Os álibis perfeitos: pandemia e guerra


A política da “meia bola e força” é praticada por aqueles políticos que, perante qualquer questão, querem resposta e decisão imediatas, retirando-se o tempo de ponderação a que as questões complexas obrigam. 


Setembro é para muitos o mês de iniciar um novo ciclo, um pouco à semelhança do mês de janeiro, depois do período festivo do Natal. Há quem reprograme os seus projetos, horários, novos hábitos e novos desafios neste mês que anuncia a chegada do outono e que determina o regresso às aulas. Houve tempo para refletir sobre um novo ano, enquanto se estava de férias e o regresso às rotinas é bem-vindo depois de um descanso merecido.

O problema é que as notícias não são as mais animadoras e o panorama adensa o seu tom cinzento que diariamente escurece a caminho de um tom negro deprimente e que assusta. 

Aqui chegados, a este novo ano, não há um dia que passe sem que as notícias nos tirem horas de bom sono e sejam causadoras de pesadelos que se vão refletir na qualidade do sono dos portugueses. A guerra na Ucrânia passou para segundo plano, cedendo passagem à crise anunciada (mas que já está entre nós), e de covid nem se fala (o que agradecemos, pois já não se aguentava aquele pinga-pinga de casos a abrir os telejornais, prolongado para além do devido). O conflito entre a Rússia e a Ucrânia e a pandemia só servem para justificar a situação miserável e descontrolada que se vem instalando entre os portugueses. Tem que haver sempre um bode expiatório para quando o país bate na trave e, neste caso, o Governo tem duas pérolas que justificam o seu infortúnio. Porque nós somos assim, nós, os portugueses: aceitamos todas as desculpas que nos dão porque simplesmente não estamos para pensar a fundo nas coisas. Foi assim com José Sócrates, PEC após PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento), e só no IV PEC é que, finalmente, se fez luz. Quase dez anos depois, repetimos a fórmula com o atual Governo e vamos aguardando não se sabe muito bem o quê.

Para já, o que sabemos e sentimos no bolso e nas horas de sono sem qualidade é que o aumento de preços de bens de primeira necessidade se agrava de dia para dia. A DECO (Defesa do Consumidor) fez as contas e alertou que o cabaz alimentar custa mais cerca de 23 euros do que no início do ano. Não me recordo de ser surpreendida na caixa de pagamento do supermercado como o fui em finais de agosto, no mesmo supermercado onde realizo as compras desde sempre. 

A somar a isto, o setor da energia já antecipou os incontornáveis aumentos nas faturas das famílias portuguesas, para não falar das empresas que são sugadas até ao tutano com impostos, taxas e faturas de energia que triplicaram. Este aumento irá acrescer a todos os outros bens essenciais e para os quais a DECO já tinha alertado, em maio, que quatro em cada dez portugueses não iriam ter condições para enfrentar um agravamento da crise. Já não se trata de um agravamento, mas do colapso da nossa economia, tanto nas famílias como no setor empresarial.  No imediato, os portugueses começaram a cortar nas atividades sociais, culturais e de lazer e estão a adiar a compra produtos de lazer e de vestuário. E, segundo o mesmo estudo, 10% dos inquiridos reconhece que tem dificuldades em pagar as despesas relativas à educação dos filhos.

Pandemia e guerra, os dois óbices para o desenvolvimento da nossa economia e os álibis perfeitos para a incapacidade evidente deste Governo em planear e estruturar políticas a longo prazo que promovam o crescimento económico da nossa população.

A política do aumento salarial dos salários mínimos é o exemplo mais esclarecedor deste enviesamento político que se abateu sobre o executivo socialista. O nível de salários continua baixo e o crescimento salarial não se repercute na economia ou na estabilidade das famílias que o auferem. Entre 2002 e 2017, o salário-base médio subiu de 879 euros para somente 925 euros. Uma avareza que se mantém inalterável e da qual se deixou de falar, como se não houvesse classe média em Portugal. No ranking da OCDE, em 2020, éramos o quarto pior país da União Europeia no que se referia ao salário médio. Hoje, com a crise económica, um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian prevê que a probabilidade de um trabalhador receber um salário baixo, mais próximo do salário mínimo, é muito alta.

Na realidade, os salários só foram aumentados para quem ganha menos. A estagnação do salário médio conduziu a um assinalável e preocupante enfraquecimento da classe média em Portugal. Uma classe que está em vias de extinção e que tem sido negligenciada a favor dos subsidiodependentes que em nada contribuem para a força laboral e produtividade do nosso País.

Há subsídios sociais que são justificados e indispensáveis para auxiliar o cidadão a recompor a sua vida, mediante situações imprevistas complexas (doença, desemprego, incapacidade…), e nas quais o Estado deve ser garante de uma estabilidade futura. Nestes subsídios não posso, nem quero incluir o RSI (Rendimento Social de Inserção) porque, à semelhança de muitos portugueses, não compreendo por que razão muitos dos que beneficiam deste apoio não estão a trabalhar na restauração, nas obras, na agricultura, no comércio, tudo áreas onde estão a fazer falta trabalhadores para que a economia não pare. Em vez disso, temos um sistema que premeia quem se contenta com umas centenas de euros por mês, vive em habitações sociais cedidas pelos municípios, não tem gastos com a educação ou a saúde dos filhos e dedica os melhores anos da sua força ativa ao ócio. Tudo porque o Governo não acredita num futuro melhor para estes portugueses, nem sequer se esforça por interromper o ciclo de pobreza a que estas pessoas estão destinadas. Prefere assumir a sua incapacidade como se fosse determinação divina, mantendo estas famílias no mesmo lugar e sem os incentivar a melhorar o seu futuro e o dos seus filhos. Um atentado à nossa sociedade e do qual todos somos responsáveis por este enviesamento que tem assumido proporções incalculáveis e que se estende à classe média a olhos vistos.

Escreve quinzenalmente

Os álibis perfeitos: pandemia e guerra


A política da “meia bola e força” é praticada por aqueles políticos que, perante qualquer questão, querem resposta e decisão imediatas, retirando-se o tempo de ponderação a que as questões complexas obrigam. 


Setembro é para muitos o mês de iniciar um novo ciclo, um pouco à semelhança do mês de janeiro, depois do período festivo do Natal. Há quem reprograme os seus projetos, horários, novos hábitos e novos desafios neste mês que anuncia a chegada do outono e que determina o regresso às aulas. Houve tempo para refletir sobre um novo ano, enquanto se estava de férias e o regresso às rotinas é bem-vindo depois de um descanso merecido.

O problema é que as notícias não são as mais animadoras e o panorama adensa o seu tom cinzento que diariamente escurece a caminho de um tom negro deprimente e que assusta. 

Aqui chegados, a este novo ano, não há um dia que passe sem que as notícias nos tirem horas de bom sono e sejam causadoras de pesadelos que se vão refletir na qualidade do sono dos portugueses. A guerra na Ucrânia passou para segundo plano, cedendo passagem à crise anunciada (mas que já está entre nós), e de covid nem se fala (o que agradecemos, pois já não se aguentava aquele pinga-pinga de casos a abrir os telejornais, prolongado para além do devido). O conflito entre a Rússia e a Ucrânia e a pandemia só servem para justificar a situação miserável e descontrolada que se vem instalando entre os portugueses. Tem que haver sempre um bode expiatório para quando o país bate na trave e, neste caso, o Governo tem duas pérolas que justificam o seu infortúnio. Porque nós somos assim, nós, os portugueses: aceitamos todas as desculpas que nos dão porque simplesmente não estamos para pensar a fundo nas coisas. Foi assim com José Sócrates, PEC após PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento), e só no IV PEC é que, finalmente, se fez luz. Quase dez anos depois, repetimos a fórmula com o atual Governo e vamos aguardando não se sabe muito bem o quê.

Para já, o que sabemos e sentimos no bolso e nas horas de sono sem qualidade é que o aumento de preços de bens de primeira necessidade se agrava de dia para dia. A DECO (Defesa do Consumidor) fez as contas e alertou que o cabaz alimentar custa mais cerca de 23 euros do que no início do ano. Não me recordo de ser surpreendida na caixa de pagamento do supermercado como o fui em finais de agosto, no mesmo supermercado onde realizo as compras desde sempre. 

A somar a isto, o setor da energia já antecipou os incontornáveis aumentos nas faturas das famílias portuguesas, para não falar das empresas que são sugadas até ao tutano com impostos, taxas e faturas de energia que triplicaram. Este aumento irá acrescer a todos os outros bens essenciais e para os quais a DECO já tinha alertado, em maio, que quatro em cada dez portugueses não iriam ter condições para enfrentar um agravamento da crise. Já não se trata de um agravamento, mas do colapso da nossa economia, tanto nas famílias como no setor empresarial.  No imediato, os portugueses começaram a cortar nas atividades sociais, culturais e de lazer e estão a adiar a compra produtos de lazer e de vestuário. E, segundo o mesmo estudo, 10% dos inquiridos reconhece que tem dificuldades em pagar as despesas relativas à educação dos filhos.

Pandemia e guerra, os dois óbices para o desenvolvimento da nossa economia e os álibis perfeitos para a incapacidade evidente deste Governo em planear e estruturar políticas a longo prazo que promovam o crescimento económico da nossa população.

A política do aumento salarial dos salários mínimos é o exemplo mais esclarecedor deste enviesamento político que se abateu sobre o executivo socialista. O nível de salários continua baixo e o crescimento salarial não se repercute na economia ou na estabilidade das famílias que o auferem. Entre 2002 e 2017, o salário-base médio subiu de 879 euros para somente 925 euros. Uma avareza que se mantém inalterável e da qual se deixou de falar, como se não houvesse classe média em Portugal. No ranking da OCDE, em 2020, éramos o quarto pior país da União Europeia no que se referia ao salário médio. Hoje, com a crise económica, um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian prevê que a probabilidade de um trabalhador receber um salário baixo, mais próximo do salário mínimo, é muito alta.

Na realidade, os salários só foram aumentados para quem ganha menos. A estagnação do salário médio conduziu a um assinalável e preocupante enfraquecimento da classe média em Portugal. Uma classe que está em vias de extinção e que tem sido negligenciada a favor dos subsidiodependentes que em nada contribuem para a força laboral e produtividade do nosso País.

Há subsídios sociais que são justificados e indispensáveis para auxiliar o cidadão a recompor a sua vida, mediante situações imprevistas complexas (doença, desemprego, incapacidade…), e nas quais o Estado deve ser garante de uma estabilidade futura. Nestes subsídios não posso, nem quero incluir o RSI (Rendimento Social de Inserção) porque, à semelhança de muitos portugueses, não compreendo por que razão muitos dos que beneficiam deste apoio não estão a trabalhar na restauração, nas obras, na agricultura, no comércio, tudo áreas onde estão a fazer falta trabalhadores para que a economia não pare. Em vez disso, temos um sistema que premeia quem se contenta com umas centenas de euros por mês, vive em habitações sociais cedidas pelos municípios, não tem gastos com a educação ou a saúde dos filhos e dedica os melhores anos da sua força ativa ao ócio. Tudo porque o Governo não acredita num futuro melhor para estes portugueses, nem sequer se esforça por interromper o ciclo de pobreza a que estas pessoas estão destinadas. Prefere assumir a sua incapacidade como se fosse determinação divina, mantendo estas famílias no mesmo lugar e sem os incentivar a melhorar o seu futuro e o dos seus filhos. Um atentado à nossa sociedade e do qual todos somos responsáveis por este enviesamento que tem assumido proporções incalculáveis e que se estende à classe média a olhos vistos.

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