Ucrânia. Referendos aumentam risco nuclear

Ucrânia. Referendos aumentam risco nuclear


Com a anexação dos territórios ocupados na Ucrânia, o Kremlin ameaça escalar o conflito


O Kremlin apressou-se a levar a cabo referendos nas regiões ocupadas da Ucrânia, com o propósito de formalizar a sua anexação, esta sexta-feira. O previsível resultado daria motivos para o regime de Vladimir Putin celebrar, após as suas sucessivas derrotas no campo de batalha, além de facilitar o recrutamento forçado de habitantes destas regiões, algo que o Kremlin tanto precisa (ver texto ao lado). E talvez ainda possa servir para estancar os contra-ataques ucranianos, caso o fluxo de armamento vindo da NATO diminua devido aos receios de líderes ocidentais de que Putin reaja aos ataques a estes supostos territórios russos com armas nucleares táticas. Ou seja, ogivas mais pequenas – pensa-se que a Rússia tenha duas mil armas destas no seu arsenal – que podem ser até 50 vezes mais pequena que a bomba de Hiroshima, desenhadas para ser usadas no campo de batalha sem desencadear necessariamente um holocausto nuclear.

Não espanta que os residentes pró-ucranianos vejam com desprezo os referendos em Lugansk, Donetsk, Zaporínjia – os invasores nem sequer têm controlo sobre a capital deste oblast – e Kherson. «É treta. Todos o sabem. Todos o compreendem. Os resultados estão previstos», acusou  um habitante de Berdyansk, em Zaporínjia, que como tantos outros fugiu para território ucraniano por temer uma autêntica caça ao homem conduzida pelas forças russas. Falou ao Financial Times sob condição de anonimato, temendo represálias contra familiares ainda em Berdyansk.

A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE, na sigla inglesa), que tem como papel monitorizar eleições, já veio a público declarar o óbvio, que referendos em territórios em guerra, contrárias à lei ucraniana e sem presença de observadores independente não eram legalmente vinculativas. Mas isso não impedirá o Kremlin de o ver como tal, aproveitando para fazer ameaças nucleares, como explicou Dmitry Medvedev, antigo presidente, atual nº 2 do conselho de segurança russo  e em tempos conhecido com fantoche de Putin.

«Ingerência no território russo é um crime que permite que uses todas as forças de autodefesa», assegurou Medvedev, no início da semana passada, numa publicação no Telegram. «Por isso é que estes referendos são tão temidos por Kiev e pelo Ocidente», rematou.

Já Volodymyr Zelensky  mostra-se resoluto em não se deixar intimidar por ameaças nucleares. «Amanhã Putin amanhã pode dizer: ‘Além da Ucrânia queremos outra parte da Polónia, ou vamos usar armas nucleares’. Não podemos fazer esses compromissos», defendeu. «Vamos agir de acordo com os nossos planos, passo a passo», garantiu o Presidente ucraniano, cujas forças têm reforçado as suas posições no rio Oskil, no sudeste de Kharkiv, chegando a estabelecer novas testas de ponte, enquanto avançam no sul, em Kherson.

Contudo, isso não impede que alguns aliados ocidentais de Zelensky estejam a ponderar se querem continuar a enviar tanto armamento e munições, arriscando uma vitória estrondosa da Ucrânia. Algo que poderia ser lido pelo Kremlin como uma situação em que «a própria existência do Estado está em causa», ou seja o patamar para o uso de armas de destruição massiva estabelecido pela doutrina nuclear russa.

Daí o risco das armas nucleares táticas. «Se tens estas armas nucleares mais pequenas, menos destrutivas, a ameaça de as usar parece mais credível», explicou Nina Tannenwald, professora de Relações Internacionais na Brown University, à Euronews. «Elas de facto parecem mais utilizáveis, e isso torna mais provável que líderes as possam usar numa crise».