma autorização para que o seu filho seja seguido pelos SPO (Serviços de Psicologia) da escola e o aluno é para lá encaminhado. Depois se a psicóloga achar que o aluno tem de ser seguido por um psicólogo clínico (se não o for ainda) entra em contacto e marca consulta”, detalha.

Já Helena Marques acredita que a maior parte dos encarregados de educação “está preocupada sobretudo com os resultados escolares e pouco atentos aos sinais que os seus educandos manifestam tais como: a dependência excessiva no telemóvel, a qualidade do sono, a falta de socialização e a necessidade dos jovens saberem ultrapassar as suas dificuldades”. Interrogada sobre qual a resposta ou a ação mais comum depois destes serem informados de que o filho está a passar por dificuldades, a docente revela que a maior parte sugere que o melhor “é mudar de explicador”.

Apesar disso, a professora de Psicologia não conhece casos de preconceito da parte dos pais para com os psicólogos, “às vezes são os alunos que recusam a ajuda porque ‘não são malucos’”.

Todos os anos, Luísa Pereira tem alunos com situações complicadas. O ano passado, teve uma aluna no 9.º ano com um problema complicado “por causa de uma família disfuncional”. “Violência doméstica, medo, depressão da mãe, ter de cuidar dela, da mãe e do irmão mais novo… Começou a revelar uma grande falta de assiduidade, um fraco aproveitamento escolar e isolamento social. Toda esta situação a levou a um contacto nas redes sociais com uma pessoa que nos pareceu estranha e que a estava a tentar manipular para qualquer coisa. Felizmente conseguimos detetá-la a tempo e não lhe aconteceu nada”, contou.

Este ano, o caso é mais grave. “Tenho uma aluna de 7.º ano, que é depressiva há já bastante tempo e não melhora. É seguida por um pedopsiquiatra semanalmente, tem a psicóloga da escola que vai ver quando se sente mal, já fez uma tentativa de suicídio e ficou hospitalizada depois duma operação à coluna, toma medicação, mas penso que o seu estado é tão instável que deveria estar hospitalizada e não na escola”, lamenta a professora de Francês. “Eu sou apenas professora e não sou médica, mas tenho a certeza que basta qualquer coisa que a destabilize e ela vai voltar a tentar”, garante.

Na sua opinião, existe um fosso grande de comunicação entre pais e filhos. “Penso que muitos pais não conhecem bem os filhos ou julgam conhecê-los.

Sobretudo os que se fecham nos quartos e passam horas infinitas nas redes sociais ou ficam sozinhos em casa enquanto os pais trabalham demasiado tempo para poder sustentar a família”, alertou. “Depois, também há as famílias que estão juntas sem os estarem efetivamente, isto é, cada uma está na sua bolha sem haver comunicação porque o cansaço do dia-a-dia foi tanto que a televisão é mais interessante ou um bom livro ou mais uma vez as redes sociais que estão ali mesmo à mão”, acrescentou, sublinhando que, durante toda a sua carreira tem tentado gerir e dar o apoio necessário em todas estas situações, não só como professora, já que quase sempre, acaba por levar esses problemas consigo para casa.