Os desastres não são por acaso. Resultam da combinação da perigosidade, vulnerabilidade e exposição. Como a vulnerabilidade resulta em grande parte de decisões humanas, os desastres devido a sismos ou cheias não são naturais. Os fenómenos naturais como sismos, cheias, põem a descoberto as vulnerabilidades do ambiente construído e da sociedade, evidenciando as boas e más tomadas de decisão ao longo do tempo.
Vivemos num mundo em que o risco de desastres se manifesta periodicamente, arrastando consigo a consequência dos danos, nas infraestruturas críticas (data centres, gasodutos, água, gás, telecomunicações), da interrupção dos serviços vitais (escolas, hospitais) e das perdas económicas. Os riscos aumentam, o conhecimento e divulgação dos mesmos também, mas os esforços e políticas para a sua redução, parecem demasiado pouco ou aparecem muito tarde.
Milhares de pessoas vivem, trabalham, estudam ou viajam para áreas suscetíveis de inundação por tsunami, por exemplo. Em Portugal, a perceção do risco de tsunami pelas pessoas que vivem ou frequentam as zonas costeiras é muito baixa ou nula. É também destino internacional para turismo e residência. Nos anos recentes muitos californianos fixaram-se em Portugal. Pesou na sua decisão, entre outros fatores, o medo constante de perder a sua propriedade devido aos incêndios florestais, na Califórnia. Foram criados mecanismos destinados a quem está fora, fixar aqui a sua residência habitual ou a ter uma segunda residência em Portugal, independentemente destas residências serem vulneráveis a sismos ou tsunamis. E muitas são. Na Área Metropolitana de Lisboa cerca de 20% do edificado habitacional poderá sofrer danos com um sismo de magnitude moderada. Se olharmos para a cidade de Lisboa, esses números ascendem aos 60%. Quer isto dizer que as habitações podem ficar completamente inutilizadas ou até colapsar. Os cuidados de saúde, alguns a poucos metros da costa, ficarão igualmente incapacitados, e toda a cadeia de danos se seguirá. Se ao sismo juntarmos o tsunami, o cenário é ainda pior.
Desde 2015, após o sismo e tsunami do Japão em 2011 ter tido consequências nacionais e internacionais devastadoras, que as Nações Unidas escolheram o dia 5 de novembro para sensibilizar as comunidades para o risco de tsunami. Esse dia foi criado para alertar as comunidades e os decisores políticos a tomarem medidas que reduzam o risco da exposição das comunidades costeiras. Relembrar os tsunamis do passado é essencial para reduzir o impacto dos tsunamis do futuro.
Em algumas áreas costeiras de Portugal, como Setúbal, Cascais, Lisboa, Portimão ou Lagos, já se encontram sirenes (umas funcionam outras não) e/ou sinalética dos corredores de evacuação para avisar a população a tomar as devidas medidas de proteção em caso de tsunami. Fugir para um local alto e longe da costa. Já é um passo; mas não deveríamos estar a desenvolver estudos destes para toda a costa portuguesa? Não deveríamos estar todos preocupados em manter o nosso edificado e infraestruturas funcionais e sem problemas de maior, para que seja possível uma rápida recuperação das atividades socioeconómicas e dos serviços após os impactos de um tsunami? Para um tsunami acontecer, em geral precede-lhe um sismo de magnitude elevada. Consequentemente, na situação atual isso originaria importantes perdas humanas, no edificado e nas infraestruturas construídas. Perdas que podem atingir os 50%-100% do PIB português. Não deveria estar a tocar a sirene na consciência dos decisores políticos de que cada dia que passa, deixando tudo na mesma, é uma perda de tempo precioso para reduzir os riscos?
Há dias foi aprovado o Orçamento do Estado para 2023 (OE2023), e com ele a aprovação da substituição dos cabos submarinos que ligam o Continente aos Açores e Madeira (o anel CAM). Não é explícito se irão ser incluídos os sensores que permitem receber alertas precoces de sismos e tsunamis. Esperemos que sejam SMART, os cabos e as decisões em os incluir, para acautelar a atração e o crescimento do investimento previsto no OE2023, muito dele oriundo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Plano este que também não contempla a mitigação dos riscos sísmico e de tsunami. Já em Itália, os fundos do PRR italiano irão ser aproveitados não só para a modernização energética, mas para aumentar a segurança sísmica das escolas do 1.º ciclo ao secundário.
É fundamental uma visão estratégica; focar nas áreas onde estão concentradas as principais atividades socioeconómicas do país, os equipamentos e as infraestruturas críticas, e investir em obras que contemplem a segurança sísmica. É preciso dar um passo gigante para aproveitar o que a ciência e a tecnologia trazem de bom, para assegurar que as capacidades para detectar sismos e tsunamis e a capacidade das comunidades afetadas para responder rapidamente aos alertas melhorará globalmente. É necessário preencher as lacunas, aumentar o conhecimento da população para os riscos; incluir a temática nos programas escolares. É necessário estar preparado, mas para estar preparado primeiro necessitamos de ter consciência dos riscos que corremos. É urgente um compromisso em adotar uma estratégia nacional, que enquadre uma política de investimentos na redução dos riscos, para evitar que o desenvolvimento económico permaneça altamente vulnerável ao risco de desastres.
A propósito, faz hoje 267 anos que as águas invadiram Lisboa, chegando “Resvés, Campo de Ourique”.
Investigadora no Instituto Superior Técnico / Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade (CERIS)