A contagiante euforia na véspera da chegada do Pai Natal das expetativas, das crenças e dos anúncios não bate certo com a extensão do cobertor e com a realidade. Por maiores que sejam os bodos, as partilhas e os amanhãs que cantam, as distorções do regular funcionamento das instituições e da sociedade são evidentes, não augurando nada de bom.
Não se trata de contrapor pessimismo ao otimismo vigente, mas de evidenciar que, mesmo a segmentação dos compromissos para a agradar às partes, não implicam em benefício do interesse geral, porque nunca haverá que baste para corresponder às necessidades e às expetativas de todos, em todos os pontos do território nacional.
Mesmo o triunfo político do acordo com os parceiros sociais, um amontoado de contratos particulares em que os outorgantes ganham um pouquinho e o governo ganha muito, não resultaram em estabilidade e paz social, embora a esperança das partes é a de que, conjugado com as redistribuições do Orçamento de Estado, a agitação da CGPT, do PCP e do Bloco de Esquerda possam ser pouco mais que rodapés, porque sintonizados com setores, cidadãos e territórios com pouca voz.
Nem tudo vai ficar bem e muito já não está nada bem.
A displicência e desplante com que a ida ao pote dos dinheiros público é intentada revela um despudor total permitido por quem gere e tolerado pela população, com menor ou maior grau de acidez cívica e digital, em função dos trocos que preenchem os bolsos individuais.
O caso dos BMW na TAP, depois de tantos outros perdões de dívida no Novo Banco, é apenas uma gota de água desse desplante sem quartel com que é gerido. Nessa casa em que estiveram em causa os leasings de viaturas, há milhões a serem desbaratados por opções concretas que não salvaguardam a capacidade operacional da transportadora, não defendem a economia nacional, lesam empresas nacionais em benefício de empresas estrangeiras e colocam em risco o emprego.
E, na mesma órbita, é ver o desplante com os detentores dos bifes do lombo das privatizações do passado se atiram ao Estado para reivindicar milhões de compensações por riscos que decorrem das circunstâncias das suas atividades. Não partilham os lucros das dinâmicas de euforia turística, mas a ANA Aeroportos de Portugal, enquanto aumenta uma vez mais as taxas aeroportuárias, quer 214 milhões de euros para repor o equilíbrio financeiro afetado pela pandemia. Esta gente não se toca?
E aos portugueses, aos contribuintes, aos cidadãos quem repõe os equilíbrios?
Não há ninguém que cuide do exemplo, já que a lei é atropelada todos os dias?
Com um Presidente da República que, entre a profusão de declarações por tudo e por nada, em todas as longitudes e latitudes, se entretém a interferir nas investigações judiciais sobre suspeitas de abusos sexuais, a exorbitar as suas competências procurando condicionar o que não pode e a contribuir para a degradação do ambiente democrático e social, enquanto enuncia a bomba atómica do poder de dissolução da Assembleia da República.
Com uma sociedade que tolera que uma instituição de interesse público promova uma tentativa de fuga ao fisco de 4,5 milhões de euros, sendo que entre as suas receitas contam com 40% de dinheiros públicos, enquanto ao comum dos cidadãos contribuintes não há nenhuma margem de tolerância ou de tolerância para criatividades fiscais e afins.
Com o esforço reiterado de branqueamento da cibercriminalidade de um protagonista ungido por parte da investigação criminal enquanto o país é fustigado com reiterados ataques informáticos por comparsas desta nova escola de crime, assente nos hábitos, comportamentos e pressupostos das nossas sociedades. Agora, arrependido, até comunicou urbi et orbi que ajuda as secretas ucranianas, esperemos que tenha deixado outros lados da barricada digital.
Portugal precisa de um novo quadro de referência que todos respeitem a lei, que resolva as inconsistências de uma sociedade cada vez mais dual e erradique as margens de oportunidades para os populismos, os casos e o ruído que apenas serve para distrair a atenção das grandes opções, das dinâmicas e dos interesses de quem sabe como o sistema funciona e passa entre os pingos da chuva.
Sem esse novo quadro de referência, claro, transparente e escrutável, vamos continuar a assistir a reiteradas efervescências públicas e mediáticas, à degradação do ambiente democrático e do funcionamento do Estado de Direito. Tudo boas notícias para os populistas e extremistas. Tudo os que os democratas não querem. É preciso agir, com sentido estratégico, verdade e consequência, além do bodo e do poucochinho.
NOTAS FINAIS
FRACAS ELITES. É evidente o desconforto das pseudo-elites do eixo Lisboa-Linha com a emergência de protagonistas fora dessa órbita dos corredores da decisão. Não temos Monarquia, mas é como se a tivéssemos na alegada predestinação de alguns para determinados privilégios e posições em contraste com os outros, os de fora do eixo. Fora dos eixos estão estas pseudo-elites com força pública e mediática.
O PAVONEIO DE LUKASHENKO. Com um mundo de evidências é inacreditável como é permitido o pavoneio do Presidente da Bielorússia na órbita de Putin sem que se penalize a participação do país em diversos palcos da convivência das nações. Ainda há pouco, no futsal, a seleção bielorrussa jogou com a portuguesa.
AINDA OS SEMÁFOROS DE MOEDAS. O desastre prossegue, com inversão da ordem dos fluxos, os tempos mal contabilizados, os bloqueios permanentes, para transportes públicos e privados.
TVDE. Conduzir em cidade não é fácil. Não há respeito pelo básico em relação ao outro, nem para sinalizar mudança de direção (dá multa, mas ninguém fiscaliza), mas há uma crescente degradação da condução que resulta da adição de outro tipo de condução proveniente de latitudes diferentes. Antigamente dizia que saía na Farinha Amparo, agora não sei de onde caem do céu, as licenças para conduzir TVDE.