Eutanásia avança e vai a votos no parlamento

Eutanásia avança e vai a votos no parlamento


Após um terceiro adiamento, o texto final sobre a morte medicamente assistida deverá ser discutido e votado na próxima quarta-feira na especialidade. Paulo Otero alerta para as falhas do diploma.


O filme da legalização da eutanásia está longe de acabar. Na quarta-feira, a votação na especialidade do projeto de lei que descriminaliza a morte medicamente assistida foi novamente adiada na Comissão de Assuntos Constitucionais, com o aval do PS e PSD. Se tudo correr sem mais percalços, a votação artigo a artigo decorrerá na próxima quarta-feira e, havendo maioria clara para aprovar o diploma,  este deverá depois receber luz verde do Parlamento no final da sessão plenária da próxima sexta-feira. O problema pode vir depois, nomeadamente da parte de Belém e do Palácio de Ratton, tendo o  Chega reunido com o Presidente da República para solicitar a Marcelo Rebelo de Sousa que vete a lei, caso seja aprovada pelo Parlamento.

Uma alteração de última hora ao texto comum feita pelos socialistas serviu de pretexto para o Chega pedir o adiamento da votação, tendo PS e PSD concordado em conceder mais tempo para a análise da proposta. Em causa está a supressão de uma alínea no artigo referente à Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos da Morte Medicamente Assistida, que tem um papel na autorização de cada pedido de eutanásia. Até aqui a proposta previa que este órgão fosse composto por juristas indicados pelo Conselho Superior da Magistratura e pelo Conselho Superior do Ministério Público; um médico indicado pela Ordem dos Médicos; um enfermeiro indicado pela Ordem dos Enfermeiros; e um especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Na redação anterior do artigo constava a menção de que esta comissão entraria em funcionamento «no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo previsto no número anterior [20 dias a contar da entrada em vigor da lei] ou logo que tenham sido designados todos os seus membros».

Agora, esta alínea é eliminada, uma questão que assume especial relevância após a Ordem dos Médicos ter já garantido que recusaria indicar um representante, o que podia inviabilizar o funcionamento da comissão.

A deputada socialista Isabel Moreira justificou que era «juridicamente mais sólido» fazer a eliminação da alínea. Questionada pelos jornalistas sobre se esta mudança pretende contornar a exigência de que a comissão só possa funcionar com todos os membros presentes, dado o problema colocado pela Ordem dos Médicos, a deputada do PS disse que quer afastar qualquer interpretação jurídica que fosse nesse sentido.

Na verdade, a formulação atual do artigo não tem qualquer referência que diga que têm de ser designados todos os membros nem em sentido contrário. Contudo, essa não é a leitura à luz do Direito Administrativo, tal como explicou Paulo Otero ao i. «Há duas regras fundamentais: a primeira é que um órgão colegial só está legalmente constituído quando todos os seus membros estão designados, a segunda é que um órgão colegial só pode validamente deliberar se estiverem presentes a maioria mais um, isto é, o quórum dos respetivos membros».

Segundo o professor de Direito Constitucional, qualquer outra solução que não esta é inválida, o que significa que, para funcionar, a comissão tem de ter todos os seus membros designados.

Para Paulo Otero, também os conceitos confusos levantam dúvidas na constitucionalidade do diploma. «As emendas são piores que o texto original. O texto original já era mau e estas alterações conseguem ser ainda piores», criticou.

O constitucionalista rejeita ainda a hipótese de se avançar para um referendo, como tem vindo a pedir o Chega. «A vida humana não está sujeita a referendo. A vida humana é inviolável, eu diria ponto final parágrafo. Portanto, a vida terminal deve é ter condições de dignidade através de cuidados paliativos. Compreendemos que seja mais barato uma injeção letal, do que ter unidades de cuidados paliativos, mas esse é um problema de natureza financeira do Estado», referiu, acrescentando que falta também saber se uma pessoa, perante uma doença grave, fatal ou incurável, está na posse de todas as suas faculdades para poder tomar uma decisão destas.