Vivia-se um ambiente nojento no seio da família real da Bélgica. Isabel, isto é, Isabel Gabriela Valéria Maria, esposa do Rei Alberto I, tinha morrido três semanas antes deixando um testamento que preocupava seriamente os advogados chamados a estudá-lo: “Temos um problema muito grave em mãos”, revelou o porta-voz deles, “algo susceptível de originar uma crise de consequências imprevisíveis!”.
Isabel era uma senhora bem-disposta, mas, como se costuma dizer, muito torta para quem não gostava. Tinha sangue português, por parte da mãe, Maria José de Bragança, filha de D. Miguel I, o Rei deposto, e alemão por parte do pai, Carlos Teodoro, Duque da Baviera. Também era sobrinha da famosa princesa Sissi, da Áustria, mas não vou meter-me por esses assados. Alberto foi um Rei valente e deu provas de muita coragem durante a I Grande Guerra, fazendo a vida negra aos alemães. Também era um reconhecido alpinista de méritos firmados e sempre que tinha uns dias mais livres saltitava entre os picos dos Alpes, dos Dolomitas e dos Apeninos como uma cabra montesa. E tanto saltitou de uma montanha para a outra que lhe falhou um pé, caiu num precipício em Marche-les-Dames, e foi desta para melhor, embora ainda ninguém tenha de lá voltado para confirmar que é mesmo melhor do que isto onde vivemos. Passou-se a coisa em 1934. Sucedeu-lhe o filho, Lepoldo III, que acabou por ficar mais conhecido por ter casado com uma princesa sueca, de nome Astrid, conhecida por O Cisne, graças ao seu elegante pescoço, do que pelo que fez ao longo de um reinado que terminou com a sua abdicação em favor do filho Balduíno.
Problema Fabíola
Em Dezembro de 1965, Balduíno estava sentado no trono de Rei dos Belgas, como se designa oficialmente. E a avó morta acarretava-lhe problemas. A senhora embirrou desde sempre com a rainha consorte, Fabíola de Mora e Aragão. Dava-se o caso de Fabíola não ser de família real e apenas filha de uma aia da corte espanhola. Algo inconcebível para Isabel, que não se coibiu de passar a velhice numa embirração contínua com Fabíola, desdenhando tudo o que esta fazia e, basicamente, ignorando-a em todos os actos oficiais nos quais estavam ambas presentes. Depois de ter sofrido um ataque cardíaco que lhe serviu de sinal para uma morte próxima, fez uma alteração no seu testamento. Rica como Cresus, deixou a parte bruta da sua fortuna ao filho de Balduíno e Fabíola, no caso de estes virem a ter um nos três anos subsequentes. De contrário, o pecúlio iria todo para o filho de Alberto, irmão de Balduíno, e de Paola di Calabria, esta última uma das suas meninas bonitas. A velhota tinha um dedo que adivinhava: Fabíola nunca teve um filho que se visse e, com a morte de Balduíno, foi o seu irmão Alberto que lhe sucedeu. Isabel talvez tenha sorrido lá na planície da saudade eterna…